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A arte contemporânea é negra? Artistas discutem avanços e recuos
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A arte contemporânea é negra? Artistas discutem avanços e recuos

Artistas negros cearenses debatem avanços dentro da produção artística local entre recepção do mercado e a constante falta de valorização
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Artista cearense Suellem Cosme (Foto: Nayra Maria/Divulgação)
Foto: Nayra Maria/Divulgação Artista cearense Suellem Cosme

A pergunta que inicia essa reportagem está presente em um quadro da mostra "Encruzilhadas da Arte", que reúne 61 artistas negros para contar a história da população preta sob do uma perspectiva distinta da ótica da branquitude que domina as narrativas presentes em livros de história. Com curadoria de Deri Andrade, a exposição está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil em Minas Gerais.

Seguindo um caminho similar, a exposição "Anas, Simôas e Dragões" levou para o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC) o resgate das raízes da população afrobrasileira sob o ponto de vista dela mesma. Em cartaz até este domingo, 28, a exibição traz 6 artistas cearenses que usam suas obras para recontar a história de Preta Simoa, Tereza Benguela e outras lideranças que lutaram pela emancipação de pessoas negras escravizadas vindas do continente africano.

As duas exposições citadas acima fazem parte de um movimento que vem acontecendo nos anos pós-pandemia, em que artistas negros estão ganhando mais espaço em museus e galerias, seja em Fortaleza ou em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Quase como um tipo de renascimento, como propõe Beyoncé em sua recém lançada trilogia de álbuns composta até o momento somente por "Act I - Renaissance" e "Act II -Cowboy Carter".

"As mulheres negras sempre produziram arte na nossa perspectiva e compreensão", salienta Ana Aline Furtado, que assina a curadoria de "Anas, Simôas e Dragões", junto com Cícera Barbosa. "As mulheres negras sempre produziram arte, o que está em deslocamento é como o mundo não pode mais virar as costas para o que estamos dizendo", acrescenta Ana Aline, que é advogada de formação.

Cícera Barbosa salienta que o espaço de maior visibilidade é uma conquista coletiva. "O que antes não tinha destaque, agora aparece com holofotes e quem possibilitou isso fomos nós mulheres negras em coletivo", argumenta a curadora, que é historiadora de formação. "Essas artistas não estão produzindo as mesmas coisas e nem saindo dos mesmos lugares", completa Ana Aline Furtado.

Suellem Cosme, artista cearense natural de Ocara, acredita que o movimento de valorização de artista negros ainda é recente em Fortaleza. "No Brasil todo, principalmente no sudeste, percebo esse movimento de ver a arte de pessoas negras como potência. Aqui é algo que está começando agora". A também designer de formação percebe que a qualidade das produções tem possibilitado o ganho de destaque em exposições e galerias.

"São produções incríveis que realmente merecem destaque e acho que as pessoas percebem que quem tem acesso a essas galerias normalmente são pessoas brancas com privilégios que tem condições de comprar materiais, realizar formações fora do País e conseguir esse espaço de forma fácil e rápida", pontua.

Apesar do aumento de artistas negros em espaços de arte, ainda não é possível viver da própria arte na Cidade, de acordo com Suellem. "Ainda não chegou nesse momento em que a gente realmente viva da nossa produção. A maioria dos artistas negros e indígenas daqui meio que sobrevivendo, ainda não é algo que realmente chegue aos pés do que essas outras pessoas privilegiadas conseguem", afirma a artista, que é Design de formação pela Universidade Federal do Ceará.

"As nossas produções são bem diferentes, falam sobre diversos locais, território, memória, sobre a nossa vivência em si, sobre ela ser única, eu acho que a galera está de olhos atentos para isso", destaca Cosme, que começou o contato com a arte ainda criança através do desenho.

André Rodrigues, que usa o nome artístico de Nódoa, observa que essa maior atenção e espaço para artistas negros se deu também a partir da organização da própria classe. "Conseguir colocar essas essas questões em pauta, de conseguir dizer assim: 'E aí como vai ser? Vocês vão ficar olhando só para vocês mesmo?'", enfatiza o também publicitário.

"Porque isso se deu a partir até eu acredito um pouco das cotas, sabe? Porque essa comunidade negra depois de ter acesso à faculdade, pode ter acesso a novas informações e com isso ela também teve um poder econômico maior de poder cobrar, sabe?", argumenta Nódoa, que foi muito influenciado artisticamente pelo pai, que foi artista plástico.

"Não faz muito tempo, cerca de 5 anos atrás, em que você ia em galerias e só via artistas brancos. Até hoje, mas é possível observar que a ocupação de artistas pretos é maior do que nessa época. As instituições também perceberam que trabalhar com diversidade gera mais lucro, por isso maquiam o racismo que possuem para trazer esses artistas", provoca o cearense.

"São lugares que contratam os artistas mas não permitem que eles tenham autonomia, que continuam sendo racistas, porém querem manter uma imagem de progressistas. É um mercado muito cínico. Existem muitos artistas que estão em galerias mas passam por situações complicadas com curadores e galeristas. Por isso, eu prefiro me manter afastado do mercado, na medida do possíve", detalhal.

"Já ouvi de amigos que foram para as próprias exposições que saíram acabados, tristes. Porque é um ambiente muito violento, eu mesmo já escutei coisas muito pesadas na minha própria exposição. Por causa disso, não produzo para eles, caso eles queiram vir e conversar comigo estou aqui. Mas sou do tipo que não manda e-mail para todos os editais ou qualquer galeria", revela Nódoa, que também encontrou na arte um modo de lidar com o TDAH.

 

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