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Dramaturgo Luiz Marinho é homenageado em exposição no Recife
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Dramaturgo Luiz Marinho é homenageado em exposição no Recife

Exposição "Luiz Marinho: um resgate do autor que veio da mata" fica em cartaz no Recife até o fim de julho
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Dramaturgo Luiz Marinho é homenageado em exposição no Recife (Foto: Monique Silva/Divulgação)
Foto: Monique Silva/Divulgação Dramaturgo Luiz Marinho é homenageado em exposição no Recife

Reconhecido por seus textos teatrais, como “As três Graças”, “A Promessa”, “A Estrada”, “A família Ratoplan”, “Um sábado em 30” e “O último trem para os igarapés”, o pernambucano Luiz Marinho Falcão Filho é um dos grandes nomes da dramaturgia nordestina.

Natural de Timbaúba, na zona da mata de Pernambuco, Luiz Marinho era de ancestralidade indígena e cultuava a Jurema, religião que promove rituais espirituais. Suas obras abordam tradições regionais, opressões na sociedade e conflitos de classes.

Aberta no início de julho, a mostra “Luiz Marinho: um resgate do autor que veio da mata” fica em cartaz no Teatro Hermilo Borba Filho, no Recife. A exposição busca celebrar a vida e trajetória do artista.
Ao longo de sua vida profissional, Luiz Marinho foi membro da Academia Pernambucana de Letras (APL), sendo o primeiro juremeiro a ocupar uma cadeira na instituição.

Ele foi agraciado com prêmios da Academia Brasileira de Letras, Governador do Estado da Guanabara, Festival Nacional de Teatro de Estudantes e União Brasileira de Escritores, além do Molière, considerado o “Oscar do teatro brasileiro”.

“Quando se escreve sobre Marinho, existe um enfoque muito grande nas obras e menos no sujeito. Assim, criou-se uma lacuna muito grande para entender que sujeito é esse que escreve. A racialidade e o território possuem uma grande importância para entendermos quem é que está escrevendo”, comenta Henrique Falcão, curador da exposição, ao Jornal do Commercio.

Com relevância comprovada no teatro nacional, a exposição “Luiz Marinho: um resgate do autor que veio da mata”, no entanto, reúne mais do que os textos do dramaturgo pernambucano, como também cartazes, fotografias, comendas e materiais de cunho pessoal e das obras.

Os elementos são dispostos em um ode à sua contribuição ao campo das artes. Trajetória esta que foi resgatada e evidenciada em 2019, quando a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) lançou a coletânea "O Teatro de Luiz Marinho", organizada pelo professor do Departamento de Literatura da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Anco Márcio Tenório Vieira.

A obra, que reúne quatro volumes, inclui textos inéditos e raridades resgatadas de sebos literários, publicadas em livros e revistas, fragmentos e peças com versões diversas.

“A exceção foi Um sábado em 30, pois a primeira versão era a única completa”, explica o professor.

Aliás, essa peça, estreada em julho de 1963, permaneceu em cartaz por aproximadamente 30 anos.
No Recife e em outras capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, a peça dirigida por Valdemar de Oliveira e encenada pelo Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) fazia sucesso. Chegou a ser comparada pela revista Veja, ao sucesso de "A ratoeira", de Agatha Christie, que teve mais de 13 mil encenações.

O trabalho de pesquisa, iniciado em 2009, foi gigantesco. O organizador contratou seis dos seus alunos de Literatura da UFPE para digitalizar o material, enquanto se debruçava para fazer a organização, introdução e notas.

Em 2012, quando o livro já estava praticamente concluído, um curto-circuito colocou três anos de trabalho a perder, destruindo inclusive o backup. Todo o processo teve de ser refeito.

Sobre a obra do dramaturgo, o professor avalia o teatro de Luiz Marinho como uma construção criada a partir de memórias ficcionalizadas, ou seja, utilizou-as para criar as situações em que os personagens estavam envolvidos.

Anco Márcio comparou o processo criativo do dramaturgo com o do romancista francês Marcel Proust, cujo resgate de memória involuntária marcou sua obra e o tornou conhecido como o escritor que mais se apropriou da temática do tempo.

Romildo Moreira, diretor do Teatro Santa Isabel, no Recife, escreveu que Luiz gostava de ouvir e sempre se emocionava com o que ouvia a respeito de suas peças, quando dita por alguém da plateia após assistir a uma de suas criações. Para o gestor cultural, o dramaturgo também era atento às criticas e as considerava fundamentais para o seu exercício de autor teatral.

Na academia, a obra de Luiz Marinho inspirou dissertações, teses e ensaios. Uma das pesquisas foi produzida pela mestra em Teoria da Literatura Amanda Lins Seabra. Sua dissertação de mestrado analisou as três peças infantis do dramaturgo pernambucano: "Foi um Dia", "As Aventuras do Capitão Flúor, no Reinado do Dente Cariado" e "A Família Ratoplan".

As obras, escritas entre as décadas de 1970 e 1980, período marcado por uma produção literária e teatral para crianças com foco lúdico e criativo, além de temáticas diversificadas e ousadas, "se afastavam de questões moralizantes ou muito pedagógicas".

"O autor não encarou o trabalho para as crianças como algo menor e, analisando suas peças, é possível entender exatamente a forma como ele quer “prender” a atenção do seu público, os elementos que ele escolheu para gerar o riso", diz a pesquisadora.

Na análise de Amanda, o conjunto da obra infantil do dramaturgo faz dele um vanguardista, que "mudou a forma de fazer literatura e dentro dela, a dramaturgia, para as crianças brasileiras".

"Marinho era capaz de criar um universo místico, que parece ter saído de um sonho de criança, onde é possível sentar à mesa para conversar com o Sol, onde os poderosos podem ser bobos e os sábios podem ser aqueles desprezados", conclui.

A celebração da vida e obra de Luiz Marinho vem enquanto um reconhecimento de um autor que foi capaz de fotografar em sua mente, detalhes de uma raiz cultural que lhe acompanhou desde a mais tenra idade e, com isso, imprimiu de forma permanente os traços dessa cultura na forma de produzir e consumir teatro. (Colaborou Lillian Santos)

Um grito há muito calado na goela

Um grito há muito calado na goela. E me permitam desentalar em forma de palavras.

Ainda criança de bucho quebrado, presenciei as delícias e as dores de ser filho de um autor crescente em plena ditadura militar. Nas conversas com Luiz Marinho, lá no terraço de casa desfilavam personagens fantásticos. Personagens, não, gente. Gente que fez parte da infância do meu pai e agora estava passeando por nós. No imaginário do menino era maravilhoso conviver com Zefa do "Viva o Cordão Encarnado", Julião do "Sábado em 30" e as beatas da "Incelença". Mais tarde, eu já taludinho, percebi que algo estranho acontecia. Zefa já não era a mulher livre, dançante, Julião foi calado e virou o bobo da corte para uma plateia branca que gargalhava com o preto subjugado. Era o colonialismo em forma de ditadura, amordaçando o autor contestador. Era constrangedor.

Não!!! Luiz não era aquilo. Luiz era um caboclo das matas que tomou pra ele a missão de expor as injustiças da sociedade escravocrata canavieira, mas também mostrar que o seu povo era terno e belo. Cantava e brincava apesar da dor.

Agora, essa exposição com a curadoria do neto Henrique Falcão resgata, de fato, toda história do autor.

Salve Zefa, salve Julião, salve Luiz Marinho!

Exposição "Luiz Marinho: um resgate do autor que veio da mata"

  • Quando: até quarta-feira, 31 de julho, das 10 horas às 17 horas
  • Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Cais do Apolo, 142 - Recife)
  • Gratuito
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