Metalinguagem é uma das palavras mais representativas quando o assunto é a produção de “Estranho Caminho”, filme de Guto Parente que estreia nesta quinta-feira, 1º.
Escrito e produzido entre os anos de pandemia de Covid-19, o longa-metragem acompanha a história do jovem cineasta David, que visita sua cidade natal, em Fortaleza, e é surpreendido pelo rápido avanço da doença no local. Diante da situação, ele se vê obrigado a se reconectar com seu pai, Geraldo, a quem está em afastado há mais de uma década.
O protagonista David é interpretado por Lucas Limeira, conhecido por seu trabalho em “Cabeça de Nêgo”, e o pai Geraldo ganha vida com o ator Carlos Francisco, que fez grandes produções como “Bacurau” e “Marte Um”. Tarzia Firmino também compõe o elenco.
“O filme se passa na pandemia, mas ele é sobre o todo. Ele é sobre a relação de pai e filho, uma relação conturbada, um filho que já não fala com o pai há algum tempo e que, por conta da pandemia, seria forçado a ter que reencontrar o pai. Nessas condições de pandemia, eles têm que ficar num pequeno espaço por muito tempo e discutem questões que talvez, de outras maneiras, não discutissem. O confinamento faz com que eles tenham uma conversa que eles adiaram por 10 anos”, explica, sob seu ponto de vista, Carlão, alcunho do ator Carlos Francisco.
Para Lucas, “Estranho Caminho” foi um trabalho emocionante de produzir devido ao seu contexto de construção e acontecimento, que era o primeiro momento de reencontro na pandemia de covid-19, em 2021. “O que mexeu muito comigo, além do resultado, foram os momentos de em set porque estávamos trancados em casa e nos reencontramos. Foi meu primeiro trabalho pós-pandemia e eu conheci pessoas, como o Carlão, relações bonitas se formaram”, conta.
O autor Guto Parente conta que se inspirou na relação que tinha com seu pai, que faleceu em 2017, para escrever o roteiro: “Eu sempre tive uma vontade muito grande de fazer um filme para ele que falasse a nossa relação, um filme que refletisse sobre questões de paternidade”.
“Ele foi muito importante na relação que eu tenho hoje com o cinema, eu aprendi a amar o cinema com ele, através da nossa relação. É como se o cinema fosse a nossa principal via de comunicação. É um filme sobre a relação de pai e filho, que não está tão focada na ausência paterna, mas é mais focada na incomunicabilidade. E essa é uma questão da minha vida, na relação com o meu pai”, detalha Guto.
Como mencionado ao início do texto, “Estranho Caminho” é uma metalinguagem, pois o Guto, cineasta, se viu em Fortaleza durante o período mais crítico de quarentena da pandemia de covid-19 revivendo memórias de seu pai e escrevendo sobre ele no exato período em que estava. Nas gravações, que começaram em 2021, o elenco ainda vivia o isolamento social e apenas parcialmente foram se encontrando no set.
“É um filme que mistura muitas questões autobiográficas e questões pessoais: ao mesmo tempo, em que ele está tentando lidar com o contexto da pandemia, que eu estava ali tateando, todos nós estávamos ali entendendo o que era aquilo, e de alguma maneira, esse é o contexto, tanto da história do filme, quanto da relação de pai e filho na produção, quanto da própria escrita”, diz Guto.
Um dos destaques nas falas do elenco e de Guto Parente em relação à produção de “Esttanho Caminho” é a importância que o edital Aldir Blanc teve para que o filme pudesse ser realizado. Carlão afirma que esse auxílio financeiro é necessário para a geração de empregos que o cinema faz render no Estado.
“É uma cadeia de distribuição de emprego infinita e isso é fundamental ser fomentado para que essa cadeira possa concorrer em condição de igualdade, pois o mercado internacional é muito rico e têm orçamentos muito diferentes, com estruturas mercadológicas que possibilitam a produção de filmes sem verba pública, mas aqui não”, argumenta.
O ator ainda afirma que os editais são a chance de implementar ações afirmativas na sétima arte: “Aqui é fundamental que a gente tenha verba pública, não só verba geral, mas específicas. Eu e o Lucas viemos de dois filmes que foram produzidos a partir de editais de ações afirmativas para pessoas negras, que são “Cabeça de Nego”, o Lucas, e eu com “Marte Um”. Esses editais são fundamentais também para existir diversidade, não só para negros, mas para indígenas, LGBTQIA+, enfim”.
Guto defende: “A [lei] Aldir Blanc foi como um oásis. E a Paulo Gustavo agora de novo vem com uma possibilidade também. Inclusive, é importante dizer que “Estranho Caminho” está sendo distribuído também com recursos da Lei Paulo Gustavo, ou seja, é um filme que é realizado e distribuído todo a partir dessas leis emergenciais. Se não houvesse a Aldir Blanc, se não houvesse a Paulo Gustavo, esse filme não existiria.
“Mas eu queria mesmo era que a gente tivesse um projeto mais consolidado e mais regular de política pública”, diz o cineasta logo em seguida, que afirma que há desorganização nos editais de cultura do Estado para quem depende do recurso para seguir a produção de seus trabalhos.
Ele desabafa: “O que eu acho mais quase dramático é a gente nunca ter um modelo que seja constante e seguro, como existe em outros países. Por exemplo, na França, tem, em todo mês de maio e novembro, o lançamento de um edital, em Portugal e em vários outros países também é assim, mas aqui a gente parece que tá sempre começando do zero, a cada edital você vê todo mundo discutindo e parece que o edital está sendo inventado naquele momento. Eu vejo isso de uma perspectiva que é quase desesperadora, não dá para viver assim”.
Estranho Caminho