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Elian Almeida usa a arte para resgatar a história afrobrasileira
Vida & Arte

Elian Almeida usa a arte para resgatar a história afrobrasileira

Autor de série Vogue, artista carioca Elian Almeida conta como seu gosto por cinema desenvolveu seu interesse por artes plásticas
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Foto: Cortesia estúdio Elian Almeida e Galeria Nara Roesler Obra da série "Pessoas que Eram Coisas que Eram Pessoas"

No filme "Thomas Crown - A Arte do Crime" (1999), o bilionário Thomas (Pierce Brosnan) decide roubar um Monet de um museu de renome por puro tédio. Essa trama com tons de romance, investigação e arte foi o que despertou o interesse do carioca Elian Almeida pelas artes plásticas.

"Meus irmãos, irmãs e eu passávamos muito tempo vendo filmes. Esse em específico despertou um grande interesse pelas artes visuais e me marcou profundamente", relembra Elian, que atualmente está com obras presentes na exposição "Encruzilhadas da Arte" no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em Belo Horizonte.

Além do longa-metragem, o contato de uma das irmãs com a moda influenciou Elian no caminho para as artes. "Como temos idades próximas, eu acabava acompanhando esse processo de desenho. Despertou em mim uma grande curiosidade e comecei a desenhar também desde muito novo", relembra Almeida, que estudou Artes Visuais na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) em 2016.

A pintura, entretanto, só surgiu na vida dele durante a faculdade. "Sempre foi uma noção muito distante para mim e para várias outras pessoas no Brasil, ainda é. Principalmente em Duque de Caxias, onde cresci, porque é cheio de recortes sociais".

O trabalho de Elian foi ainda mais desenvolvido com o estudo de Cinema na Universidade Paris Sorbonne, em 2020. A oportunidade surgiu em um programa de intercâmbio oferecido pela UERJ. "Nesse período houve uma virada, não foi exatamente uma mudança consciente. Foi uma época que tive mais tempo de dedicação ao meu trabalho", lembra.

Com a chegada da pandemia de Covid-19, o artista teve que passar mais tempo em casa e pôde se debruçar sob suas pinceladas. "Foi uma abertura para pensar, para pintar e para desenvolver". O processo criativo, acrescenta, parte da sua vontade de resgatar a história não contada da população negra do País. "Envolve muita pesquisa, leitura, às vezes uma mesa de bar com amigos", conta.

Uma de suas séries mais emblemáticas é "Vogue", na qual pintou capas fictícias da revista Vogue com mulheres negras. A produção surgiu da vontade de Almeida de contar a história do samba.

"Ao longo da pesquisa, acabo esbarrando em assuntos que não conheço e que preciso abordar. Quando eu comecei a retratar essas personalidades para a série da Vogue, percebi que estava conhecendo a história dessas mulheres agora e precisava falar delas para poder tratar a história do Rio de Janeiro e do samba", detalha o carioca.

A emblemática série de obras nasceu em 2016. Na época, Elian usava as revistas Vogue que pertenciam à irmã para fazer testes de cor. "Como eu não tinha acesso aos materiais, o professor falava para usar o que tínhamos. Lembro que as revistas não tinham pessoas pretas estampadas, foi algo intuitivo de início e se transformou em algo político", ilustra.

"Comecei a me questionar porque não tinha conhecido mulheres como a Tia Ciata durante a escola, porque essas histórias não eram contadas", reflete. "A história do Brasil, a oficial, não foi contada por nós (pessoas negras). Se fizermos um recorte racial, vão ter várias pessoas pretas que não conseguem traçar uma árvore genealógica", complementa.

"A nossa história foi apagada, nos negaram a memória e isso foi uma das ferramentas do colonialismo. Não foi só a violência física gerada pela escravização, mas também a exclusão, o apagamento histórico. Daí veio a minha necessidade de rememorar a história do povo preto, porque também é a minha", pontua Elian.

Os trabalhos de Almeida, então, passaram a ter um tom crítico demarcado, como acontece com o quadro "A Arte Contemporânea é Negra", exposto na mostra "Encruzilhadas da Arte", do CCBB de Belo Horizonte. "Vi um quadro numa exposição que tinha a frase 'I am Man', estava numa gleria e as obras todas falavam de negritude, mas os autores eram brancos".

A obra em questão é um quadro com imagens de homens negros segurando a placa que "I am Man" ("Eu Sou Homem", em tradução livre), durante a greve de saneamento em Memphis, no Texas, durante o ano de 1968, nos Estados Unidos. "Uma frase veio: 'Cara, a arte contemporânea é preta'. Vários trabalhos que a gente conhece surgiram de uma série de fatores que perpassam por uma matriz preta", explica.

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