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Festival de Cinema de Gramado: O frio da serra e o calor dos reencontros
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Festival de Cinema de Gramado: O frio da serra e o calor dos reencontros

Até o dia 17 de agosto, a Serra Gaúcha recebe a 52ª edição do Festival de Cinema de Gramado
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Foto: Reprodução/52º Festival de Cinema de Gramado "O Clube das Mulheres de Negócios" de Anna Muylaert

Palco de um dos festivais de cinema mais antigos e prestigiados do Brasil, a cidade de Gramado é um destino preenchido de desafios geográficos, especialmente para alguém que salta do calor de Fortaleza para os três graus da Serra Gaúcha. Na noite de abertura do evento, na última sexta-feira, 9, a chuva quase virou neve.

Apesar de todos os cuidados, o contexto climático frustrou até mesmo os planos dessa cobertura. Isso porque Caxias do Sul, cidade com um dos aeroportos disponíveis no Rio Grande do Sul diante da interdição em Porto Alegre, estava tomado por uma neblina e não autorizou que o voo saísse de São Paulo, adiando a viagem para o dia seguinte.

A abertura do festival, com exibição do cearense 'Motel Destino' na presença de Iago Xavier, Nataly Rocha e Fábio Assunção, acabou ficando fora do radar. Na coletiva de imprensa do filme, no entanto, confirmou-se uma sensação parecida com aquela que tomou a primeira exibição do filme no Festival de Cannes, de que o calor erótico da história "esquentou" aquela noite tão gelada.

A cidade é tomada pela experiência do festival com esculturas, imagens e pinturas do Kikito pelas ruas ao redor do cinema. O intenso movimento causa uma sensação bonita de que o evento é, de fato, atravessado pelas pessoas numa cidade que está acordada e curiosa sobre cada filme ou celebridade que passa pelo tapete vermelho.

Nesses primeiros dias, o festival também foi aquecido por um sentimento de reencontro constante, uma espécie de afeto nostálgico que sobrevoava a neblina da cidade. No sábado, 10, Anna Muylaert voltou ao palco do Palácio dos Festivais 22 anos depois que seu filme de estreia 'Durval Discos' passou por aqui e arrastou quase todos os prêmios em 2002. A estrutura dessa comédia que vira horror foi lembrada pela própria diretora porque algo parecido também acontece em "O Clube das Mulheres de Negócios", seu novo longa que abriu a mostra competitiva brasileira desta edição do evento.

Na paródia de uma inversão literal, a trama coloca mulheres no lugar de privilégio máximo da sociedade enquanto os homens é que são oprimidos. A paródia, portanto, está clara. Muylaert está falando dos homens, interpretados por mulheres para estampar a ironia do que essa presença significa: o falocentrismo, o pacto machista da autodefesa e a misoginia violenta.

Apesar da recepção ter sido bastante divisiva pela plateia, o filme tem uma charmosa irreverência - mais de estética do que de discurso - que mantém sua autora presente na percepção comportamental do Brasil neste século tão caótico, reencontrando no palco de Gramado aquele tom entre a caricatura e a realidade que a imortalizou na história do evento ainda no começo do século.

"O Clube das Mulheres de Negócios" discute a onipresença do poder masculino, mas sempre a partir da ótica do dinheiro. O enquadramento do sangue derramado sobre as onças-pintadas das cédulas de 50 reais fecha o ciclo da metáfora. Ainda aparecem urubus, cobras, aves e sapos porque a verdadeira "natureza" não está na hegemonia dos homens ou do dinheiro, mas lá fora, voraz e sem piedade, num país ancestral que nem se chama Brasil. A estreia do filme está marcada para novembro.

Diferente dessa violência "cômica", a mesma noite terminou com uma sanguinolência do mundo real. Aly Muritiba e grande parte do elenco apresentou o primeiro episódio de "Cidade de Deus: A Luta Não Para", série produzida pela HBO Brasil e Max que continua o clássico filme que moldou para o mundo uma nova imagem do cinema brasileiro em 2002, mesmo ano de "Durval Discos".

No palco, Alexandre Rodrigues apresentou novamente seu personagem Buscapé, que na ficção agora é fotógrafo profissional. Na plateia, Matheus Nachtergaele agradeceu a reverência que o elenco fez porque seu personagem Cenoura também marcou a existência do filme de Fernando Meirelles. Gramado proporcionou o que parecia improvável, que tantos anos depois eles se reencontrassem em contextos tão diferentes, inclusive, para refletir sobre o legado que essa história hoje tem depois de tão revisitada e problematizada na nossa percepção de sociedade.

Para dar uma primeira impressão mais confortável, até o fim o episódio se espelha com imagens do filme para contar o que aconteceu com cada personagem, trazendo de volta figuras como Berenice, Cintia e Barbantinho, e até mesmo uma das crianças que assassinou Zé Pequeno numa das cenas mais chocantes do nosso cinema recente. O desfecho do episódio, inclusive, restaura um impulso de violência muito familiar ao filme de 2002, mas que agora mais de 20 anos depois estamos desacostumados.

Se na época foi celebrado para depois ser questionado pela forma como explora a violência e a pobreza, fico ansioso para ver como este novo capítulo será recebido hoje, momento em que muitas questões morais, éticas e estéticas dessas representações são revistas imediatamente. Com seis episódios, a série entra no catálogo do streaming Max no dia 25 de agosto.

No domingo, 11, a violência ganhou um valor mais modesto no reencontro de João Miguel com um de seus personagens mais interessantes em "Estômago 2: O Poderoso Chef". Ainda na década retrasada, em 2007, o primeiro filme venceu cinco troféus no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e causou um barulho considerável na filmografia brasileira. Juntando drama e humor com uma pitada de sarcasmo, a história de um nordestino que "se dá bem" na penitenciária por ser cozinheiro é, em si, fascinante.

Este segundo capítulo, porém, pode frustrar um pouco o público porque Alecrim se torna coadjuvante para que o roteiro emule a mesma estrutura de flashbacks do filme anterior, mas com um novo personagem. Nicola Siri dá vida a um mafioso italiano que vai parar na mesma prisão e assume a tarefa de tomar o comando do local, o que inclui trazer para perto Alecrim e sua saborosa comida.

Infelizmente, João Miguel e Paulo Miklos não vieram a Gramado apresentar o filme. No palco, porém, a produtora Cláudia da Natividade explicou as razões de uma percepção que mais tarde chegaria sobre a plateia como surpresa - o fato do filme ter a maior parte do corte na Itália tem uma relação direta com a coprodução de uma empresa italiana experiente.

Na prática, o núcleo da máfia com uma família rica que lidera o tráfico de cocaína é feito de forma genérica, suponho que propositalmente pelo tom de 'humor', mas que cansa rápido ao longo das duas horas de projeção. Mas a trama não entedia porque fica voltando para a Guerra dos Tronos que acontece na penitenciária enquanto Alecrim está no meio de campo, servindo até mesmo a secretária e o diretor da prisão.

De toda forma, o filme diverte pela distância que o personagem italiano tem do restante do elenco e o filme sabe aproveitar bem sua característica estética mais atraente que é, claro, a da comida. Elas aparecem em planos próximos e supondo com precisão as sensações que seus personagens estão sentido ao prová-las - da folha mágica do jambu a clássica feijoada brasileira, sabores que a Itália não conhece. O filme chega aos cinemas ainda neste mês, no dia 29.

O 52º Festival de Gramado acontece até este sábado, 17 de agosto, quando serão anunciados os vencedores. Ainda teremos filmes da Dira Paes, Juliana Rojas, Aly Muritiba e Eliane Caffé. Até lá, o frio só vai ficar maior, mas que pelo menos os reencontros continuem - e aqueçam.

Festival de Cinema de Gramado

  • Acompanhe a programação do festival nas redes sociais: @festivaldecinemadegramado

 

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