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Adeus a Silvio Santos: como o apresentador reinventou a TV brasileira
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Adeus a Silvio Santos: como o apresentador reinventou a TV brasileira

Dono de legado único na televisão brasileira, comunicador morre aos 93 anos e é reverenciado por profissionais
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Sílvio Santos e Carlos Alberto de Nóbrega (Foto: João B. da Silva em 16/10/1988
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Foto: João B. da Silva em 16/10/1988 Sílvio Santos e Carlos Alberto de Nóbrega

Não é comum a maior emissora do Brasil interromper a programação, cancelando quadros já agendados, para exaltar o legado de uma personalidade ícone de uma emissora rival. Quando isso acontece, a mensagem é clara: o ícone não se restringe à sua criação. O contexto, então, demonstra a relevância de um dos maiores comunicadores da história da televisão brasileira.

A morte de Silvio Santos foi sentida não apenas por profissionais do setor, mas por milhões de espectadores que se acostumaram a ver seus programas e seu jeito de comunicar. O empresário e apresentador morreu no sábado, 17, aos 93 anos, após quadro de broncopneumonia que aconteceu por infecção por influenza (H1N1).

Ele deixa legado ressaltado por diferentes profissionais, da comunicação ao humor. Nascido no Rio de Janeiro em 12 de dezembro de 1930, Senor Abravanel - seu nome de registro - iniciou sua carreira como camelô em 1946. Sua entrada na comunicação ocorreu no mesmo ano, quando começou a trabalhar como radialista.

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35 anos depois, ele fundaria o Sistema Brasileiro de Televisão, conhecido como SBT. Filho de pai grego e mãe turca, Silvio exerceu seu primeiro trabalho aos 16 anos, vendendo capas de plástico para títulos de eleitor nas ruas do Rio de Janeiro. Depois, tornou-se locutor popular na Rádio Guanabara.

Na sua trajetória, serviu ao Exército, voltou à função de vendedor e, no ano de 1961, estreou seu primeiro programa na TV Paulista. Lá, iniciou a versão inicial do famoso Programa do Silvio Santos. Sob contrato com a Globo, decidiu agir de maneira independente e fez propostas para comprar a Rede Record, que não foram bem-sucedidas.

Posteriormente, vendo seu potencial, Roberto Marinho tentou um acordo para que Silvio continuasse na emissora global com um contrato de cinco anos, mas sem sucesso. Em 1976, estreou o canal Studio Silvio Santos Cinema e Televisão, conhecido como TVS, seu primeiro canal de televisão.

Através da TV Tupi, Record e TVS, Silvio consolidou um feito inédito no Brasil. Em março de 1981, o presidente João Figueiredo concedeu quatro canais a Silvio Santos. Nascia oficialmente o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Com o SBT, ele conquistou sua coroa.

Silvio Santos quebrou barreiras na televisão

Reverenciado por diferentes emissoras no dia de sua morte, Silvio Santos teve o poder de "quebrar barreiras", como afirma a jornalista da Rádio O POVO CBN Maisa Vasconcelos. A profissional tem longa trajetória pela televisão cearense, com passagens pela TV Jangadeiro, TV Diário e NordesTV.

Ela ressalta a qualidade do trabalho de Silvio Santos como comunicador: "Ele conseguia quebrar barreiras e chegar junto das pessoas, independentemente de onde elas estivessem. É como se ele estivesse na sala dos espectadores". Maisa destaca a "naturalidade" do apresentador como uma de suas principais marcas.

A jornalista pontua que, apesar de seu caminho na televisão não ter sido "construído" via Silvio Santos, ele foi uma figura masculina importante no meio, assim como Chacrinha. Ela também cita presenças femininas como Marília Gabriela como profissionais que tinham o domínio da comunicação.

Maisa recorda que chegou a vê-lo pessoalmente a partir de uma promoção para o público da emissora que transmite o SBT no Ceará. "Acabei conhecendo os bastidores dos auditórios porque ia com os telespectadores que ganhavam as promoções. Circulando nos corredores do SBT, tirei foto com a versão dele de papelão, porque ele era um tanto inacessível para tirar fotos", lembra.

"O que me interessava era a forma com que ele falava com o público. Hoje, a gente sabe que ele tinha posições controversas, porque ao longo do tempo a gente aprendeu que determinadas coisas não se diziam, mas na época o magnetismo era por aquele domínio de palco, aquela forma natural de falar com as pessoas no auditório, e que era a mesma forma com a qual ele se dirigia às pessoas que estavam em casa", avalia.

Silvio Santos marca carreira como empresário

A apresentadora também destaca o lado empresarial de Silvio Santos, com sua habilidade para gerir negócios. Esse lado é também ressaltado por Nonato Albuquerque, jornalista, radialista e apresentador de televisão com passagens pelo O POVO e pelo programa Barra Pesada, da TV Jangadeiro. Hoje, está à frente do programa Barra, da mesma emissora — afiliada do SBT no Ceará.

Para Albuquerque, "o primeiro exemplo de empreendedorismo que vem à cabeça é a figura do Silvio Santos" devido ao seu olhar para a área. Não há como deixar de evidenciar, porém, a relevância da figura do carioca enquanto comunicador. O cearense o acompanhava desde o período no qual Santos trabalhou na TV Globo.

Segundo o jornalista, Silvio Santos teve influência na sua carreira quando passou a morar em Fortaleza — natural de Acopiara, relata que na época não havia televisão em sua cidade. "É um nome emblemático que suscitou influência em muita gente, como no humor. Todo humorista que estivesse ensaiando uma carreira sempre aparecia imitando a voz e a gargalhada do Silvio Santos. Chamaram a atenção as suas influências, de humoristas ao setor empresarial", observa.

Uma das lembranças de Nonato Albuquerque sobre Silvio Santos remete à época inicial do Teleton (maratona televisiva anualmente exibida anualmente pelo SBT em prol da Associação de Assistência à Criança Deficiente). O jornalista foi enviado ao evento e, para Nonato, Silvio Santos "era uma figura com luz própria".

"Ele é uma escola para muitos. Não é nem professor: é escola mesmo. Escola para comunicadores, humoristas e jornalistas", reflete.

Silvio Santos e as gerações de humoristas

Como mencionado por Albuquerque, Silvio Santos teve papel importante na divulgação de novos humoristas. O Ceará não ficou fora: Jardeson Cavalcante, mais conhecido como Titela, foi um dos cearenses a se apresentar no Programa Silvio Santos.

Ele lembra como ficou nervoso ao ver presencialmente o comunicador há cerca de dez anos, quando foi ao programa para um quadro de humor. "Tremi na base, não acreditei que conseguiria, na minha vida artística, chegar ao lado dele. Ele brincou comigo nos bastidores. Foi algo muito forte", lembra.

Segundo o cearense, Silvio Santos era "bastante respeitado" e falava com todos, desde o funcionário da limpeza ao contrarregra. "Ele falou conosco (outros humoristas) sobre como queria que fosse o programa. Disse para ficarmos à vontade, porque o programa era para o público se divertir", revela.

Para Titela, o apresentador foi muito importante para os artistas do humor, e a participação no programa teve grande relevância em sua carreira. "Guardo na memória e agradeço a Deus pela oportunidade de viver na mesma era que viveu Silvio Santos. Sou muito agradecido pelo prazer de conhecer sua arte e seu dom", pontua. (Colaborou Caynã Marques)

Silvio Santos vem daí

Camelô eletrônico, mágico e falante feito o homem da cobra, o Sílvio Santos que já não vem aí vem daí: daquela passarela que no seu programa de TV se projeta do palco e penetra a platéia compondo uma espécie de rua, reminiscência das ruas onde a genealogia de sua persona evoca os ambulantes, as gestas da feira, o vaivém das praças, germe e cerne das cidades.

Sílvio Santos vem daí: do ziguezigue no labirinto de veredas entre as barracas e da algazarra dos pregões, gênese do comércio que o animador transfigura em patuscada.

Esse carioca paulistano, filho de um grego judeu com uma turca, descende da diáspora, dos andarilhos mercadores, negociantes em geral, de expressiva capacidade de comunicação. Sua arte deriva da fala, artimanha dos mascates; origina-se do rastro deixado pelas andanças desses povos emigrantes nos quais ressoa a voz dos intercâmbios e dos escambos.

E assim a histórica mala de seus antepassados torna-se o trans-histórico baú (da Felicidade), aberto não no sábado - dia de resguardo religioso para os seus ancestrais - mas no domingo, fazendo dos telespectadores também fregueses, expectadores de uma promessa ante a Porta da Esperança.

Silvio Santos advém daí: da memória de almocreves, da fluência e da espetacularidade dos nômades comerciantes, premidos pelo frio ou curtidos ao sol.

Clown descolorido, de paletó e gravata, sem a maquiagem, os trejeitos e os habituais apliques e adereços da persona palhaço, o cognominado Peru Falante consegue, apenas pela entonação, gesticulação e domínio do ritmo de sua locução, equacionar a ciência da prototípica comicidade que ratifica a tradição advinda dos artistas de rua.

Transforma as espectadoras do auditório em colegas de trabalho que “topam tudo por dinheiro” e com algumas contracena em “pegadinhas”, como se fosse o tradicional escada, aquele comparsa que no picadeiro prepara a piada ou a gag em uma dupla cômica.

Silvio Santos provém daí: dos feirantes de São Paulo, essa babélica maloca que se fez capital de um Nordeste. E porque também somos de uma “provincianópole”, podemos por atavismo nos identificar com ele e reconhecer que Silvio Santos vem daqui, pois Fortaleza, cidade de mar emigrada do sertão, surgiu ao derredor da antiga Feira Nova, atual Praça do Ferreira, e preserva – ainda que à revelia de si mesma – os resquícios das xepas e a cepa dos “galegos” que batiam de porta em porta tentando vender aos nossos avós as novidades de tecidos e jóias a crediário de carnê e cadernetas.

Temos na massa do sangue o DNA de quem, sem carteira de trabalho, negocia e apregoa bugigangas. Para além dos nossos primórdios nas malocas e nas senzalas, viemos desses atentos ao rapa que vem.

Talvez por isso, entre outras decisivas razões de carisma e tino empresarial, é que a esse tele-bodegueiro o nosso olhar brasileiro tenha sido entregue por mais de sessenta anos em tantas provincianópoles descendentes dessa arte de biscate dos mascates, mercadores-atores ambulante, massa trans-histórica de feirantes festeiros. Em parte, a gente vem daí.

*Ponto de vista do escritor e teatrólogo Ricardo Guilherme

"Gênio da comunicação"

O falecimento de Silvio Santos causou comoção nacional. Desde as 10 horas da manhã, quando o óbito foi confirmado pelo SBT, amigos e famosos prestaram homenagens ao comunicador.

Em nota divulgada pela assessoria de imprensa, Fausto Silva, que está internado em São Paulo após transplante no rim, frisou que o apresentador é o "verdadeiro e único" rei da TV. "Assim como o Pelé e Ayrton Senna, Silvio Santos deixou um legado e uma marca".

Já o humorista Carlos Alberto de Nóbrega, do programa "A Praça é Nossa", publicou em seu Instagram duas fotos ao lado do colega. "Adeus, amigo. Foram 70 anos de amizade e uma saudade que será eterna", escreveu.

O apresentador Celso Portiolli também compartilhou seus sentimentos: "Hoje, o Brasil perde não só um comunicador, mas uma lenda", grafou em publicação que diz que Silvio "revolucionou a televisão".

Ele destacou a importância do empresário em sua carreira: "Fui abençoado em ter tido a oportunidade de aprender e crescer ao lado desse gênio da comunicação, que não só me deu uma chance, mas também me ensinou a sonhar grande".

Maisa Silva, atriz e apresentadora, relembrou o início da carreira ao lado do criador do SBT. Ela destacou os aprendizados que teve durante o período em que eles trabalharam juntos. "Com o Silvio eu me sentia livre para ser como eu não era em nenhum outro lugar, aprendi a valorizar a plateia, respeitar o público e a fluir com espontaneidade".

As condolências se estenderam ao campo político, visto que o apresentador recebeu diversos convites para candidaturas ao longo de sua vida. Em 1988, foi convidado a se candidatar à Prefeitura de São Paulo. Em 1989, foi pré-candidato à presidência da República pelo Partido Municipalista Brasileiro (PMB).

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, destacou a conexão de Silvio com o público em publicação nas redes sociais. "Com seu talento e carisma lançou e deu apoio a muitos talentos da televisão, do humor e do jornalismo. Era uma das pessoas mais conhecidas e queridas do nosso País. Ao longo dos anos, nos encontramos em programas de TV, reuniões e conversas, sempre com respeito e carinho. A sua partida deixa um vazio na televisão dos brasileiros e marca o fim de uma era na comunicação".

Outros nomes, como Geraldo Alckmin e Jair Bolsonaro, também lamentaram a partida do apresentador, assim como a Câmara Municipal do Rio de Janeiro e o Governo do Estado de São Paulo.

Da mesma forma, clubes de futebol lembraram da paixão de Silvio pelo esporte. "Sempre irreverente, Silvio nunca escondeu sua paixão pelo Timão, ao criar o hit de carnaval: 'Doutor, eu não me engano, meu coração é corinthiano!'", escreveu o Corinthians em nota de luto.

O Fluminense, outro time do coração do empresário, prestou solidariedade e reforçou os ídolos da infância: Tim, Hércules, Romeu, Russo, Rongo e outros. "Exaltava a equipe multicampeã do Fluminense do fim dos anos 1930 ao início dos anos 1940", afirmou o clube nas redes sociais. (Colaborou Caynã Marques)

 

O homem multifacetado

Multifacetado, o apresentador e empresário já foi tema de samba-enredo no ano de 2001. Homenageado pela escola de samba Tradição durante o Carnaval do Rio de Janeiro, Silvio Santos desfilou como destaque em um carro alegórico na Marquês de Sapucaí.

O enredo era "O Homem do Baú - Hoje é Domingo, é Alegria. Vamos sorrir e cantar". A agremiação carnavalesca se pronunciou nas redes sociais lamentando o falecimento: "Obrigada por tudo, Silvio".

Em outro destaque, ele já teve sua trajetória contada em série, no nostálgico seriado "O Rei da TV", que pode ser encontrado em duas temporadas na plataforma de streaming Disney .

No seriado, o apresentador é interpretado em diferentes fases pelos atores Guilherme Reis e José Rubens Chachá.

A trajetória dele também virou literatura. Sua história já foi retratada por diversos autores em livros. Entre eles, estão "Silvio Santos: a biografia definitiva" e "Silvio Santos: a biografia" - escritos por Márcia Batista e Anna Medeiros.

Outros exemplos são "Sonho sequestrado: Silvio Santos e a campanha presidencial de 1989", de Marcondes Gadelha; "A Fantástica História de Silvio Santos", de Arlindo Silva; "Silvio Santos: Vida, Luta e Glória", de Rubens Francisco Lucchetti e "Silvio Santos - A Trajetória do Mito", de Fernando Morgado.

Em setembro, o público poderá conhecer novas facetas do comunicador. Ele terá parte importante da sua vida retratada em um filme ("Silvio - um baú também guarda muitos segredos"), com estreia prevista para o dia 12.

A obra tem como fio condutor o sequestro sofrido por Silvio Santos e sua filha Patrícia Abravanel, em agosto de 2001. Além do protagonista, vivido pelo ator Rodrigo Faro, o longa-metragem conta com elenco formado por Paulo Gorgulho, Johnnas Oliva, Vinícius Ricci, Fellipe Castro, Marjorie Gerardi, Eduardo Reyes, Bruna Aiiso, Duda Mamberti e Lara Córdulla. (Emanuel Furtado)

 

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