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Palco Vida&Arte põe em evidência a tradição de prosa de ficção do Ceará
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Palco Vida&Arte põe em evidência a tradição de prosa de ficção do Ceará

De José de Alencar a Ana Miranda, saiba como a prosa de ficção se estabeleceu no Ceará; gênero é uma das categorias do Palco Vida&Arte
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Ana Miranda ganhou o prêmio Jabuti de Melhor Romance com
Foto: Deivyson Teixeira/Divulgação Ana Miranda ganhou o prêmio Jabuti de Melhor Romance com "Dias & Dias" (2002)

A tradição literária cearense é marcada por autores de grande alcance nacional. No Estado, é possível elencar, ao longo dos séculos, nomes que se projetaram na história da literatura brasileira.

Para ressaltar essa vasta produção, o projeto “Palco Vida&Arte: Letras e Livros” promove o I Prêmio Literário Demócrito Rocha. O concurso, realizado pela Fundação Demócrito Rocha (FDR) e com inscrições encerradas, premiará autores em três categorias, sendo uma delas a prosa de ficção.

Esse tipo de texto narrativo se estabeleceu ao longo dos anos no Ceará, sendo marcado por nomes que vão de José Alencar a autoras como Ana Miranda, Tércia Montenegro e Socorro Acioli. Mas, para chegar a esse contexto, é preciso primeiro compreender o conceito de prosa de ficção.

Professor de Teoria da Literatura por quase três décadas, o escritor cearense Dimas Carvalho aponta que, entre várias definições, o significado de ficção remete à ideia de sua origem no latim, “fictio”, que significa “fingir”. Nesse caso, “não é um fingir para enganar alguém, mas para criar um mundo paralelo ao mundo real”.

Dimas ressalta que a Literatura é dividida entre poesia e prosa, e a prosa de ficção tem como principais características “a ausência de referentes, o uso da plurissignificação, a linguagem conotativa, o manejo do tempo e a construção dos personagens”.

“A prosa de ficção pode ser contraposta à linguagem científica. A linguagem científica é linguagem assimétrica da prosa de ficção ou prosa literária, porque ela busca o sentido único das palavras, ao passo que a linguagem literária é figurativa. Há o uso sistemático de metáforas e metonímias”, complementa.

O professor também aponta que a prosa de ficção, uma vez assumida a construção de um mundo imaginário, precisa ter a verossimilhança, porque senão o leitor não acredita no que foi escrito. Em uma boa prosa de ficção ocorre a “suspensão de descrença”, ou seja, “um acordo tácito entre o autor e o leitor pelo qual o leitor passa a acreditar no que foi escrito”.

“Quando o livro é bom, seja romance, novela ou conto (os três subgêneros da prosa de ficção), o leitor se empolga e chega até a esquecer da realidade que o circunda e passa a acreditar (no universo do livro), a torcer para um personagem, a se emocionar, e é aí que vem a catarse”, analisa Dimas Carvalho, também membro da Academia Sobralense de Estudos e Letras.

Feita essa apresentação, vale a pergunta: como surgiu a prosa de ficção no Ceará? De acordo com Carlos Vazconcelos, professor, escritor e Doutor em Literatura Comparada, falando-se em iniciativa artística e literária no Estado, a primeira manifestação é o grupo Oiteiros, que se reunia em torno do Governador Sampaio, amante das letras.

Ele ressalta, porém, que nesse caso eram praticados o verso e a poesia, não ainda a prosa. Nela, é preciso lembrar primeiramente do nome de Juvenal Galeno, que publicou em 1871 o livro “Cenas Populares”, precursor do gênero conto na província. “Essa prosa de ficção vai se consolidar, ainda no século XIX, com os romances de José de Alencar, Adolfo Caminha e Rodolfo Teófilo”, aponta.

“Juvenal Galeno vai tratar sobretudo dos costumes do povo cearense. José de Alencar vai se preocupar também com o Ceará, em parte, quando publica ‘Iracema, uma lenda do Ceará’, mas com uma proposta mais ampla. E, dentro das características do Romantismo, vai tentar mapear o Brasil, escrevendo sobre vários outros temas e regiões. Mesmo no movimento modernista, nos anos 1930, ainda teremos Rachel de Queiroz, que surge na literatura com o livro ‘O Quinze’, que trata sobretudo da seca”, elenca Vazconcelos.

Dimas Carvalho contribui ao destacar que “um dos aspectos fundamentais da literatura de ficção que primeiro se fez no Ceará” foram as referências à terra alencarina, tanto em temas (como a seca) quanto ao ambiente (como Fortaleza), além de questões políticas trabalhadas.

Ele indica que, depois de José de Alencar (“um grande romancista”, um dos grandes nomes do Romantismo no Brasil e que deixou “obras-primas como ‘Iracema’ e ‘O Guarani’”), veio uma geração muito ligada a iniciativas como a Academia Francesa do Ceará, o Clube Literário, o Centro Literário e a Padaria Espiritual. Destacaram-se nomes como Adolfo Caminha, Rodolfo Teófilo e Oliveira Paiva.

“Nisso já estamos no Realismo e Naturalismo que também vai ter Domingos Olímpio. Essas pessoas estavam em outro momento geracional. Como se sabe, as escolas literárias se sucedem por oposição. Então, o Realismo/Naturalismo cearense não poderia deixar de apresentar características muito diversas e até opostas àquelas que Alencar apresentou em sua ficção”, explica.

O que podemos falar, então, da prosa de ficção no Ceará atualmente? Carlos Vazconcelos, também jurado do I Prêmio Literário Demócrito Rocha, destaca de início que o Estado “sempre foi muito pujante nas artes e na literatura e sempre apresentou grande pioneirismo”. Ele afirma que, hoje, o Ceará continua revelando autores e autoras premiados.

Na análise de Dimas Carvalho, o cenário da ficção atual no Ceará é bastante diversificado, tanto em Fortaleza quanto no Interior. Há produções em contos, novelas e romances, em um contexto “muito fragmentado” no qual “não há um denominador comum”. Há autores na vertente realista/regionalista e outros que partiram para a literatura do sobrenatural — campo no qual Carvalho se inclui.

“Eu diria que a ‘grande dama’, o grande nome da literatura cearense atual é Ana Miranda (ex-colunista do O POVO), autora consagrada, madura e muito traduzida para o exterior. Ela alcançou uma estatura e culminância que não podem ser contestadas”, aponta o professor, que também indica nomes como Tércia Montenegro e Socorro Acioli.

Para os leitores que buscam adentrar no universo da prosa de ficção produzida no Ceará, Carlos Vazconcelos recomenda obras de escritores como José Alcides Pinto, Caio Porfírio Carneiro, Moreira Campos e Milton Dias - “para citar apenas os que já não estão mais aqui, em pessoa”. “Leiam a literatura cearense, procurem conhecer o que é nosso”, argumenta.

Palco Vida&Arte

Em sua quinta edição, o projeto "Palco Vida&Arte: Letras e Livros" traz ações voltadas para celebrar escritores(as) cearenses ou radicados(as) no Ceará. Uma das iniciativas é o I Prêmio Literário Demócrito Rocha. Serão premiados autores nas categorias de prosa de ficção (romance, livro de contos ou livro de crônicas), poesia (livro de poemas) e ensaio social (pesquisa). Os três vencedores (um por categoria) serão anunciados em evento presencial para convidados no mês de outubro, em data e local a ser divulgado em breve.

Glossário

Romantismo: dividido em três gerações, o movimento no Brasil surgiu no século XIX e foi caracterizado pela subjetividade, com obras que reúnem fortes emoções e sentimentalismo exagerado. Autores valorizam a liberdade e expressam sentimentos nacionalistas, com exaltação aos valores culturais do Brasil. Há idealização da mulher, da natureza e dos indígenas.

Realismo: surgiu também no século XIX como combate às influências do Romantismo, reagindo ao subjetivismo e ao idealismo amoroso. Caracterizado por lidar com fatos sociais, além de propor visão crítica à realidade e às relações com uso de linguagem culta e direta.

Naturalismo: corrente do movimento realista com
maior enfoque nas classes populares. Há valorização de aspectos biológicos, linguagem mais simples, objetivismo científico, descritivismo e proposição de nova maneira de observar a sociedade.

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