Camelô eletrônico, mágico e falante feito o homem da cobra, o Sílvio Santos que já não vem aí vem daí: daquela passarela que no seu programa de TV se projeta do palco e penetra a platéia compondo uma espécie de rua, reminiscência das ruas onde a genealogia de sua persona evoca os ambulantes, as gestas da feira, o vaivém das praças, germe e cerne das cidades.
Sílvio Santos vem daí: do labirinto de veredas entre as barracas e da algazarra dos pregões, gênese do comércio que o animador transfigura em patuscada.
Esse carioca paulistano, filho de um grego judeu com uma turca, descende da diáspora, dos andarilhos mercadores, negociantes em geral, de expressiva capacidade de comunicação. Sua fala, artimanha dos mercadores ambulantes, deriva do rastro deixado pelas andanças desses povos migrantes nos quais ressoa a voz dos intercâmbios e dos escambos. E assim a histórica mala de seus antepassados torna-se o trans-histórico baú (da Felicidade), aberto não no sábado - dia de resguardo religioso para os seus ancestrais - mas no domingo, fazendo dos telespectadores também fregueses, expectadores de uma promessa ante a Porta da Esperança.
Silvio Santos advém daí: da memória de almocreves, da fluência e da influência de espetacularidade dos nômades comerciantes, premidos pelo frio ou curtidos ao sol.
Clown descolorido, de paletó e gravata, sem a maquiagem, os trejeitos e os habituais apliques e adereços da persona palhaço, o cognominado Peru Falante consegue, apenas pela entonação, gesticulação e domínio do ritmo de sua locução, equacionar a prototípica comicidade que ratifica a tradição advinda dos artistas populares. Transforma as espectadoras do auditório em colegas de trabalho que "topam tudo por dinheiro" e com algumas contracena em "pegadinhas", como se fosse o tradicional escada, aquele comparsa que no picadeiro prepara a piada ou a gag em uma dupla cômica.
Silvio Santos provém daí: dos feirantes de São Paulo, essa babélica maloca que se fez capital de um Nordeste. E porque também somos de uma "provincianópole", podemos por atavismo nos identificar com ele e reconhecer que Silvio Santos vem daqui, pois Fortaleza, cidade de mar emigrada do sertão, surgiu ao derredor da antiga Feira Nova, atual Praça do Ferreira, e preserva - ainda que à revelia de si mesma - os resquícios das xepas e a cepa dos "galegos" que batiam de porta em porta tentando vender aos nossos avós as novidades de tecidos e jóias a crediário de carnê e cadernetas.
Temos o DNA de quem, sem carteira de trabalho, negocia e apregoa bugigangas. Para além dos nossos primórdios nas malocas e nas senzalas, viemos desses atentos ao rapa que vem.
Talvez por isso, entre outras decisivas razões de carisma e tino politico-empresarial, é que a esse telebodegueiro o nosso olhar brasileiro tenha sido entregue por mais de sessenta anos em tantas paragens descendentes dessa arte de biscate dos mascates, massa de feirantes festeiros. Em parte, a gente vem daí.