Os anos 1980 chegaram com muitas expectativas de mudança. A ditadura militar ainda era uma realidade e os movimentos contrários haviam sido sufocados à base de muita violência. Os festivais de música ainda revelavam estrelas como Leila Pinheiro e Emílio Santiago, mas já não tinham o impacto de antes. Foi aí que surgiu uma nova cena musical liderada por uma turma jovem, com ideias novas, gírias novas, pele bronzeada e um som à base de guitarra, baixo, bateria e muita energia.
Um dos pontas de lança dessa turma foi a Blitz, que tinha à frente o descolado e criativo Evandro Mesquita. Sucesso avassalador nas lojas de discos, programas de TV e palcos pelo Brasil, o septeto viveu o auge, a queda, o sumiço e um retorno definitivo e perene com nova formação.
Evandro (voz e violão), Billy Forghieri (teclados) e Juba (bateria) seguem desde o início, agora dividindo o palco com Rogério Meanda (guitarra), Sara Rosemback (baixo), Andréa Coutinho (backing vocal) e Nicole Cyrne (backing vocal).
Para contar essa história, a Blitz vem a Fortaleza neste sábado, 31, para única apresentação no Centro de Eventos. O nome da turnê é bem esclarecedor: "Turnê sem Fim", em que eles apresentam o mais recente álbum, algumas joias esquecidas (como "Babilônia Maravilhosa", lançada num álbum solo de Evandro) e, claro, os muitos clássicos da era de ouro da Blitz. "A gente adora Fortaleza e vai ser o maior prazer estar de volta mostrando aí o que a gente fez e o que a gente anda fazendo", adianta Evandro, por telefone, com seu inconfundível carioquês.
O que eles andam fazendo, além de muitos shows, inclui o álbum "Supernova", lançado em 2023 pela gravadora Biscoito Fino. "Em 2017, a gente lançou o 'Aventuras II', que foi indicado ao Grammy Latino. Depois teve a pandemia e a gente produziu muito nesse período. Como eu tenho um estúdio aqui em casa, vinha eu e o Billy, com aquelas coisas de fazer teste (para covid-19). A gente produziu cinco discos, você acredita?", divide.
Evandro enumera: "A gente fez o 'Blitz Hits', gravando os sucessos da banda com a tecnologia de hoje; aí fizemos o lado B, que é o 'Lado Blitz' volumes 1 e 2, com músicas que a gente adora e que não tiveram tanta exposição; fizemos o 'Blitz dos Outros', com interpretação de músicas de Roberto e Erasmo, Gil, Paulo Diniz e umas coisas inusitadas; e fizemos o de inéditas que é o 'Supernova'".
Único desses projetos lançados até agora, "Supernova" sofreu todas as dificuldades impostas pela pandemia. Gravações em separado, parcerias por telefone, uso de máscara... "Mas tudo com muito otimismo para manter a chama acesa da Blitz e das composições. Foi um disco numa época sofrida, mas deu muito prazer e salvou a gente, né? A música anestesiava, a gente se concentrava nela dentro daquele apocalipse que a gente estava vivendo", acrescenta o cantor e compositor.
Com 14 canções, "Supernova" reúne novas e velhas composições para fazer um retrato da Blitz de agora. Tem o bom humor, as cenas cinematográficas, os diálogos de Evandro com os vocais e novos sons para ampliar o repertório da banda. Tem ainda parcerias com João Suplicy e Frejat, participação de ConeCrew Diretoria, Raimundo Fagner e outros. Uma das faixas resgatadas do passado é "Lado escuro da rua", lançada no álbum "Línguas" (1997) e refeita agora.
"É de um disco meio maldito. A gente entrou numa aventura com um cara que era super fã e queria bancar um disco em Miami com o produtor que a gente escolhesse. Foi muito legal gravar essa aventura de ficar 40 dias lá fora com esse produtor. Mas também culminou com o estresse da gente 40 dias na mesma casa. Então a gente quase se matou. Quando o disco saiu, a gente acabou também uma daquelas fases da formação antiga que não dava para continuar. Não estava sadio", relembra.
Do mesmo álbum, eles recriam o clima latino, à lá Santana, de "Choveu", o que prova que, mesmo maldito, o álbum de 1997 não foi renegado. Aliás, Evandro fala com muito carinho e respeito por tudo o que ele construiu ao lado da Blitz. "Show da Blitz tem que ter o 'A dois passos do paraíso', o 'Geme geme', 'Weekend', 'Você não soube me amar' e a gente curte. Eu não tenho esse problema, 'ah, não vou tocar essa música'. Porra, foda-se! Isso (de repetir os clássicos) é menor do que o prazer de estar no palco, de ter esse encontro com o público durante tanto tempo. É até respeito por eles. É claro que eu quero mostrar música nova, mas cantar junto com o público também é emocionante", afirma.
Hoje, aos 72 anos, Evandro Mesquita segue como o grande porta-voz deste que foi um dos primeiros fenômenos da geração do rock dos anos 1980. Se dividindo entre a banda, que mantém uma agenda frequente de shows, e projetos de cinema e TV (inclusive um que está montando com Regina Casé), ele avalia o que mudou nesses mais de 40 anos de carreira.
"Eu acho que é a essência é a mesma, mas eu amadureci muito na estrada. Agora eu prezo muito o prazer de estar na estrada porque ela é traiçoeira. Às vezes tem paisagens lindas, tudo maneiro, mas às vezes é uma roubada fodida. Agora a gente está com um time muito legal, está uma energia sensacional na equipe e na banda", reflete.
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Blitz - Show "Turnê Sem Fim"