Juvenal Galeno, Patativa do Assaré, Oswald Barroso, Artur Eduardo Benevides, Emília Freitas, Rachel de Queiroz… mas também Salete Maria, Sara Síntique, Talles Azigon, Mika Andrade e tantos outros nomes: a poesia do Ceará se debruça ao longo do tempo por sua relevância e variedade. A área segue pulsante no Estado, entre prêmios e eventos.
Ora, se a produção poética cearense é vasta e intensa, nada melhor do que o reconhecimento de seus autores. Assim, o projeto “Palco Vida&Arte: Letras e Livros” promove o I Prêmio Literário Demócrito Rocha. O concurso, realizado pela Fundação Demócrito Rocha (FDR) e com inscrições encerradas, premiará autores em três categorias, incluindo poesia.
Um dos jurados da categoria é o poeta Mailson Furtado, autor e editor de oito obras, dentre elas “À Cidade”, vencedora do Prêmio Jabuti 2018 nas categorias Poesia e Livro do Ano. Ele avalia o cenário do gênero no Ceará como “muito produtivo historicamente” e, hoje, tem destaques como Nina Rizzi, Dércio Braúna, Alan Mendonça e Renato Pessoa.
Ele aponta que existem várias frentes de experimentação - estética ou temática. “Há vozes que tratam a questão do silenciamento histórico, a negritude, povos originários, isso é muito forte em alguns poetas”, compreende. Diante disso, é possível dizer que a poesia cearense contemporânea tem a visibilidade que merece?
Para Mailson Furtado, é sempre possível ser mais visto, até porque “a poesia sempre foi tida como mercadologicamente mais prejudicada em relação outros gêneros”: “O grande empecilho que vejo é a difusão - ou o próprio mercado editorial, que sofre aqui no Ceará. Não há uma linha de distribuição interessante, os interiores acabam sofrendo por não terem livrarias. Tudo acaba passando pela questão dos eventos e encontros entre os próprios autores para distribuírem seus trabalhos”.
Quem apresenta visão semelhante é o poeta, professor e pesquisador Bruno Paulino, natural de Quixeramobim. Apesar de, em sua avaliação, haver “muita gente publicando”, existem dificuldades na veiculação e circulação dessas obras aos leitores. Problemas como falta de divulgação e de bibliotecas no Interior contribuem para isso.
“É necessário que entremos em uma política de feira literária no Interior, para que esses livros possam circular. A própria poesia é um gênero que tem dificuldade maior, porque é menos lido que os textos em prosa”, afirma.
Mesmo assim, ele pontua que a poesia cearense “está ramificada e não está só presa ao ambiente de Fortaleza”, com autores como Dércio Braúna, de Limoeiro do Norte, que chegou à final do Prêmio Oceanos de Literatura em Língua Portuguesa. Paulino também cita Tito Leite, de Aurora, e Samuel Maciel, de Quixeramobim.
Assim como Mailson Furtado, ele compreende que os temas que perpassam a poesia contemporânea cearense são variados, mesmo que acredite que a “tradição telúrica” do Estado de poetas “cantarem a terra natal” continue de algum modo. É inegável, porém, que outros temas têm ganhado espaço, como racismo, violências de gênero, angústias existenciais e poesia erótica.
“Tem muita gente produzindo no Ceará. Não dá para dizer que a poesia do menino do sertão de Quixeramobim é a mesma do menino da periferia de Fortaleza - e ambos são do Ceará e, de certo modo, sertão. Para pensarmos literatura no Ceará precisamos pensar do sertão até a pancada do mar, porque engloba todo mundo. As temáticas são várias e isso só enriquece a nossa cena”, afirma.
Bruno Paulino chama a atenção também para a literatura de cordel no Estado, e cita como nome de destaque contemporâneo a cordelista, editora, palestrante, pedagoga e produtora cultural Julie Oliveira. Com livros editados e distribuídos nacionalmente em programas de educação, ela também ministra oficinas e ajuda a formar outros cordelistas.
Em 2020, fundou o coletivo e selo editorial Cordel de Mulher, que atualmente reúne mulheres de diversas regiões do Brasil. A iniciativa se propõe a ser “um espaço de propulsão de mulheres cordelistas, xilogravadoras, editoras, pesquisadoras de cordel e todas as outras ligadas à cultura popular”.
Para Julie Oliveira, o cenário da poesia no Ceará hoje “é profícuo e efervescente” e, depois da pandemia, houve mais acesso às obras dos artistas pela “ampliação dos diálogos nas redes”. Exemplo disso é Bia Caldas, que “desponta como poeta extremamente conectada ao seu tempo, colocando sua escrita nos livros impressos, mas também de forma marcante nas redes e coletâneas”.
“Ainda citando mulheres poetas, acho importante falar das companheiras do interior do Estado, e por isso, não posso deixar de mencionar a Rosinha Miguel e a Aline Nobre, ambas de Quixadá e, para mim, escritoras de palavra afiada, como são, a meu ver, as melhores autoras!”, afirma Julie Oliveira.
Quanto à Literatura de Cordel, ela observa um momento de crescimento, visibilidade e “boas articulações coletivas”. Entretanto, é preciso colocar a lupa sobre alguns aspectos: “Ainda falta as instituições públicas daqui se atentarem a essa importância e possibilitarem a criação de espaços permanente de estudo, venda e exposição dos cordéis, afinal, salvaguardar a Literatura de Cordel, passa pelo cuidado com quem escreve, com quem produz. Não existe cordel sem cordelista”.
Festival da Poesia de Fortaleza
Como forma de destacar a poesia produzida na capital cearense, foi criado em 2017 o Letra Viva - Festival da Poesia de Fortaleza. À frente do projeto estão o produtor e gestor cultural Franciscus Galba e o poeta, editor e produtor cultural Talles Azigon. Enquanto Galba atua como proponente e gestor, Talles realiza o processo curatorial.
O trabalho é conjunto para definir as propostas de cada edição, desde o conceito ao conteúdo. Ao todo, cinco edições foram realizadas, sendo duas em 2024, mobilizando dezenas de poetas de Fortaleza em torno da palavra e produzindo registros e informações para interessados sobre a literatura poética da Capital.
“A cena poética da Cidade era forte. Entretanto, não existia nenhum evento que celebrasse e fomentasse o que já tínhamos. Então eu propus ao Talles criarmos um evento que desse conta dessa dimensão poética da cidade. Podemos dizer que o Festival surgiu de uma espécie de demanda reprimida”, revela Galba.
Além de eventos, a iniciativa já produziu e lançou produtos culturais como um site para organizar e divulgar a produção poética de Fortaleza, uma antologia impressa, um web-documentário e livro eletrônico sobre a cena poética local e um catálogo digital dos(as) poetas de Fortaleza.
Segundo Galba, os desafios na promoção do festival passam pela necessidade de contar com parcerias, patrocínio e apoio - inclusive financeiro - para viabilizar estrutura, equipes de produção e de apoio. Ele ressalta, então, a importância de editais de incentivo e fomento à cultura, por meio dos quais foram viabilizadas todas as edições do Letra Viva.
Em sua avaliação, porém, os recursos poderiam ser maiores. A afirmação entra em sintonia com o pensamento de Talles Azigon sobre o cenário da poesia em Fortaleza: “A poesia de Fortaleza é bem maior do que o espaço e as oportunidades criadas para ela, é um desperdício de potencial. Essa tradição poética poderia ser bem melhor aproveitada”.
Classificados na categoria poesia
Palco Vida&Arte
Em sua quinta edição, o projeto "Palco Vida&Arte: Letras e Livros" traz ações voltadas para celebrar escritores(as) cearenses ou radicados(as) no Ceará. Uma das iniciativas é o I Prêmio Literário Demócrito Rocha. Serão premiados autores nas categorias de prosa de ficção (romance, livro de contos ou livro de crônicas), poesia (livro de poemas) e ensaio social (pesquisa). Os três vencedores (um por categoria) serão anunciados em evento presencial para convidados no mês de outubro, em data e local a ser divulgado em breve. Também serão realizadas lives no YouTube do O POVO a partir de quarta-feira, 4.