Quando subiu ao palco no 52º Festival de Cinema de Gramado para apresentar seu novo filme "Pasárgada", Dira Paes não esperava que Fafá de Belém prestasse a ela uma homenagem tão emotiva. Ao recitar "Amazônia", de Nilson Chaves, a cantora declarava emocionada que ela tinha "a cara do Pará". Apesar do filme apresentado naquela noite se passar na Mata Atlântica do Rio de Janeiro, existia uma rima bonita na forma como seu estado natal a ensinou a olhar para a natureza.
Conhecida pelo grande público por novelas como "Pantanal" e "Caminho das Índias", além de séries cômicas como "A Diarista", a atriz também está bastante presente no cinema - dos lançamentos mais comerciais como "Ó Paí, Ó" aos mais independentes, como "Divino Amor" e o clássico cearense "Corisco e Dadá", de Rosemberg Cariry.
Em conversa exclusiva com O POVO, ela conta como a visão madura sobre os 40 anos de carreira a deu vontade de se reinventar em meio à pandemia da Covid-19 para dar vida à história de Irene, uma ornitóloga que encara o tráfico de animais silvestres no Brasil.
O POVO: Apesar desta ser sua estreia na direção de longa-metragem, você já dirigiu outros conteúdos. Como surgiu essa ideia e por que você decidiu fazê-la?
Dira Paes: Eu dirigi um clipe com a Ludmila em "Veneza", filme do Miguel Falabella e também tive a possibilidade de dirigir outras experiências pequenas, mas o longa foi fruto de uma inquietação, do desejo de experimentar o que eu ainda não tinha experimentado. Quando chega a maturidade você coloca em prova as suas escolhas, você ressignifica muita coisa e eu acho que a pandemia ajudou a amplificar isso. Eu e Pablo estávamos fazendo 15 anos de casados e tínhamos que fazer uma comemoração. Se a gente não pode fazer filho, então vamos fazer um filme. Nós nos confinamos na fazenda e realizamos a filmagem.
O POVO: Como foi essa experiência?
Dira: Eu queria experimentar o cinema desde a sua ideia original. Eu queria ser a pessoa que faria o argumento e o roteiro, e depois a produção, desenvolvimento, a interpretação, e agora estamos chegando nesse momento que é de entregar o filme. Essa artesania continua, e estou muito feliz de ter concretizado esse desejo que nasceu de uma inquietação e se tornou uma necessidade.
O POVO: Pelo fato de você já ter essa grande experiência como atriz em filmes, novelas e séries, protagonizar o próprio filme foi mais fácil? Fazer isso enquanto também dirige?
Dira: Eu acho que o envolvimento com o roteiro me proporcionou uma segurança muito grande de ficar na frente das câmeras, porque eu estava ali nas estranhas daquele roteiro, então aquilo já estava em mim. O Pablo era um pouco o meu espelho para saber se tinha sido legal ou não. A Irene puxa uma vertente da minha personalidade que eu não conheço direito, então era novo para mim. Isso facilitava porque ela não estava próxima da Dira, ela estava distante. Eu sou muito solar e a Irene é mais lunar. Como é bom se ver do avesso, é um exercício muito interessante.
O POVO: Como foi elaborar essa distância? Especialmente com uma personagem tão interessante do ponto de vista moral?
Dira: Você se sente seduzido por aquela expertise da observação e reconhecimento dos pássaros, e eu mostro isso com uma pergunta para o público. A sua inteligência está à serviço de quê? Ela é uma das melhores no mundo, segundo o personagem do Peter. Você pode ser uma pessoa fera no que você faz, mas e o objetivo dos seus atos?
O POVO: Antes da primeira exibição do filme, a Fafá de Belém cantar no palco foi um dos grandes momentos do Festival de Gramado como um todo, e...
Dira: Isso foi uma surpresa, não estava combinado
O POVO: Eu não sabia de nada do filme ainda e como ela cantou que você tinha a cara do Pará, eu imaginei que nós iríamos para a Amazônia, mas o filme se passa na Mata Atlântica. Mesmo assim, o vínculo daquele povo com a mata lembra também a proximidade do povo do Norte com sua Amazônia.
Dira: Pois é... Quando Fafá começou a cantar eu pensei mesmo que o público fosse achar que estávamos na Amazônia, mas... Quem sou eu para desdizer a Fafá aqui? Aquilo foi muito importante porque dá ideia dos biomas brasileiros. Esse filme se passa na Mata Atlântica, mas ele poderia estar se passando na Floresta Amazônica, na Caatinga, no Pantanal, poderia estar se passando aqui no Sul e em qualquer bioma brasileiro. O Brasil é um manancial de animais silvestres e a gente também toca nesse assunto da exploração da nossa fauna. Se é o terceiro maior tráfico no mundo é porque tem compradores.
O POVO: Você pretende continuar na direção? Também em trabalhos que você não seja protagonista?
Dira: Eu acho que isso pode ser libertador. Eu quero experimentar o que vai ser provocante para mim, eu quero essa sensação sempre. Não quero que seja uma atividade que venha através da vaidade, eu quero uma vivência de uma inquietação e que isso se transforme em imagem e som. Tenho muitos desejos e estou muito feliz de estar vivenciando isso no momento dos meus 40 anos de carreira.
O repórter viajou a convite do Festival de Gramado