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"O cordel é um gênero literário respeitado no mundo inteiro", afirma Klévisson Viana
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"O cordel é um gênero literário respeitado no mundo inteiro", afirma Klévisson Viana

Destaque no movimento cordelista brasileiro, Klévisson Viana repercute a importância da literatura de cordel como ferramenta cultural e precursor de informações no Sertão nordestino
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FORTALEZA, CE, BRASIL,  19-12-2018: Cartunista Klévisson Viana em entrevista para o jornal O Povo. (Foto: Alex Gomes/O Povo) (Foto: ALEX GOMES)
Foto: ALEX GOMES FORTALEZA, CE, BRASIL, 19-12-2018: Cartunista Klévisson Viana em entrevista para o jornal O Povo. (Foto: Alex Gomes/O Povo)

Na quarta-feira, 28 de agosto, a Biblioteca Estadual do Ceará inaugurou a Cordelteca Arievaldo Viana, um importante reconhecimento à literatura de cordel cearense, que, em 2018, foi reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. O irmão de "Ari", Klévisson Viana, também seguiu a herança cordelista da família e hoje é um dos grandes nomes dessa linguagem no Estado. O artista, que é escritor, cordelista, roteirista, cartunista, xilogravador, editor e presidente da Aestrofe - Associação de Escritores, Trovadores e Folheteiros do Estado do Ceará, foi nomeado Mestre da Cultura do Estado do Ceará em 2022.

O POVO - Como começou sua relação com a literatura de cordel?
Klévisson Viana - A literatura de cordel foi a primeira linguagem narrativa a qual eu tive acesso. Meu pai era agricultor e, quando chegava do roçado, sentava numa cadeira espreguiçadeira, e ia ler para a gente. E uma das principais leituras eram folhetos de literatura de cordel e livros de poesia, de Alberto Porfírio, de Patativa do Assaré e tantos outros poetas populares. Essa literatura chegou na minha vida muito cedo. Meu pai é poeta, meu bisavô era poeta, então é uma herança familiar. Meu irmão mais velho, Arievaldo Viana, que faleceu durante a pandemia, está sendo homenageado lá na Bece, e também era um grande poeta popular, então é uma tradição familiar. A poesia de Cordel entrou na minha vida na infância. Desde que eu me entendo por gente, a poesia popular está presente em mim.

OP - Por que você acha que os cordéis são tão queridos entre os cordelistas e público leitor?
Klévisson - O encanto do cordel é esse ritmo, essa musicalidade, essa temática desabusada. O cordel trata dos assuntos com a leveza, com a honestidade, que muitas vezes a grande imprensa, que é atrelada a grandes grupos empresariais, não tem essa liberdade toda, mas o cordelista tem liberdade para abordar qualquer temática e emitir a sua própria opinião, pode tratar de qualquer tema. Por exemplo, quando o homem foi à lua, a grande massa da população brasileira não acreditou, só passou a acreditar depois que esse tema foi abordado na literatura de cordel.

OP - Você já declarou anteriormente que o Brasil tem uma "dívida" com a literatura de cordel. O que isso quer dizer?
Klévisson - A literatura de cordel foi o grande veículo difusor de temas relevantes para a política brasileira, como a morte de Getúlio Vargas, de Juscelino Kubitschek e a vitória de Lula. Além de temas corriqueiros na literatura de cordel, como o folclore, os contos populares, e temas científicos também, que também são frequentes na literatura de cordel. A literatura de cordel é amada por quem canta, uma criança que escuta uma história contada em versos, memoriza e aprende os versos com mais facilidade. Desde a antiga Grécia que a poesia é utilizada para a alfabetização, para a educação de jovens e adultos. O Padre Anchieta usava a poesia para educar, para alfabetizar os indígenas. O cordel tem um espaço muito grande a conquistar dentro da sala de aula e a educação no Brasil tem uma dívida imensurável com a literatura de cordel, por milhares e milhares de nordestinos, por brasileiros do norte e nordeste e parte do sudeste que aprenderam a ler através dessa literatura. E hoje essa linguagem, que era um fenômeno muito regionalizado aqui no Nordeste, está em todas as regiões do Brasil.

OP - Por que os cordéis foram considerados o "jornalismo popular no Sertão"?
Klévisson - O cordel cumpriu a função de levar a notícia aos lugares mais distantes. Onde a imprensa tradicional não chegava, a literatura de Cordel chegava com as notícias mais atuais. Temas relevantes como a morte de Getúlio Vargas tiveram um grande destaque na literatura de cordel, foram também vendidos milhares e milhares de exemplares, folhetos como a chegada do Homem à Lua. Na verdade, no norte e no nordeste do Brasil, o ceticismo era completo. Poucas pessoas acreditavam realmente que o Homem tinha ido à Lua, como até hoje uma parcela grande da população não acredita. Mas, através da literatura de cordel, muitas pessoas passaram a acreditar quando o poeta popular começou a abordar esse tema. Eu particularmente tenho vários folhetos com temas de notícias que escrevi em parceria com o meu saudoso irmão Arievaldo Viana. Escrevemos o primeiro folheto sobre o atentado às Torres Gêmeas, que saiu logo no dia seguinte com grande destaque da imprensa. Escrevi também, em parceria com o poeta Vidal Santos, um folheto que repercutiu mundialmente sobre o assassinato dos seis empresários portugueses na barraca Vela Latina, da Praia do Futuro. Este folheto repercutiu até na BBC de Londres. Depois escrevi folhetos sobre uma criança assassinada pelos seguranças de uma rede de lanchonetes famosa. Foram muitos os folhetos com essa pegada jornalística, acho que o folheto vai muito além do que a literatura de cordel se presta, ele tem vários subgêneros dentro da própria literatura de cordel como, o folheto de notícia; o folheto de humor, que nós chamamos de gracejo; as histórias de encantamento, às histórias de amor, as histórias de aventuras, as histórias fantásticas, tudo tem espaço dentro da literatura do cordel.

O POVO - Como você avalia a repercussão da literatura de cordel no contexto internacional?
Klévisson - O cordel é um gênero literário respeitado no mundo inteiro. As maiores universidades do planeta como Harvard, nos Estados Unidos; de Osaka no Japão; na França tema Poitiers, a Sorbonne, e a de Pau Valéry, são algumas das grandes instituições de educação do mundo que trabalham com a literatura de Cordel. Para você ter uma ideia, na Universidade de Osaka, até a antologia de literatura de Cordel em português e japonês já foi publicada. É um gênero literário que tem as maiores contribuições do Brasil para as letras universais. Um gênero literário difícil de ser feito com qualidade, porque tem regras muito rígidas, a métrica, a rima e a oração. Tem muita gente que pensa que sabe escrever e não sabe, porque a literatura de cordel é um gênero que tem suas características muito peculiares, então as pessoas acham que é só publicar qualquer coisa e está publicando Cordel. O Cordel é um gênero literário que pode abordar qualquer tema, desde o folclore a algo científico. Como qualquer outro gênero literário, pode trabalhar qualquer tema em qualquer assunto.

OP - Você considera que os cordéis têm mais espaço nas livrarias em relação a décadas anteriores?
Klévisson - A literatura de cordel tem ganhado cada vez mais espaço nas livrarias. Imagina que o cordel era comercializado no chão das feiras livres, depois passou para as livrarias, para as centrais de artesanato, para os grandes eventos como feira de livros, bienais, eventos culturais, então a literatura de cordel foi ganhando espaço. Quando eu comecei a trabalhar com o cordel, no final de 1998, essa literatura estava agonizante, tinham poucos autores e as impressões eram em xerox, o negócio estava muito fraco. Depois que a gente começou a fazer um trabalho de retomada desse mercado editorial, muitos autores passaram a publicar em gráfica, fazer tiragens significativas, porque isso de ficar fazendo 10, 20 cópias artesanalmente é muito precário. Dessa forma, o trabalho não circula. Eu comecei a fazer megas tiragens, tiragem de 3 mil, de 5 mil, de 10 mil exemplares e até de 70 mil exemplares nós chegamos a fazer tiragens. Então, eu acredito que esse espaço é interessante, eu não vejo com nostalgia de nada. Acho que tem muito a ser conquistado ainda, mas nós já avançamos muito, principalmente na escola, na sala de aula, a literatura de cordel hoje tem muito espaço, muitos professores trabalham com a literatura de cordel nas escolas.

 

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