“Alguém olhou e viu a marca do Brasil”. Foi o que disse uma das visitantes da terceira edição da feira SP-Arte Rotas Brasileiras ao se deparar com o trabalho do pintor Chico da Silva (1910 - 1985). O conjunto de três obras sem título, do acervo da Galeria Galatea, apresenta elementos que demarcam a assinatura já conhecida do criador da escola do Pirambu: a mistura vívida de cores e criaturas folclóricas.
Situados logo no centro do pavilhão do espaço Arca, os quadros estavam em ponto de destaque e não eram poucas as vezes em que pessoas paravam diante das pinturas para apreciação. O artista segue abrindo os olhares para evidenciar que a arte nacional está firmada nas criações do Norte e Nordeste, mesmo que a visibilidade nos demais estados seja alcançada em passos lentos.
A pouco metros das produções de Chico, estava o estande da galeria fortalezense Leonardo Leal, localizada no bairro Aldeota. As telas de Arrudas, Beatrice Arraes, Cadeh Juaçaba, Diego de Santos, Júlia Aragão e Thales Pomb tocavam a temática da diáspora, cada qual à sua maneira. Júlia, por exemplo, abordou o assunto a partir da pesquisa de plantas naturais do Brasil, o país de origem, e Portugal, onde estudou recentemente.
"Eu tinha expectativa de encontrar a vegetação daquele lugar, só que não acontece tanto. As plantas ornamentais são muito parecidas, às vezes são as mesmas (nos dois países), elas 'viajam' muito. Quando eu as pinto, elas retornam ao imaginário afetivo", desenvolve.
Enquanto fala sobre os desenhos das espécies maria-sem-vergonha e lágrima-de-cristo, a artista de 26 anos faz uma ligação com o movimento migrante da arte cearense. "Esses deslocamentos têm acontecido com mais frequência atualmente", opina. Por um lado, afirma, é "bacana" que pessoas de outros lugares estejam vendo os trabalhos desenvolvidos, mas também é "muito duro” sentir que precisa sair da sua base para ter visibilidade.
“É como se você precisasse de uma validação externa da importância daquilo, da pertinência do que é colocado ali”, compara. Esta é uma das dificuldades enfrentadas por ela, que embarcou profissionalmente na área há cerca de dois anos. Ela também compara a diferença entre os mercados de arte do Sudeste e do Nordeste, assim como as complexidades ao iniciar uma trajetória no meio.
"Não é apenas a falta de oportunidades (no Estado), mas o olhar dado ao Nordeste (em regiões como o Sul e Sudeste), que é calibrado de alguma maneira. Tem uma certa expectativa do que vai ser encontrado e tem artistas que não correspondem com o esperado, para eles pode ser mais difícil".
A visão não é muito diferente de quem está há mais de trinta anos na área. A artista visual Amélia Vieira comanda a Galeria Karandash, em Maceió, ao lado do artista visual Dalton Costa. Ela pontua que é participar de eventos em São Paulo e Rio de Janeiro é "imprescindível" para "despertar" público de interesse.
"Nossa cultura em Alagoas não é valorizada pelos órgãos governamentais, eles pensam de outra maneira, mesmo que a gente tenha contribuído para a arte florescer, descobrindo artistas, buscando novas formas de mostrar. Nós não somos compreendidos ou valorizados", ressalta.
As duas artistas pontuam que falta investimento para fortalecer o circuito cultural nestes estados, assim como iniciativas de educação artística. Amélia menciona que o espaço oferecido em feiras como a SP-Arte Rotas Brasileiras e Art Rio proporciona "vendas significativas, contato com curadores e colecionadores do mundo todo".
De acordo com Leonardo Leal, estes projetos criam portas de entradas e impulsionam a criação de iniciativas em diferentes instituições, além de ajudar a firmar artistas contemporâneos. São estes encontros pontuais, ainda concentrados em cidades do Sudeste, que movimentam grande parte do lucro de galerias. "Funciona como uma grande vitrine que amplia o leque da exposição dos trabalhos".
Expandir o olhar
A proposta de descentralização do mercado da arte foi um dos ganchos da última edição da feira SP-Arte - Rotas Brasileiras, realizada entre 28 de agosto e 1º de setembro no espaço Arca, em São Paulo.
"Nosso objetivo com o Rotas é expandir o olhar do mercado de arte, que é tradicionalmente baseado na cidade de São Paulo, expandir esse olhar para a produção artística de outras cidades. É uma via de conexão, uma comunicação que a gente busca com todas essas gerações, estéticas e especificidades de cada um dos estados brasileiros", sintetiza a idealizadora Fernanda Feitosa.
A união entre artistas contemporâneos e nomes renomados também foi um ponto de destaque, assim como a mistura de elementos da arte popular. Parte dessa construção foi aprimorada com a direção artística de Rodrigo Moura, curador do El Museo del Barrio, em Nova York. "O principal diferencial desta feira é o alcance geográfico. Você tem uma riqueza, é indispensável para quem quer conhecer a arte brasileira", opina o crítico. Ao falar especificamente sobre a produção do Ceará, ele destaca a presença de Chico da Silva, Zé Tarcísio e Leonilson. "O Ceará é a própria base do que torna essa feira e a arte brasileira tão especiais e importantes"
Para ficar de olho
Galeria Leonardo Leal
Situada na Aldeota, a galeria tem proposta contemporânea e propõe apresentar novos nomes da arte cearense. Participou pela segunda vez SP - Arte Rotas Brasileiras.
Galeria Multiarte
Criada em 1987, comporta exposições de grandes nome. Esteve presente na SP - Arte Rotas Brasileiras com obras de Zé Tarcísio, disponíveis na Galeria Pinakotheke.
Galeria Kandarash
Fundada em 1985 por Maria Amélia Vieira e Dalton Costa, dispõe de acervo com mais de 2.000 peças. Busca promover diálogo entre arte contemporânea e popular, com gravuras e esculturas.
Galeria Amparo
A Galeria Amparo atua com sede no Recife. Idealizada pela galerista Lúcia Costa, integra múltiplas linguagens de diferentes gerações e já produziu cerca de 70 exposições.
Galeria Marco Zero
A Galeria Marco Zero é definida como um espaço voltado para as artes visuais e o fomento da cena artística de Pernambuco. Sediada em Recife, a sede pode ser encontrada no bairro de Boa Viagem.
RV Cultura e Arte
A RV Cultura e Arte funciona como uma galeria de arte contemporânea e selo editorial em Salvador. É dedicado, principalmente, às artes gráficas como desenho, pintura, colagem e impressões. Foca em artistas jovens e emergentes.
Paulo Darzé Galeria
A Paulo Darzé Galeria foca na arte contemporâne e busca promover um calendário de programação com exposições inéditas, individuais ou coletivas. Trabalha com obras nas linguagens de pinturas, esculturas, fotografias e instalações.
Acervo Galeria de Arte
A Acervo Galeria de Arte tem portfólio construído por obras de artistas modernistas e contemporâneos. Investe, principalmente, em artistas baianos para que alcancem espaço em exposições nacionais.
Lima Galeria
Fundada em 2021 por Marco Antônio Lima, a galeria acompanha e exibe o trabalho de artistas do Maranhão, Piauí e Pará. No momento, tem obras de Marcone Moreira, Fátima Campos, Dinho Araújo e mais.
Entre mestres do Ceará
Também foram muitos os visitantes cearenses da SP Arte - Rotas Brasileiras, entre eles o mestre Espedito Seleiro. O artesão de Nova Olinda aproveitou para visitar a feira durante a participação na exposição Arte dos Mestres, também vigente entre 28 de agosto e 1º de setembro na Artesol.
"A gente vai sair daqui cheio de experiências, de ideias novas, é muito legal. Tem muitas pessoas nesse evento que não tem como ver nada diferente, também faz parte da vida dos artistas pegar ideias novas, se inspirar. Quando a gente chega em casa, está cheio de esperança", comenta.
Ao mesmo tempo, outro movimento paralelo também marca a presença de artistas cearenses em São Paulo. Leonilson, fortalezense que viveu grande parte da vida na cidade paulistana, é tema de mostra no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp). "Leonilson: agora e as oportunidades" fica em cartaz até o dia 17 de novembro na instituição cultural.
A mostra traz obras focadas nos últimos cinco anos da produção do artista, vítima da Aids em 1993. Inaugurada em 22 de agosto, data na qual o pintor recebeu o diagnóstico, a exibição reúne desenhos, bordados e intervenções que expõem a faceta política do cearense.
“Leonilson: agora e as oportunidades”
Serviço