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De pai para filho: Erico Dias mantém viva a tradição da encadernação
Vida & Arte

De pai para filho: Erico Dias mantém viva a tradição da encadernação

Embora cada vez mais escassa, a prática da encadernação ainda resiste em Fortaleza; Erico Dias detalha desafios para manter o hobby e compartilha mudanças na área
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FORTALEZA, CEARÁ,  BRASIL- 05.09.2024: Erico Dias, encardenador. Erico faz Encardenação manuais, de livros (monografias / caderno de anotoções e outros). (Foto: |Aurelio Alves/O POVO) (Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL- 05.09.2024: Erico Dias, encardenador. Erico faz Encardenação manuais, de livros (monografias / caderno de anotoções e outros). (Foto: |Aurelio Alves/O POVO)

Em um pequeno quarto, com três máquinas e alguns instrumentos espalhados em uma mesa, acontece algo pouco visto na atualidade: a arte de encadernar livros.

O responsável pela tarefa é o tecnólogo Erico Dias de Sales. Apesar de toda tecnologia disponível e da queda na procura por livros físicos, a técnica milenar da encadernação continua resistindo até hoje.

Erico conta ao Vida&Arte que nunca chegou a estudar para ser encadernador, "nasceu" assim. "Meu pai era encadernador e tipógrafo, e entendia quase tudo, senão tudo, de artes gráficas. Pratiquei desde criança e, já adulto, aprendi novas técnicas. O aprendizado acontecia na prática e com os desafios da rotina".

Ao longo da conversa, ele não esconde a admiração que tem pelo pai, Adão Dias Sales, a gratidão por tudo que o patriarca o ensinou. Em uma pasta em meio aos objetos na mesa, Erico puxa uma edição antiga do O POVO, publicada no dia 7 de fevereiro de 1997, com a foto do pai estampada, numa matéria que contava os desafios de uma profissão quase extinta à época.

"Se eu falar muito do meu pai começo a chorar. Devo tudo que sei a ele, é meu exemplo", compartilha emocionado. Ao explicar um pouco mais sobre a área, ele esclarece que um restaurador profissional reconstrói um livro (miolo e capa) sem encadernar. Já um encadernador cria uma nova capa, sem mexer no miolo.

Recentemente, acrescenta, participou de um curso de restauração direcionado à encadernação, realizado pelo Memorial da Universidade Federal do Ceará (UFC). Para ele, encadernar é mais que uma atividade, é uma forma de arte que exige destreza, paciência e, naturalmente, os materiais certos.

"Tem que gostar de ver um livro com uma capa nova, feita com suas próprias mãos", pontua sobre as qualidades necessárias para ser um bom encadernador.

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Suas ferramentas são tesouras, réguas, pincéis, estiletes, papelão, linha, crepe e plástico adesivo. Já entre as máquinas, tem uma guilhotina, uma prensa e um cortador de papelão artesanal.

O processo criativo depende muito do tipo de intervenção que vai ser feita e das variações que podem ser realizadas ao longo da técnica de encadernamento. "Quando a pessoa vem com uma ideia pronta, dependendo do material, pode se 'inventar' uma novidade. A pesquisa se resume somente à disponibilidade de material, que hoje está quase escasso", explica.

Erico esclarece que o tempo necessário para uma obra ficar pronta depende de muitas variantes, como tempo de secagem da cola, costura de um livro, disponibilidade do material pedido e o processo de encadernamento utilizado.

Falta de procura e desejo em ensinar o que sabe

Sobre demandas de trabalhos, o tecnólogo conta que, antes, existia uma procura maior pelo serviço. Alunos de universidades eram seu público principal para encadernação de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), assim como colecionadores e pessoas apaixonadas por livros.

"Hoje, parece que 99% desse público aderiu à era digital. As universidades não exigem mais os TCC em papel, somente digital, quase não se fala mais em colecionadores", elabora.

Ele reafirma que as pessoas quase não se interessam mais pelo livro físico e, consequentemente, pelo seu trabalho de encadernamento, que custa R$ 50 e pode variar conforme o tamanho do livro.

Ele também pontua o desejo em ensinar a arte que seu pai o ensinou para outras pessoas, mas a falta de procura o entristece.

"Isso é minha tristeza, pelejei para ensinar para uns amigos, mas ninguém se interessou. Cheguei a trabalhar com alguns adolescentes, mas eles não chegaram a pegar o gosto pela coisa. Gostaria muito de ensinar, estou aberto a isso", revela.

Entretanto, a encadernação de livros não é sua profissão principal. Ele trabalha na Universidade Federal do Ceará (UFC) desde 1990 e atua como Tecnólogo em Gestão da Educação Superior.

Na Universidade, o artista faz um trabalho bem diferente. Sua função aborda a digitalização de documentos antigos, um processo de atualização que transforma o que é papel em arquivo digital.

"Por ironia, estou ajudando a eliminar o material físico e transformar em digital, eliminando assim uma futura necessidade de conservação. Sendo assim, no futuro, não haverá necessidade do trabalho de conservação de livros, a maioria será digital", revela.

Ao ser questionado sobre o futuro da conservação de livros no Brasil, o profissional responde que o trabalho só pode continuar existindo se houver leitores que comprem cada vez mais obras.

"Se os grandes leitores não compram mais livros, não manuseiam, não há o desgaste de livro, não há a necessidade de restauro, ficando uma pequena fatia de alguns tradicionais leitores que mantêm alguns livros guardados, ou famílias que têm, por tradição, o luxo de ter uma biblioteca particular em casa ou escritório", pontua.

Mais informações sobre a arte de encadernação e aulas :

Para encomendas, veja informações sobre o processo de encadernação por meio do e-mail: ericosales2014@gmail.com

 

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