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Profissionais do mercado de design elaboram rumos para a expansão do segmento
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Profissionais do mercado de design elaboram rumos para a expansão do segmento

Especialistas em design discutem cena atual da área, tendências presentes e novas perspectivas sobre o design brasileiro e cearense
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Obra da pesquisadora de Design Social Alessandra Pereira, exposta na mostra
Foto: Mari Ellen/Divulgação Obra da pesquisadora de Design Social Alessandra Pereira, exposta na mostra "Vazios Paralelos" em cartaz em fevereiro de 2024, na Bece

Criado para solucionar problemas, o design é algo presente no dia a dia. Seja na modelagem de uma roupa, em publicações de redes sociais, na elaboração de móveis e também em obras de arte. Esse campo que por vezes se mistura com a arte ganha protagonismo na primeira edição do Festival Kuya Design Sul-americano, que finaliza neste domingo, 15 de setembro, no Complexo Estação das Artes.

"Temos entendido o design como protagonista do crescimento do Estado, no sentido de pensar soluções para a população cearense", explica Rodrigo Costa Lima, diretor do Kuya - Centro de Design do Ceará. "É um momento em que a gente tem a oportunidade aqui de convidar o Brasil todo e a América Latina para conversar sobre design, deslocando um pouco do senso comum", destaca o também designer.

Para Rodrigo, além de "fazer um desenho ali" ou "uma coisa mais bonita", o design tem "potencial de transformar o ambiente em que vive, dar soluções". "A ideia de ir respeitando saberes que estão já na história da gente e construir esse lugar melhor para se viver e conviver", pontua.

"O cenário está se abrindo mais para pessoas que experimentam e colocam seu próprio mundo em torno do seu trabalho", indica a artista e designer Suellem Cosme sobre sua percepção do que tem dominado no campo do design atualmente. A cearense natural de Ocara participou do festival com a mesa temática "Design, tradição e imaginação nos grafismos afroindígenas" ao lado de J. Cunha, Merremi Karão Jaguaribaras.

Suellem compreende que ainda é difícil de desvencilhar do conceito comum de design e das demandas industriais dentro de uma sociedade capitalista. "Mas busco acreditar que estamos em um movimento de se perguntar o que faz sentido produzir, um olhar mais crítico", defende, no entanto, lembra que "nem todo contratante está disposto a abraçar" essas outras propostas.

"Acredito que o design, além de uma ferramenta potente de criação e questionamento, é algo que perpassa as vivências e interpessoalidades dos que estão criando e se conecta com o público alvo em questão", argumenta Lorena Araújo, designer cearense vencedora do prêmio Latin American Design Awards 2024.

Lorena observa que o design se transformou em uma "ferramenta potente de questionar, compreender e provocar mudanças". "É uma visão mais crítica e política da nossa profissão, mas acho que essas bases de pensamento são diferenciais quando inseridas em um contexto de criação", ilustra.

Alessandra Pereira, pesquisadora de Design Social, afirma que o conceito de design como ferramenta para soluções de problemas é focado somente no lucro. "O trabalho do designer atualmente está relacionado a criar desejo e capturar sua atenção em tela. Por outro lado, também estamos desenvolvendo práticas de design contra-corrente, decoloniais", reflete.

"O design emergente é caracterizado por seus métodos e ferramentas utilizados e parte do pressuposto de que todos os envolvidos irão contribuir com seus saberes, sua cultura e habilidades específicas", cita Alessandra, utilizando as palavras do acadêmico de design italiano Ezio Manzini.

Neste sentido, o design identifica problemas, contextos e soluções, traduz complexidades, transforma sentidos, conecta saberes, instituições e territórios, e é uma ferramenta estratégica para resolução de problemas em coletivo", explica Alessandra, que também é diretora criativa e produtora cultural da Metasse Design e Cultura.

Repensar os conceitos de design está ligado à análise proposta pelo Festival Kuya Design Sul-americano, conforme observa Rodrigo Costa Lima, diretor do equipamento cultural. "Quando trazemos essa relação com a América Latina, também entendemos como a gente faz design no Sul Global, no Brasil e no Ceará. O que isso significa? O que podemos valorizar nesse processo?", reflete o gestor, que também é formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

"Buscar outras referências do que é um bom design. Nos descolamos um pouco dessa ideia mais colonizadora que traz o design da Europa, que chega aqui como algo ligado à indústria, impondo saberes que não são nossos", argumenta Rodrigo. "Essa revisão é um pouco do que a gente gostaria de começar a provocar. Claro que não vai ser o festival que vai resolver isso", afirma Lima.

"A primeira edição vem para a gente começar a trazer esses debates do que tem nos inquietado e entendido que o design pode contribuir para o envolvimento das comunidades e com o meio ambiente", ilustra o diretor da Kuya.

Alessandra Pereira também salienta que, apesar de as referências de design terem aumentado, ainda é preciso ampliar o debate sobre a produção sul-americana e nordestina. "Via de regra, os referenciais teóricos do nosso campo são majoritários europeus, e existe um apagamento estrutural sobre os/as/es pensadores negros e indígenas na área".

"Precisamos urgentemente de uma política pública de pesquisa sobre o cenário de criativos independentes do Ceará. Para além de pensarmos numa conexão entre clientes e produtos/serviços, precisamos de dados para elaborar melhorias em nosso contexto de trabalho e juntos, poder imaginar e discutir soluções", destaca a pesquisadora de Design Social.

Caminhos atuais do design cearense

Demarcar uma característica cearense dentro cearense é uma tarefa complicada, segundo a designer Lorena Araújo. "É muito difícil de se falar em uma identidade cearense (assim como uma brasileira ou sul-americana), é uma discussão que vez ou outra volta à tona no meio dos designers. Porém algo positivo que observamos na prática são os distanciamentos de pensamentos mais tradicionais e eurocêntricos de design", pontua.

"Vemos cada vez mais a cultura indigena ganhando espaço dentro do design — um holofote com atrasos de centenas de anos, se você considerar que a confecção e criação de uma simples cuia já era design — e várias outras culturas, tradições se inserindo nas estéticas atuais, isso é uma evolução que de pouco em pouco vai tomando forma, ficando robusta e criando uma identidade proprietária", ilustra a cearense.

"Esperamos (muito) que um dia, essa identidade do design cearense e brasileiro seja forte e marcante", Lorena Araújo, que venceu, neste ano, o Latin American Design Awards.

A busca pela identidade de cada artesão é o que marca o design cearense para Suellem Cosme. "O que a cultura produz, desde os artesãos do barro à galera da periferia que produz a própria marca de roupa/adornos e criam suas próprias identidades", aponta.

"Fazer artesanal, resolver na tora, inventividade que está no dia-a-dia e permite o bem estar no cotidiano", afirma a pesquisadora Alessandra Pereira sobre as características que demarcam o design cearense.

"Um exemplo é o filme 'O Menino que Descobriu o Vento' que nos apresenta uma criança sonhadora que, em meio a um cenário de emergência, propõe uma solução complexamente simples, com os materiais que tem disponível, para resolver um problema coletivo", elucida a também diretora criativa e produtora cultural da Metasse Design e Cultura.

Ainda assim, Alessandra destaca que é preciso "pensar um design crítico e político". "Para mim, hoje, isso passa pela preocupação da democratização de acesso do Design. Manzini diz que 'todos nós somos designers’ e me pego imaginando o quanto de potencial nas periferias de Fortaleza e no interior do Ceará, podemos fortalecer com as ferramentas poderosas que o Design nos proporciona", contextualiza.

Embora o cenário atual do design no Ceará seja auspicioso, Suellem Cosme teme que o uso de inteligência artificial prejudique esse momento. "Infelizmente, com a chegada das inteligências artificiais e a usabilidade dos programas que utilizamos para produzir/projetar estarem observando nossas criações, talvez tenha uma sensação pessimista de fundo", argumenta a cearense natural de Ocara.

"Mas busco acreditar na potencialidade de trabalhos que usem a manualidade, a pesquisa de técnicas, como início de partida para seus projetos", defende a também gravurista. Por outro lado, Lorena Araújo prospecta um amanhã mais diverso e multifacetado para o design.

"Tendo em vista a variedade de ferramentas que estão se construindo e se inserindo na nossa prática (as inteligências artificiais como grandes exemplos para estampar isso) e a variedade de pensamentos críticos e sociais que se fortalecem cada dia mais", salienta Araújo.

"Temas como sustentabilidade, inclusão e sociedade, design digital, imersão de experiência, design ligado a tecnologias da saúde são grandes crescentes nos assuntos sobre tendências e visões sobre o futuro da nossa profissão", exemplifica Lorena. "Essas são tendências que refletem não somente a estética e a funcionalidade, mas também o impacto social, cultural e ambiental das soluções criadas. O futuro do design é um campo em constante evolução, vamos esperar e ver onde vamos chegar", aponta a designer cearense.

Alessandra Pereira completa ponderando que o futuro do design cearense está no "fazer coletivo". "Acredito que um passo importante para um futuro do design mais democrático é promover um espaço onde possamos pensar juntos sobre o que queremos enquanto profissionais, os problemas enfrentados em nosso cotidiano, e partir dessa inteligência coletiva, poder discutir e elaborar estratégias de sobrevivência no setor cultural independente", finaliza.

Arte versus Design

Existe uma linha tênue entre o design e a arte que, por vezes, se confunde dentro do senso comum. Enquanto o primeiro campo é subjetivo, não está preso a nenhuma estética ou função específica, o segundo depende de um briefing, uma pesquisa de campo, o público-alvo é estudado, dentre outros fatores. Contudo, não há impeditivo para que as duas linhas se cruzem.

"O design é transdisciplinar, isso quer dizer que também pode influenciar e se relacionar com biologia, tecnologia, dança, psicologia, educação. É uma ferramenta de mediação, isso quer dizer que, na prática, o designer não trabalha sozinho, e depende das relações coletivas para informar como desenhar seu projeto", afirma Alessandra Pereira, pesquisadora de Design Social que acredita na mistura de design com arte.

"Hoje entendemos que o designer é, sim, uma peça fundamental para o pensamento do design, com suas vivências, suas referências pessoais, seu repertório próprio, que de alguma maneira acaba inserido no processo criativo e na mensagem final", explica Lorena Araújo, vencedora do Latin American Design Awards.

"Isso se aproxima um pouco da arte, se formos parar para pensar, às vezes é possível enxergar uma subjetividade dentro das funcionalidades técnicas do design", finaliza Lorena.

Suellem Cosme observa a possibilidade do encontro das duas áreas por meio do "fazer criativo" presente em ambas. "Às vezes são nomenclaturas que usamos para abarcar os trabalhos, mas eles podem se encaixar em diversas áreas ou linguagens. Vejo potencialidade nas duas áreas e fico feliz em ser múltipla e, ao mesmo tempo, não me prender somente a ela, e, sim, ser apenas uma pessoa criativa", completa.

Acompanhe os designers

Alessandra Pereira:
no instagram
@alessssandrapereira e @metasse.ce

Lorena Araújo: no instagram @lohlohlohloh

Suellem Cosme: no instagram @cosmesuellem

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