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Pesquisa escancara falta de diversidade em grande premiação do cinema
Vida & Arte

Pesquisa escancara falta de diversidade em grande premiação do cinema

Estudo evidencia ausências de diversidade de raça e gênero na história do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (GPCB)
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"Marte Um", de Gabriel Martins, foi um dos longas pré-selecionados para representar o Brasil no Oscar 2023 e é umas das poucas obras que furou recentemente essa ausência de diversidade (Foto: divulgação)
Foto: divulgação "Marte Um", de Gabriel Martins, foi um dos longas pré-selecionados para representar o Brasil no Oscar 2023 e é umas das poucas obras que furou recentemente essa ausência de diversidade

Um estudo feito pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (Gemaa) analisou a desigualdade de raça e gênero presente na história do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (GPCB). Publicado no final de agosto, a pesquisa verificou o período de 2002 a 2023, ou seja, desde a criação até a edição mais recente.

Dentre os dados apresentados para demonstrar a crescente ausência de pessoas pretas, pardas e indígenas, PPIs conforme sigla dada pelo estudo, destaca-se a categoria de “Melhor Direção”. O resultado aponta que a proporção de homens pretos ou pardos é de 6%, com a primeira indicação de alguém deste grupo só tenha acontecido em 2012, com Jeferson De pelo filme “Bróder” (2010).

Desigualdades no GPBC
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A conquista da vitória só veio em 2021, também para o mesmo cineasta citado acima, dessa vez pelo trabalho em “M8 - Quando a Morte Socorre a Vida”. No entanto, mulheres PPIs seguem ausentes. Para a produtora e diretora de arte Lídia dos Anjos, a falta de mulheres cineastas em listas de indicações e como vencedoras de prêmios de cinema como o GPCB, explícita a realidade que é ser uma mulher negra no setor do audiovisual.

“É quase que uma cota, infelizmente. Tipo, não, ‘a gente já tem a nossa quantidade aqui de pessoas pretas e já tá bom’, já é suficiente, não precisa. A gente já tem pessoas pretas na equipe, então a gente não precisa de pessoas pretas dirigindo, já que não é um filme racializado”, argumenta a também atriz e figurinista.

“Como se as pessoas pretas e indígenas só pudessem fazer coisas sobre suas as etnias, eliminando totalmente o conhecimento que a gente necessita adquirir para poder estar nesses espaços, infelizmente invisibilizado mesmo, tudo que a gente faz e só vê a gente como mulheres preta, indígenas, mulheres, enfim, a gen e não como profissionais”, salienta Lídia, que também é colaboradora do coletivo Produtora Princesinha de Favela (PPDF).

Clarice Nascimento, diretora de fotografia, percebe essa ausência de mulheres PPIs também relacionada ao cenário do cinema mundial. “O cinema mundial, não só o nacional é majoritariamente branco, hetero-cis-normativo e cis-masculino. Isso, por si, só é a maior condição para que os acessos de qualquer pessoa fora desse padrão consiga chegar a algum lugar dentro desse mundo que é o cinema”, pontua a também estudante de Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Ceará.

“São muitos os recortes, mas, digamos, que uma mulher consiga acessar um cargo dentro de um set de filmagem, é provável que esta além de branca, possivelmente esteja desenvolvendo função que se relacione mais com organização prévia a execução (consequência do patriarcado) em departamentos como Produção Geral ou Direção de Arte, Maquiagem ou Figurino”, explica Clarice, que é natural de Uruaú.

A também cineasta e preparadora de elenco Lídia dos Anjos afirma que a indústria ainda está presa em aceitar pessoas negras somente à frente de filmes que discutem questões de raça. “Então, eu, por exemplo, só posso falar sobre ser mulher preta, então, se o trabalho não é sobre mulher preta, por que eles vão me chamar para fazer? E por que vão me chamar para dirigir, se podem me chamar para fazer uma direção de arte? Eu adoro fazer direção de arte, acho que vale salientar isso, mas eu também gostaria de fazer outras coisas dentro do cinema”, contextualiza.

A ausência de um maior número de mulheres PPIs na área de direção é uma falta que se origina também do ambiente universitário, segundo ilustra Clarice. “Para você ter ideia, no departamento em que estudo, apesar de termos mulheres lecionando, nenhuma delas é racializada. Digo isso, porque é muito comum encontrar mulheres em lugares acadêmicos, já que o acesso à produção cinematográfica prática (set de filmagem) ainda está limitado aos homens”, pontua.

"Por aí, você pode ter uma noção, pois, se não estamos em set e nem lecionando, onde estamos? Falta de conhecimento, pesquisa, qualidade e profissionais capacitadas é que não é. Apesar de estarmos em um momento de avanço nesse sentido, termos mulheres negras, nordestinas, LGBTQIAPN+ em quem nos referenciar, elas nem de longe são maioria e nitidamente podemos observar isso como consequência do
racismo estrutural que nossa sociedade está submersa”, salienta a também diretora.

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