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Com participação na série 'Rensga Hits', Danilo Castro avalia complexidades das artes cênicas
Vida & Arte

Com participação na série 'Rensga Hits', Danilo Castro avalia complexidades das artes cênicas

Cearense Danilo Castro enxerga cenário complexo da atuação, mas encontra nas práticas culturais um lugar de acolhimento e autoconhecimento
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Cearense Danilo Castro descobriu na arte seu processo de autoconhecimento   (Foto: Marcelo Melo/ Divulgação )
Foto: Marcelo Melo/ Divulgação Cearense Danilo Castro descobriu na arte seu processo de autoconhecimento

"A perspectiva de ser um menino gay, negro e de origem pobre me deixava num lugar de silenciamento e uma suposta timidez que me foi imposta. O teatro foi me devolvendo à superfície, que deveria ter sido sempre meu lugar". É o que diz o ator cearense Danilo Castro sobre sua relação com a arte e como ela foi importante para seu processo de autoconhecimento.

A paixão pelas artes cênicas começou aos 8 anos, após assistir ao espetáculo "O Detestinha", escrito pelo jornalista do O POVO Demitri Túlio e encenado pelo grupo Comédia Cearense. Mas, mesmo antes disso, sua curiosidade em saber como as pessoas iriam parar "dentro" da televisão já dava indícios que seu futuro seria ali.

O que antes era idealização agora se torna real com sua estreia na 2ª temporada da série "Rensga Hits", disponível na plataforma de streaming Globoplay, que aborda o universo da produção musical sertaneja. Entretanto, seu currículo já possui uma lista extensa de produções que soma novelas, séries, filmes e peças teatrais.

Antes de imaginar ser possível seguir na carreira de ator e realizar seus sonhos, o jovem ator cearense se viu na necessidade de aprender a usar o corpo como forma de expressão em casa. Seus pais são surdos e a maneira de se comunicar com eles foi por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras).

"Num mundo tão cruel e sem acessibilidade para as pessoas surdas, prezar pela comunicação é crucial. Sou comunicador nato, arte é comunicação. Nasci nesse berço e o resto foi consequência", revela o cearense formado em Artes Cênicas no Instituto Federal do Ceará (IFCE) e em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Para ele, a atuação é o seu lugar de amor, resistência, dor, prazer. É onde encontra, também, sua felicidade nas contradições. Relembrando suas primeiras peças de teatro na escola, em que encenou obras como "Sítio do Picapau Amarelo", ele revela que, nessa época, se viu reprimido, cheio de desejos por aquilo que gostaria de fazer, mas cheio de medo também.

Logo em seguida, Danilo participou de dois grupos de teatro na igreja: Expressão Jovem e Grupo Desafio. Ele pôde encenar a paixão de Cristo e parábolas bíblicas. Depois, ele partiu para profissionalização, com graduação e mestrado na área. Entretanto, permanecia com uma sensação ambígua em si de dor e prazer.

"Sou levado a um lugar de stress profundo quando estou em cena, um medo gigantesco do julgamento. Mas, ao mesmo tempo, sou tomado por uma coragem que às vezes esqueço que existe em mim", revela Danilo sobre sa vivência na atuação.

Na televisão já viveu personagens, como gosta de descrever, considerados "cheios de humanidade". Na Globo, participou da novela "Terra e Paixão" (2023) e da série "Cine Holliúdy" (2019). Em Portugal, viveu Eliseu na novela" Morangos com Açúcar" (2003). Porém, foi com o vilão Patrício na série "Jenipapo, a Fronteira da Independência" (2022), que chegou ao seu trabalho mais desafiador.

Na série, gravada em Parnaíba, no Piauí, Danilo deu vida a um assassino, num lugar de "extrema masculinidade", em uma trama que se passa em 1923. Ele conta que o calor foi um dos principais fatores que tornaram o trabalho complexo, já que seu personagem usava uniformes pesados. Para o papel, o jornalista também teve que aprender a andar a cavalo, lutar com espada de sabre e fazer aulas com fono para pegar o sotaque.

"Até hoje sou impactado por esse trabalho num lugar de orgulho de onde consegui chegar por meio da disciplina do ofício de ator", destaca.

 

Danilo Castro caracterizado para seu personagem no longa de terror
Danilo Castro caracterizado para seu personagem no longa de terror "Réquiem para Dona Benta"

"Viver de arte é difícil em qualquer lugar"

Visando novas oportunidades na carreira, Danilo soube desde cedo que seu lugar não seria no Ceará caso desejasse seguir na atuação. Apesar de achar que o Estado é um berço de grandes talentos.

Como referência, cita Silvero Pereira como um ativista contundente na valorização da classe artística cearense. Ele pontua que, apesar da diversidade brasileira ser cada vez mais presente, ainda é preciso morar no Sudeste para ter acesso aos grandes testes.

"Se nos desejam, que promovam esse deslocamento, custeiem hospedagens e diárias onde quer que seja. Ao mesmo tempo, não dá para romantizar: é muito difícil furar as bolhas quando você não está no Sudeste. Digo isso porque os grandes estúdios e produções da Netflix, Globo, HBO, estão centrados por lá", pontua.

Danilo lamenta que o grande potencial de artistas em Fortaleza esteja sendo desperdiçado. Para ele, existe foco na construção de muitos equipamentos públicos e pouco incentivo às sedes de grupos artísticos, editais de teatro e cachês com baixíssimo orçamento.

"Óbvio que a gente gosta da Pinacoteca e da Estação das Artes, mas precisamos de sangue correndo em nossas veias. Arte é feita por pessoas. Se você não fomenta a vida das pessoas, a arte desfalece. É uma sensação de que para ser de teatro, você precisa sofrer, ser pobre, viver de luta e amor. É uma resistência eterna" afirma.

 

Estreias nacionais em destaque

O mais novo personagem de Danilo nas telinhas é um homem sedutor e envolvente, parte da segunda temporada da série "Rensga Hits". É um jovem milionário que se envolve com o personagem do ator Alejandro Claveaux.

Dirigida por Carol Durão e Natália Warth, a produção retrata o universo do "feminejo", vertente do sertanejo universitário onde a voz é das mulheres.

Para Danilo, a série foi um "achado", do qual tem orgulho de fazer parte. O cearense conta que a nova temporada mistura bom humor, música e "um certo ativismo".

"Audiovisual brasileiro sem diversidade está fadado a ficar anacrônico. No país que a gente vive, com essa ascensão do ódio e do fascimo, é sempre político e necessário naturalizar relações entre LGBT em tramas que inspiram e nos representam. Ainda mais no universo da música sertaneja, que ainda é embebido de um conservadorismo profundo em determinados setores e precisa ser combatido", opina.

Além de "Resga Hist", Danilo também estreia em 2025 o longa de terror "Réquiem para Dona Benta", no qual viverá o famoso personagem do folclore brasileiro Curupira.

Para compor o personagem, ele costurou referências dos arquétipos de pomba gira e lobo-guará, animal típico do Cerrado brasileiro, onde o filme foi gravado.

"Há um desafio emocional e psicológico. Mas também há um desafio prático por conta de tudo que você precisa 'colar' no seu corpo pra atuar. Como não ficar mecânico no meio disso tudo? Eis o desafio", declara o ator sobre a preparação cênica.

Em meio a preparação para dar vida a personagens diversos, Danilo detalha que, apesar das referências usadas, tenta buscar dentro de si onde está "o seu pior e seu melhor". E que, ainda que seja um processo racional e disciplinado, às vezes se surpreende com a síndrome do impostor.

"É por isso que trato meu trabalho como uma maldição. Nasci e sigo aprisionado nesse lugar controverso, que me dá um extremo prazer em habitar", revela o cearense.

 

 

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