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Clóvis Beviláqua: 165 anos na memória do povo cearense
Vida & Arte

Clóvis Beviláqua: 165 anos na memória do povo cearense

|Trajetória| A permanência de Clóvis Beviláqua (1859-1944) como uma figura central na história social e política do Estado
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Clóvis Beviláqua (1859 - 1944) foi um jurista, legislador, filósofo, literato e historiador cearense. (Foto: Domínio público)
Foto: Domínio público Clóvis Beviláqua (1859 - 1944) foi um jurista, legislador, filósofo, literato e historiador cearense.

Nesta semana em que a história celebra os 165 anos de um cearense que fez a história do Brasil, nós, do jornal O POVO, seguimos mantendo a valorização de um personagem que realmente merece ser louvado: Clóvis Beviláqua.

Foi no dia 4 de outubro de 1859, há 165 anos, que o vigário encomendado de Viçosa do Ceará, padre José Beviláqua, de origem italiana, mas nascido em Fortaleza, se preparava para celebrar a Missa em honra de São Francisco de Assis, quando precisou atender o chamado de Martiniana Maria de Jesus, que entrava em trabalho de parto.

Depois da celebração, acompanhou o nascimento de um menino que colocou o nome de Clóvis. A então criança passou a infância na cidade natal, onde fez o curso primário e recebia aulas particulares de José Beviláqua, a quem ajudava nas missas.

Aos dez anos (1869), seu pai o enviou a Sobral. Seguiu, depois, para Fortaleza. Estudou no Seminário da Prainha, mas não permaneceu muito tempo, após ser descoberto filho de padre. Clóvis deu continuidade aos seus estudos no Ateneu Cearense e, posteriormente, no Liceu do Ceará.

Foi em 1876 que Clóvis embarcou para o Rio de Janeiro, objetivando ultimar os preparativos no Externato Jasper e no Mosteiro de São Bento. Em 1878, viajou para o Recife, matriculando-se no curso de Direito. Tornou-se bacharel, em 1882. Em 13 de março de 1883, foi nomeado para a função de Promotor Público, em Alcântara, no Maranhão.

Ainda em 1883, casou-se com Amélia de Freitas Beviláqua, na capital, São Luís, na Igreja de Santo Antonio (do século XVII), localizada no centro da cidade. Amélia foi figura central em sua vida, a ponto de Bevilaqua abandonar a Academia Brasileira de Letras (ABL) após os acadêmicos não aceitarem a inscrição de Amélia para concorrer a uma vaga na Academia.

Tornou-se deputado na Assembleia Constituinte do Ceará, então Câmara dos Deputados do Ceará, em 15 de maio de 1891. Em janeiro de 1899, sendo presidente do Brasil o jurista Campos Sales (governou de 1898 a 1902), o ministro da Justiça, Epitácio Pessoa, convidou Clóvis Beviláqua para preparar o projeto do Código Civil Brasileiro.

Foi, também, o autor do Código Penal da Armada da Marinha Brasileira, em 1911. Rejeitou, por duas vezes, convite para se tornar ministro do Supremo Tribunal Federal. Escreveu um esboço de um Projeto de Código Penal Brasileiro e, em 15 de maio de 1928, o jornal O POVO proclamava: "Clóvis Beviláqua venceu no concurso aberto pelo 'O POVO'".

Depois de seu falecimento, foi marcante o traslado de seus restos mortais a Viçosa do Ceará. Falecido no dia 26 de julho de 1944, no Rio de Janeiro.

Após cinco tentativas, em fevereiro deste ano, um movimento foi iniciado pelo advogado e professor universitário José Luís Lira, com o apoio da família de Clóvis e de Amélia, e, ainda, da Prefeitura Municipal de Viçosa do Ceará, para trazer os restos mortais do casal para o Ceará.

Em Fortaleza, o casal foi homenageado no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, na Academia Cearense de Letras, na Ordem dos Advogados do Ceará e no Instituto do Ceará. Depois, a urna seguiu para Viçosa do Ceará, onde recebeu sepultura aos pés da estátua do jurista.

Depoimentos

Clóvis Beviláqua é um dos maiores cearenses, mas, indiscutivelmente, é o maior jurista que o Ceará produziu em sua história. Em julho último, tive a grata satisfação de presidir a Sessão Solene na qual a OAB Ceará recebeu as cinzas do jurista e de sua mulher Amélia. E naquela oportunidade, a OAB aprovou o título Doutor Honoris Causa concedido a quem o recebia primeiramente e pós-morte, Clóvis Beviláqua. Foi um momento de muita emoção e alegria!

Erinaldo Dantas - Presidente da OAB/Ceará

Estou aqui e agora para louvar a posição intelectual do, talvez, maior cearense de todos, Clóvis Beviláqua, esse nome que nós dizemos como quem reza, como quem recomenda, como quem autoriza. Clóvis Beviláqua, sem dúvida alguma, foi um dos maiores intelectuais do mundo. Humanista de tão largo porte que se torna difícil, de modo indiscutível, compará-lo a qualquer outra pessoa igualmente de tão grande porte, em face de suas peculiaridades. Ele tinha uma vocação extraordinária. Nada se perdia do que escrevia.

Cid Saboia de Carvalho, advogado, jornalista e ex-Senador da República

Clóvis Beviláqua foi um dos juristas mais importantes do País, em todos os tempos. Quando atuante na Faculdade de Direito do Recife, onde foi professor, lá fundou a chamada Escola do Recife, que se contrapõe a uma escola de direito e filosofia do sudeste do sul, que era, digamos, anticiência. Eles eram positivistas, digamos, evolucionistas, enquanto o outro grupo era um positivista do sul, um pouco atrasado. Vale lembrar que a um grande jurista, Teixeira de Freitas, um capixaba, jurista do Império, foi confiado pelo imperador a feitura do Código Civil Brasileiro. Só que o Teixeira de Freitas, após uns 20 anos, não concluiu. Clóvis assumiu, por ordem do imperador, a feitura do Código Civil Brasileiro, realizando em pouco mais de um ano uma grande obra.

Inocêncio Uchôa, juiz aposentado e advogado

O que diria Clóvis Beviláqua

Creio na democracia, porque é a criação mais perfeita do direito político, em matéria de forma de governo. Permite à liberdade a dilatação máxima dentro do justo e do honesto, e corresponde ao ideal da sociedade politicamente organizada, com extrair das aspirações mais generalizadas de um povo determinado o sistema de normas que o dirija.


Meu credo jurídico político

Creio no direito porque é a organização da vida social, a garantia das atividades individuais. Necessidade da coexistência, fora das suas normas não se compreende a vida em sociedade. In eo vívimus et sumus.

Creio na liberdade, porque a marcha da civilização, do ponto de vista jurídíco-político, se exprime por sucessivas emancipações do indivíduo, das classes, dos povos, da inteligência, o que demonstra ser ela altíssimo ideal, a que somos impelidos por uma força imanente nos agrupamentos humanos: a aspiração do melhor que a coletividade obtém estimulando as energias psíquicas do indivíduo.

Mas a liberdade há de ser disciplinada pelo direito para não perturbar a paz social, que por sua vez assegura a expansão da liberdade. Creio na moral, porque é a utilidade de cada um e de todos transformada em justiça e caridade, expunge a alma das inclinações inferiores, promove a perfeição dos espíritos, a resistência do caráter, a bondade dos corações.

Creio na justiça, porque é o direito iluminado pela moral, protegendo os bons contra os maus e nocivos, facilitando desenvolvimento da vida social. Creio na democracia, porque é a criação mais perfeita do direito político, em matéria de forma de governo. Permite à liberdade a dilatação máxima dentro do justo e do honesto, e corresponde ao ideal da sociedade politicamente organizada, com extrair das aspirações mais generalizadas de um povo determinado o sistema de normas que o dirija.

Creio mais no milagre do patriotismo, porque o patriotismo é forma social do amor e, como tal, é força irresistível e incomensurável; aos fracos dá alento, aos dúbios decisão, aos descrentes fé, aos fortes ilumina, a todos une num feixe indestrutível, quando é preciso agir ou resistir; não pede inspiração do ódio e não mede sacrifícios para alcançar o bem comum.

Rio de Janeiro, 3 de abril de 1932

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