Poucos são os personagens tirados das histórias em quadrinhos e do universo de super-heróis que conseguem suplantar um conceito tido por muitos como inferior como é o Coringa. O vilão não só conseguiu uma legião de fãs como tem vida própria, aliás, muitas vidas.
Ao longo de sua história, o palhaço deixou de ser um bandido alvo fácil e com tom satírico, assim como muitos da galeria de inimigos do Batman. O Coringa passou a ser um violento psicopata do crime com um humor sádico e com uma mística muito forte em volta de si. Tanto que chega ao seu segundo filme solo com "Coringa: Delírio a Dois".
Desde a sua primeira aparição, com um visual macabro que muito lembra o filme do romancista Victor Hugo, "O Homem Que Ri", que tudo tem a ver com o personagem que conhecemos. Sua origem é ainda desconhecida e mesmo assim é um fenômeno.
Mesmo sem uma origem canônica, muitos foram os que tentaram contar nasceu o Coringa, cada um a sua forma. Em "A Piada Mortal", criada pelo genial Alan Moore, o próprio chega a dizer que se for ter um passado, que seja de múltipla escolha.
Fato é que a sua popularidade perpassa fatores além de um personagem intrigante por si só. A primeira grande versão levada para a televisão com César Romero ainda tem uma pegada mais cômica do que ameaçadora.
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Já em "Batman" (1989), interpretado pelo duas vezes ganhador do Oscar e um dos atores mais renomados de Hollywood, Jack Nicholson, o Coringa passou a ter uma importância e peso maior. Um ator deste porte se dispor a dar vida a uma figura de difícil simpatia por se tratar de um vilão, homicida e nada convencional, e trazer uma grande interpretação, alçou o personagem a outro nível.
Este nível chegou em patamares inimagináveis em 2008 com Heath Ledger em "Batman, o Cavaleiro das Trevas". Mergulhado da cabeça aos pés no personagem, o jovem ator deixou as comédias românticas e o romance de dois cowboys para dar vida a uma das maiores atuações da história do cinema.
Com a precoce morte de Heath às vésperas do lançamento do filme, o Coringa ganhou ainda mais um ar misterioso sobre si. A interpretação com os tiques, a psicopatia no olhar amedrontador e o grande sucesso mostrou que um vilão pode sim ser mais interessante do que o próprio filme ou o protagonista.
Após esse grande marco, que rendeu um Oscar póstumo a Heath Ledger, ao impensável para filmes com origem em quadrinhos, o personagem passou bastante tempo sem ser novamente adaptado. Ninguém se arriscaria a tentar algo novo devido o alto nível em que o palhaço do crime esteve.
Foi só em 2016 quando ele voltou a cena em uma decepcionante interpretação de Jared Leto em "Esquadrão Suicida". A mística em volta do Coringa e do que o personagem trás para o ator foi mais chamativo do que a exagerada e nada contida interpretação que mais parecia uma caricatura.
Anos depois, Joaquim Phoenix, ator que em nada parecia se encaixar com filmes do universo dos quadrinhos, teria uma difícil tarefa. Protagonizar um longa sobre o Coringa e tentar trazer uma versão polêmica sobre sua origem.
O filme de 2019 foi um sucesso estrondoso, mais de um bilhão de dólares em bilheteria, feito impressionante para uma produção voltada para o público adulto e sem o apelo convencional de heróis. Teve ainda dois Oscars, incluindo o de melhor ator para Phoenix.
Dois atores ganharem Oscar vivendo o mesmo personagem só havia acontecido com Marlon Brando e Robert De Niro com Vito Corleone na franquia "O Poderoso Chefão". O personagem mascarado se tornou um símbolo.
São poucos os personagens das HQs que permitem tal adaptação, seja com atores renomados colocando cada um suas características pessoais. Tanto que Nicholson, Ledger e Phoenix vivem coringas totalmente diferentes em suas propostas, cada um com a marca do ator e em universos diferentes.
Tais interpretações deram um peso maior de uma figura grande por si só. O Coringa aprendeu a se recriar e abrir brechas para que autores e atores mostrassem suas visões sobre ele, sem tirar as principais características. Ajudou a isso a falta de amarras com uma origem canônica e obrigatória de ser seguida à risca.