Generosidade é o que marcava a personalidade de Emiliano Queiroz, segundo definiu o amigo e dramaturgo Caio Quinderé. O ator cearense nascido em Aracati morreu nessa sexta-feira, 4, aos 88 anos. Vítima de uma parada cardíaca, Emiliano marcou a dramaturgia cearense e brasileira.
“Você chegava na casa do Emiliano e ele não ligava para prêmios, não ficava se exibindo com isso. Era um franciscano que doava o ofício dele como ator, o brasileiro tem que reverenciar”, destaca Caio, curador da exposição "Emiliano Queiroz - De Aracati para o Mundo”, em exibição no Museu da Fotografia até novembro deste ano.
O contato com o teatro começou cedo, aos 6 anos, durante a década de 1950, no Colégio Dom Bosco, onde estudava durante à noite. Lá criou o Teatro de Arte de Fortaleza e pouco depois foi para o Teatro Experimental de Artes. “E aí foi um aprendizado maravilhoso, com B. de Paiva, Marcus Miranda, Waldemar Garcia, que foi um grande mestre”, disse Emiliano em entrevista ao O POVO, para as Páginas Azuis em 2007.
Em 1953, o ator soube de um teste na Ceará Rádio Clube, onde conheceu os amigos Guilherme Neto, Eduardo Campos e a locutora Neide Maia. Essa última foi quem informou que a TV Ceará, à época filiado aos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, estava em vias de ser inaugurada.
Emiliano, que a essa altura se aventurava em São Paulo, não pensou nem duas vezes ao pegar um avião para o seu amado Ceará. “Ele tinha muito orgulho de ser cearense, de ser daqui. Todos os personagens que ele fazia tinha uma raiz, uma presença do DNA de sua terra natal”, conta Caio.
O aracatiense atuou, de 1960 a 1963, participando de novelas e comerciais ao vivo. “Ele fez uma das primeiras novelas ao vivo da teledramaturgia cearense, dirigida por Guilherme Neto para a TV Ceará”, revela o curador.
“O Guilherme foi quem lançou o Emiliano como ator. Eles eram muito amigos e trabalharam em diversos projetos no Canal 2”, relembra Ricardo Guilherme, sobrinho de Guilherme Neto, historiador e um dos amigos de Emiliano Queiroz. “Nós cultivamos uma relação de amizade por causa dessa ponte e o Emiliano costumava dizer que eu era uma ponte entre o presente e o futuro", conta o teatrólogo.
Com a chegada do videotape, Emiliano volta para o Sudeste, seguindo ativo tanto no teatro quanto na televisão. “Nestas duas modalidades, digamos tipologias, ele era um ator não característico que fazia personagens maduros e galãs, tendo que conquistar um patamar físico. E era também um ator característico, ele se destaca ainda mais nesses tipos de personagem como o Dirceu Borboleta na novela ‘O Bem Amado’”, explica Ricardo Guilherme.
“Alguém que era oprimido pelo prefeito Odorico Paraguaçu e, ao mesmo tempo, alguém que brincava com sua personalidade, algo entre o feminino e o masculino. Outra figura emblemática dele foi o Juca Cipó, em ‘Os Irmãos Coragem’, da Janete Clair, que era alguém subalterno e, ao mesmo tempo, cruel. Um jagunço meio abobalhado, mas cínico”, descreve Ricardo.
Para o teatrólogo, a ambivalência presente na interpretação de Emiliano é que dava o toque principal. “Ele tinha você olhando para ele e era causada uma sensação de ambiguidade. O espectador não sabia se ele era alguém muito suscetível, vulnerável ou se era um vilão”.
Além do trabalho na televisão, Emiliano Queiroz se destacou por atuar em peças que chegaram a ser censuradas durante a ditadura militar como "Navalha na Carne", de Plínio Marcos. Ao passar por Recife durante uma turnê pelo Brasil, a montagem teve a exibição proibida.
“O arcebispo Dom Hélder Câmara foi convidado para a peça e ao chegar lá para assistir questiona o porquê de a peça ter sido censurada. E aí ele disse: ‘Se eu entrar, o público também entra'", rememora Caio Quinderé, curador da exposição em homenagem a Emiliano. “‘Depois da peça, ele escreveu em um papel de pão: ‘Essa peça vale mais 10 conferências e mil sermões’, algo assim”.
A personagem Geni foi outra figura relevante que marcou a carreira do aracatiense. “Emiliano é convidado por Chico Buarque para interpretar a prostituta na peça ‘Ópera do Malandro’, escrita por Buarque e dirigida por Luís Antônio Martinez Corrêa”, revela Caio. O cantor havia visto o ator interpretar Veludo, na peça “Navalha na Carne”.
“O Chico gostou da interpretação dele, e nos ensaios disse que havia escrito uma música para o Emiliano e ele diz que não sabe cantar, aí o Chico diz que não tinha problema. A música foi feita especialmente para a personagem dele”, descreve o curador. “Perdemos um dos maiores atores dos últimos 70 anos, ele se vai com 88 anos quase para 89, ele se vai deixando um legado, esse que amou o Ceará e levou o nome do Estado para o mundo”.
Para além do talento e dos personagens inesquecíveis, Emiliano Queiroz deixa um legado de generosidade e doação na atuação. “Eu o conheci quando ele era já o Emiliano Queiroz, ator, e eu era apenas um menino começando com 23 anos, então trabalhar com ele foi muito gratificante”, conta Caio, que conheceu Emiliano ao apresentar para o ator sua primeira obra para o teatro.
“Ele era uma pessoa muito afetuosa, principalmente ao seu passado. Tinha uma ligação extrema com a mãe dele, ele levou a mãe e ficou com ela até o fim, quando ela tinha Alzheimer. E extremamente ligado a todos, vai embora, mas sempre demonstrando um carinho muito grande por sua terra”, finaliza Ricardo Guilherme.