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No Crato, ONG B.E.A.T.O.S. resguarda cultura popular do Cariri
Vida & Arte

No Crato, ONG B.E.A.T.O.S. resguarda cultura popular do Cariri

Situada no Crato, a B.E.A.T.O.S abriga manifestações da memória da cultura do Cariri e expande articulações culturais na região
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ONG B.E.A.T.O.S está localizada no Cariri  (Foto: Lara Montezuma)
Foto: Lara Montezuma ONG B.E.A.T.O.S está localizada no Cariri

"Lugar é quando a gente atribui afeto e bem querer a um pedaço de chão", dizem as palavras que abrem as portas do local onde Tereza e José Inácio um dia firmaram raízes. A cerca de 15 minutos do centro do Crato, no bairro Zacarias Gonçalves, está a terra na qual o casal construiu família e, hoje, abriga espaço de resistência da cultura do Cariri. “É nesse alicerce, então, que construiremos, tijolo a tijolo, um lugar de reverências e vivências a uma vida plena de criatividade”, continua o dizer.

Neste ponto está instituída a sede da ONG B.E.A.T.O.S (Base Educultural de Ação e Trabalho de Organização Social), organização cultural com ações integradas voltadas aos saberes de tradição e à pesquisa. Quem nos recebe é a arte-educadora Dane de Jade, fundadora da ONG e neta dos primeiros moradores do terreno. Acompanhada por Luan, um pequeno cachorro que segue cada passo como guardião, a pesquisadora apresenta os espaços que compõem a instituição formalizada em 2008.

Ela nos guia até a primeira parada, uma casa de tapa feita por Mestre Nena que recebeu o Museu do Boi Mansinho. À frente, a imagem do boi ofertado pelo Padre Cícero ao beato José Lourenço que virou uma lenda na região - diziam que o boi era "milagreiro", como contextualiza Dane. No interior, está o "mini memorial Mansinho", composto por mais de 26 representações do animal, vindas do Amazonas, Maranhão, México e Peru.

Ali, ela explica a demanda educacional da B.E.A.T.O.S., que insere estas figuras da tradição caririense de maneira lúdica por meio de atividades como contação de histórias, agendadas até por escolas. Em sequência, seguimos para a Colina dos Sete Beatos, onde são vistas sete esculturas daqueles considerados "santos e santas do sertão", segundo texto de apresentação de Rosemberg Cariry.

Os escultores Din Alves, Gledson Cabral, José Everaldo, Petrúcio Cabral, Nael Gonzaga e Nelbo retratam Padre Ibiapina, Antônio Conselheiro, Padre Cícero, beato José Lourenço, Frei Damião, Maria de Araújo e Madrinha Dodô. A expectativa é que, para 2025, cada escultura ganhe um totem digital com as informações de cada personalidade.

Além disso, também deve ser feita outra casa, na qual a história deles serão transmitidas de maneira audiovisual. Os projetos serão executados com recursos da Lei Aldir Blanc. "A B.E.A.T.O.S tem uma preocupação com a memória dos que passaram aqui, dos nossos ancestrais. Os beatos foram responsáveis pela constituição do Nordeste brasileiro", considera.

Passando pelo Terreiro da Tradição, palco para apresentações artísticas, Dane fala que a intenção é desenvolver uma espécie de "Inhotim da cultura popular". Esta estruturação grandiosa fica ainda mais palpável quando chegamos no Museu da Tradição, o principal diferencial da ONG. Era lá onde Teresa e José Inácio moravam e, agora, estão gravados com uma fotopintura logo na entrada. Neste novo formato casa-museu, cada cômodo representa uma tradição.

A primeira é a Sala do Sagrado, onde a parede principal traz um altar composto por diferentes imagens de santos. No centro, uma peça original do acervo do "padim", e no teto, chapéus e ex-votos (objetos doados às divindades como forma de agradecimento pelas graças alcançadas), representando os romeiros da região. Ao lado, orixás e um local para amarrar pedidos em fitas. "Não importa se você vem de matriz africana ou do catolicismo popular, que foi forjado a partir do pensamento beato. Esse é um portal de cura", acrescenta.

A sequência desemboca na Sala da Oralidade, decorada com varal de cordel e apadrinhada por dois grandes poetas populares: Pedro Bandeira, considerado o "príncipe dos poetas" por Carlos Drummond de Andrade, e Bule-Bule. Fitas de cetim tradicionalmente utilizadas no reisado abrem uma porta para uma acomodação menor, onde está a Sala dos Sons. O som da Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto toma conta e, então, somos levados pelos tons do pífano e da rabeca.

Nesta atmosfera rítmica, chegamos ao quarto e último ambiente: a Sala dos Dramas. O colorido sinaliza que lá estão as performances, danças, cocos, maracatus e reisados. Saímos da casa com conhecimento de um universo único para, ainda, sermos apresentados aos acervos de Cego Aderaldo, Dona Ciça do Barro Cru e Dona Maria Cândido.

A estrutura, porém, é só o meio de transformar a realidade. O que sustenta e expande a atuação da B.E.A.T.O.S é o desenvolvimento dos projetos culturais e ambientais, desenvolvidos e experienciados no chão de terra, debaixo de árvores, em contato com a comuidade. A ONG proporciona oficinas, apresentações e formações com moradores do entorno e visitantes, a exemplo da Biblioteca Comunitária Pedro Bandeira e da Escola de Narradores.

"A intenção é ser um museu de território, ali tem uma trilha que segue até o rio. É um projeto de vida, a gente traz esse espaço de memória e de salvaguarda, uma possibilidade de transmitir conhecimento para outras pessoas que possam perceber o quanto esse acervo, nesse território do Cariri, é importante. O quanto a gente tem aqui de possibilidades de organização de uma memória que traz elementos importantes para o futuro".

ONG B.E.A.T.O.S

  • Onde: rua Cicero Alves de Souza, 182 - Zacarias Gonçalves, Crato - Ceará
  • Quando: visitações mediante agendamento
  • Mais infos.: (88) 99952.3264
  • Instagram: @ongbeatos

 

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