Baseada em história real, “O Tesouro do Cisne Negro" — uma das obras do quadrinista espanhol Paco Roca, em parceria com o diplomata e roteirista Guillermo Corral — transporta o leitor para um emocionante cenário de intrigas políticas e disputas jurídicas internacionais.
No enredo, o valor de um tesouro vai muito além do ouro e prata submersos. A história retrata uma batalha pelo direito à memória histórica e cultural, envolvendo questões que refletem dilemas contemporâneos.
Paco Roca, que em 2024 se tornou o primeiro quadrinista a ser nomeado patrono da Biblioteca Nacional da Espanha, demonstra, com esta obra, seu domínio do formato gráfico dos quadrinhos. Após o sucesso de “A Casa”, Roca se firma como uma das grandes vozes dos quadrinhos contemporâneos.
Em maio de 2007, uma empresa de caça ao tesouro norte-americana fez um anúncio que desperta interesse de todo o mundo: a descoberta do maior tesouro submarino da história. No entanto, ao contrário do que a empresa sugere, não se trata de um misterioso "Cisne Negro", nome dado a navios misteriosos naufragados com tesouros extremamente valiosos, mas, sim, de um possível galeão espanhol desaparecido há mais de um século.
A partir daí, desencadeia-se uma intensa disputa entre o governo espanhol e a empresa americana, que reivindica o tesouro como parte de seu patrimônio cultural. A partir daí, um pequeno grupo de diplomatas espanhóis é encarregado de lutar contra a poderosa empresa que conta com a influência da mídia e dos interesses comerciais, para que o tesouro seja devolvido à nação a que ele pertence por direito.
A narrativa de “O Tesouro do Cisne Negro”, baseada em acontecimentos verídicos, explora o cenário político internacional, trazendo aqui “uma trama de julgamento”. Guillermo Corral constrói um roteiro simples, mas cativante, que ganha vida com a arte de Paco, que se utiliza de uma forma quase metódica dos quadros que dão vida às histórias em quadrinhos, trazendo poucas variações das mesmas, mas fazendo com que sua arte flua de forma bastante satisfatória entre eles. Trazendo aqui seu traço característico, minimalista e expressivo.
Há uma clara inspiração nas clássicas aventuras de “Tintim”, de Hergé, em “O Tesouro do Cisne Negro”. A obra de Roca evoca o mesmo espírito de exploração e aventura que consagrou o jovem repórter Tintim, com suas viagens por terras exóticas e sua busca incessante pela verdade. Apesar de certo ar “tedioso” dentro dos longos diálogos da história, influência é perceptível na forma como o autor constrói a narrativa. E assim como Tintim, o enredo se utiliza do formato dos quadrinhos para abordar temas sérios.
O paralelo com a luta contemporânea pela recuperação de artefatos culturais roubados ao longo da história também confere à obra um aspecto particular. Assim como o tesouro do Cisne Negro é disputado entre a Espanha e a empresa norte-americana, muitos países do hemisfério sul lutam para repatriar artefatos que lhes foram tirados durante a colonização. O Brasil, por exemplo, tem um histórico de perda de relíquias culturais importantes, como as máscaras sagradas Yanomami, que estão espalhadas por coleções internacionais. Essas peças, retiradas sem a devida permissão, exemplificam a destruição e o roubo de patrimônios culturais, e “O Tesouro do Cisne Negro” levanta questões semelhantes sobre quem tem o direito de possuir e narrar a história.
Por outro lado, o governo espanhol, que na história luta ferozmente para recuperar o tesouro submerso como símbolo de seu patrimônio, ao longo de sua história colonial, retirou artefatos e riquezas de territórios na América Latina, África e Ásia, muitos dos quais ainda estão expostos em museus espanhóis. Revelando uma contradição evidente: enquanto o autor retrata o retorno do tesouro como patrimônio cultural da Espanha, o país mantém sob sua guarda bens culturais retirados de outros povos durante séculos de colonização.
Em “O Tesouro do Cisne Negro”, Paco Roca e Guillermo Corral entregam mais do que uma simples aventura de caça ao tesouro em uma obra que, ao revisitar o passado, toca em questões contemporâneas sobre justiça, memória e poder. Nos fazendo refletir sobre a importância da história e da herança cultural de cada país.
O Tesouro do Cisne Negro
Editora Devir
224 páginas
Quanto: R$ 169
Onde encontrar: devir.com.br