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Como o ensino da arte é atravessado pelo "déficit de imaginação" dos alunos?
Vida & Arte

Como o ensino da arte é atravessado pelo "déficit de imaginação" dos alunos?

Neste Dia dos Professores, o Vida&Arte promove debate com docentes sobre as intersecções entre a arte e a educação; profissionais compartilham dilemas e ferramentas que extrapolam os limites da sala de aula
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Apresentação cênica realizada por alunos durante VII Festival Alunos que Inspiram em 2023 (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Apresentação cênica realizada por alunos durante VII Festival Alunos que Inspiram em 2023

Desde 1961, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 4.024/61 instituiu o ensino de Artes na Educação Básica do Brasil. Décadas depois, a LDB 9.394/96 (1996) definiu a obrigatoriedade do "ensino de arte" em lugar de "educação artística". Já em 2016, a Lei 13.278 incluiu as artes visuais, a dança, a música e o teatro nos currículos.

Passada quase uma década após esta alteração, o cenário artístico, social e, portanto, pedagógico foram radicalmente alterados: "A pandemia, a tecnologia 5G, a Inteligência Artificial, as redes sociais que parecem seduzir mais os alunos", lista o diretor teatral Thiago Arrais. Ele é um dos entrevistados nesta reportagem especial do Vida&Arte que, neste Dia dos Professores, vai até o ambiente escolar entender como os abismos nacionais são vistos e revistos na dita melhor educação do País: a cearense.

Docente do curso de teatro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Thiago atua na transição entre Ensino Médio e Superior, como também se pôde ver sua última e jovial montagem, "Meus Três Irmãos Mortos", encenada em junho deste ano no Museu da Imagem e do Som da Capital.

Nessa interseção entre cidade, formação e resistência, o pesquisador pontua questões de ensino e aprendizagem urgentes a uma linguagem artística historicamente desvalorizada. "A realidade dos influencers, das subcelebridades virtuais e, quando muito, a dramaturgia audiovisual produzida nas plataformas de streaming parecem ser as referências predominantemente consumidas pelos alunos mesmo do curso superior de teatro", reflete.

A professora Mariana Ruggieri, que também recebe os alunos recém-saídos do Ensino Médio, desta vez nas disciplinas de Teoria da Literatura 1 e 2 do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará, corrobora a percepção de Arrais e ressalta o repertório sociocultural como um diferencial discente.

"Sinto que os estudantes, em geral, chegam com uma espécie de déficit de imaginação. Há uma constrição que parece, por um lado, produto de um sistema de ensino frequentemente utilitarista, e, por outro, algo que diz respeito a uma restrição de referências, geralmente bastante determinadas por aquilo que poderíamos chamar de estética hegemônica das redes. Os estudantes mais interessantes, frequentemente, são aqueles com experiências pregressas em espaços coletivos de cultura, como teatro popular ou capoeira", pontua.

Os sinais de uma formação básica ainda arraigada em valores e práticas tradicionalistas também se veem nas palavras da professora. "Em geral, a tendência é desejar sempre um estudo da literatura ancorada em uma espécie de cronologia histórica. Ou uma espécie de passo-a-passo para a interpretação. Então, é preciso desaprender tudo isso, vislumbrar um além do literal e do puramente referencial", avalia.

Para a docente, vem se mostrando uma saída o trabalho com a relação entre classes mais populares e de minorias étnico-raciais na história da arte, em seu caso, na literatura. "Acredito que trabalhar textos - poemas e contos, sobretudo - que exploram o fantástico e o absurdo também em sua forma (não apenas no conteúdo) sempre geram aulas interessantes, bem como quando são apontadas as complexidades estéticas de manifestações culturais supostamente mais simples, como o pixo, por exemplo", comenta.

Thiago Arraias vai nessa mesma linha de pensamento, suscitando ações comunitárias por meio dos fóruns de ensino das artes e mais escuta para professores, estudantes e servidores na tentativa de reverter um panorama com "pouca leitura e enfraquecimento de uma pedagogia intelectual entre os alunos; evasão de alunos; paralisação dos investimentos em infraestrutura, das contratações docentes e das bolsas discentes para atividades de pesquisa e extensão; baixa mobilização do movimento estudantil".

A criação estética e o pensamento e o conhecimento, na perspectiva de Arrais, têm sido preteridos em favor de uma discursividade político-ideológica que, no limite, dispensa o conhecimento artístico por si. Para o artista, tais conflitos ideológicos se colocam no sentido de um ensino mais dirigista, relacionando a Educação à produtividade, realidade que, no novo governo Lula, segundo o professor, não piorou, mas não apresentou melhoras.

Nessa perspectiva, o artista apresenta pontos necessários aos currículos. "A retomada de um ensino das artes, tanto teórico quanto prático, conteudisticamente mais exigente, que não se limite, ou seja, dirigido pelas pautas ideológicas que ciclicamente se renovam, em que pese estas devam ser respeitadas e consideradas no ambiente pedagógico. Reinvestimento massivo do poder público no fomento cultural, de forma que as atividades artísticas se renormalizem como hábito cultural entre os mais jovens", diz.

Por fim, Thiago, cujos últimos anos foram dedicados ao doutorado na Europa, traça comparativos do ensino de arte local com outros lugares do mundo. Em sua percepção, países latino-americanos como Argentina, Uruguai e México trazem garantia de escolas públicas de teatro, de caráter superior, técnico ou livre, de forma constitucional. Tais escolas, segundo ele, cumprem o papel de democratizar o ensino das artes nas regiões mais pobres e desassistidas pelo Estado.

"Em Fortaleza, as escolas de artes não se localizam na periferia. Em contrapartida, nestas regiões há equipamentos culturais, como a Rede Cuca e o Centro Cultural Bom Jardim. Mas não há neles uma formação continuada, como percebemos nas escolas públicas de artes latino-americanas e também em importantes teatros europeus, localizados nos subúrbios das grandes cidades, com atividades diversificadas, continuadas e inclusivas", conclui.

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