Formada na primeira turma do curso de licenciatura em Dança da UFC, Natalia Almada é professora da rede municipal de ensino desde 2015. Concursada, afirma que, como professora, pode adquirir a estabilidade financeira que almejava e a tranquilidade de ter a família que tem hoje (com um companheiro que também é professor).
Seu mestrado em Artes se debruçou sobre ensino e aprendizagem em Dança, temática vivida diariamente por ela em 55 minutos de aulas semanais, duração similar ao da disciplina de Ensino Religioso. "Tempo para fazer milagres", relata a docente do componente curricular obrigatório Arte, formado por Dança, Música, Teatro e Artes Visuais.
A pesquisadora docente atua nos anos finais do Ensino Fundamental (sexta, sétima, oitava e nona séries) e, embora informe que, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), cada professor deveria trabalhar com as especificidades da sua área, também confirma que ele não apenas passeia por todas as quatro linguagens como, conforme a Base Nacional Comum Curricular, também deve caminhar pelas Artes Integradas. Tudo isso em um contexto de licenciaturas, as quais não formam professores polivalentes.
Segundo o relato da professora, a carga horária para um professor com 40 horas semanais faz com que um docente de Arte atue em até 27 turmas diferentes, totalizando 965 alunos (35 alunos por turma) e que seja lotado no mínimo em duas escolas. As consequências se dão em diferentes setores e penalizam sobretudo a vida artística. "Mantenho a minha produção artística só no ambiente escolar. Chego em casa arrasada, muito cansada", confessa Natália, que faz direção de ações de Dança em um verdadeiro trabalho de curadoria para eventos e apresentações na escola, às vezes com a participação de artistas de fora da comunidade escolar.
Ao longo de oito anos, já chegou a trabalhar em três escolas, lutando para não chegar a se dividir entre quatro instituições. Natália hoje leciona em duas unidades escolares. Em uma delas, possui 22 turmas e conta com um corpo docente uníssono, formado por profissionais que não pararam sua trajetória acadêmica e têm um elevado padrão de ensino e aprendizagem, no qual constam aprovações de estudantes em olimpíadas nacionais.
Natália elogia os colegas de Educação Física que fazem valer a lei que garante a oferta da disciplina e chegam a atuar até mesmo na Educação Infantil. Ela compara com o contexto da Arte ofertada no Ensino Médio em que, com a atual Base Nacional Comum Curricular, não apenas a disciplina não está assegurada nas três séries, como é apenas um componente dentro da grande área de Linguagens. A situação legitima um dos mais clássicos cenários escolares: a complementação da carga horária de professores de Língua Portuguesa (quando não de outras disciplinas ainda mais distantes!) com a carga horária de Arte.
Coloca-se, então, as particularidades desse ensino. "A gente não dá aula somente sobre a Arte. A gente dá aula com Arte. Trata-se de um processo que convoca o corpo, sem uma hierarquização do cognitivo sobre o sensível, o sensorial. Como, então, eu ofereço um ensino de Arte que eleva a potência vital dos estudantes que passam por mim sem tempo? A Arte na escola é aquela [disciplina] que não tem como se consolidar em uma linha de produção, porque é sensível, é sinestésica, é estética, é potente, e por isso não pode estar imbricada nesse modo de operar em que se dá uma aula, depois da outra, com esse tempo tão reduzido e consequentemente com essa quantidade enorme de turmas", reflete Natália.
Diante disso, a professora reforça a necessidade de um espaço diferenciado dentro do ambiente escolar, como em um dos seus, localizado no bairro Conjunto Esperança. Natália usa uma sala com piso industrial que, em parte, impossibilita as aulas de chão, mas em que é possível desenvolver práticas sem abrir mão da presença do alunado, pois nesse ambiente não é necessário afastar as mesas e cadeiras. Do mesmo modo, Natália classifica como fundamentais proporcionar experiências que convoquem aos estudantes um estudo de si, daquilo que os constitui enquanto pessoas. "É essencial uma privacidade para o trabalho com o cuidado de não expor os estudantes, proporcionando um espaço de descoberta e de experimentações", aprofunda.
A professora diz sempre participar de editais para aprovar e receber bolsistas de residência pedagógica. Em 2023, recebeu na escola dez estudantes da graduação em Dança. Com eles, planejou ações de dança, incluindo aulas em que os licenciandos aprendem e exercitam a docência. "Chegamos a fazer uma videodança", relata. Também no ano passado, um espetáculo foi montado com o auxílio e participação efetiva de diferentes agentes da escola. Natália reforça essa democratização:
"Eu sempre gosto de envolver outras pessoas porque, ao longo do tempo, a educação em arte não foi muito efetiva para muitas. O contexto da Educação Artística, promovido pela LDB 5692/71, era sempre muito imediatista. As pessoas realizavam atividades e a Arte não era uma disciplina escolar, na época ela estava a serviço do enriquecimento de outras disciplinas ou voltada para a produção de 'enfeites' como a pintura das capas de provas, que todo mundo lembra de um dia ter pintado. A pessoa responsável pelo estudante que passa por mim vivenciou essa realidade, desse modo, o mínimo que eu devo fazer é envolvê-la nas ações que hoje desenvolvo. Da mesma forma, eu também chamo os funcionários da escola para ajudar na parte técnica da montagem cênica e para a apreciação de obras ou espetáculos produzidos nesse espaço."
A relação entre os colegas de trabalho também é destacada. Para Natália, é importante que professores e professores saibam que a arte não é um produto decorativo, mas, uma área de conhecimento como qualquer outro componente curricular obrigatório. Ela relata bastante respeito consigo: "Muita gente bem intencionada chega até mim na escola e diz para eu ir para outra área, com o objetivo de eu ter uma rotina mais tranquila, mas eu não quero sair da Arte. Eu sou apaixonada por isso. Mas é um cuidado. Eles têm muito respeito pelo meu posicionamento e pelo ensino de Arte/Dança, sempre me oferecem muito apoio", pontua.
Por fim, a docente afirma entender "dança-educação" [sic] não como duas coisas separadas, mas, como um híbrido. Ambas se fortificam na escola, a partir da criação de modos de "vida artista", no conceito de Foucault. "Consigo pensar esse híbrido e vê-lo acontecer", mas o trabalho é contínuo: "Parece que a todo momento, a gente tem que estar provando que Arte é território de pesquisa, é território de conhecimento, é território de ensino, de criação, então é cansativo. Não são só as 27 turmas que são cansativas, é todo esse contexto em que é preciso estar todo tempo batendo na mesma tecla", encerra e desabafa a artista-professora.
A experiência estética para o cotidiano
Alice Queiroz, professora da EEMTI Cônego Braga Rocha, de Ibaretama, é professora de Ensino Médio do Estado do Ceará há 7 anos. Neles, percebe nitidamente esforços e tentativas de garantir minimamente o espaço das manifestações artísticas no ambiente escolar, no entanto, também nota-se claramente as barreiras.
"Notamos isso, através da promoção de eventos e festivais que incentivam a criação artística na escola, principalmente para os estudantes. No entanto, esse aspecto é apenas um dentro do vasto campo de elementos que permeiam a Arte na escola. Observo que, no que se refere especificamente ao Ensino de Arte na Educação Pública, muito precisa ser melhorado", conta Alice.
A docente relata desconhecer ações formativas específicas para professores que atuam diretamente no ensino de Artes, o que se agravou com o cenário atual da educação brasileira: "Com a implementação da nova BNCC e do Novo Ensino Médio, o componente de Artes foi inevitavelmente afetado. Faço a leitura que o novo documento possui o discurso muito bonito e necessário sobre os principais pressupostos que envolvem as Artes, porém, com a flexibilização do currículo, também proposta pelo texto, o tempo de aula fica comprometido ou, no mínimo, dependente da proposta pedagógica das escolas". Queiroz exemplifica com uma eletiva — disciplina à escolha dos estudantes — de Teatro oferecida para as turmas. Sua oferta, porém, depende das escolhas e possibilidades de horário, as quais passam tanto pela gestão escolar quanto pelos professores, fato que atesta uma atuação algo superficial do Estado no que se refere ao ensino de Artes.
Docente do curso de Design da Universidade Federal do Ceará, Camila Barros comenta sobre a questão: "A educação, de maneira geral, tem como norte um ideal produtivista em que, para a Arte, é delegado um lugar à parte, apequenado a experimentações desprovidas de força conceitual. Esse cenário não se conecta com os contextos de existência dos alunos, apresentando a arte de modo distante, resumido - em ampla maioria - a relatos dos artistas e movimentos da História da Arte europeia, com um certo ar de "antiquarismo"". Para a artista e acadêmica, o maior desafio está em trazer a experiência estética para o cotidiano, entendendo que não há separação entre vida e arte, que os sujeitos se manifestam artisticamente, ao ser está uma capacidade humana de lidar com a realidade.
Barros destaca a existência de uma corrente de educadores que busca trazer representatividade e repertório local. Nisso, ela identifica um desejo de introjeção da arte aos saberes e espaços formativos: "Essa compreensão coloca a Arte em seu estado de potência de religação entre pessoas, nos fazendo perceber o que nos há de comum. Isso pode ser transformador em muitos sentidos sociais e políticos". No âmbito dessas possíveis saídas, Queiroz acredita igualmente na união: "É necessário um trabalho de sensibilização para o ensino de Artes que envolva toda a escola e as comunidades que a formam, um educar para o sensível, para as experiências estéticas. Para isso, torna-se fundamental garantir o tempo de aula desse componente dentro do currículo das escolas de tempo integral".
Se os desafios são grandes tais como as proporções de uma cidade e vão, segunda a professora Alice Queiroz, desde a criação de espaços adequados para a apreciação estética às tentativas de despertar para as possibilidades de um interesse além do que os estudantes já estão acostumados, a problemática é mais desafiadora quando não falamos da capital do estado: "A falta de motivação e de oportunidades (principalmente para estudantes do interior do Ceará) acaba gerando educandos sem grandes expectativas e interesses, por isso, nosso trabalho enquanto educadoras é principalmente o de sensibilizar esses sujeitos".
Em que pese as fortes culturas locais, a distância dos centros culturais e a descentralização ainda em desenvolvimento no que diz respeito a algumas experiências artísticas podem também contribuir para o alargamento de distâncias. Queiroz reitera que a formação dos professores advém de momentos de formação contínua que devem ultrapassar os espaços escolares, considerando suas afinidades, talentos e movimentos revolucionários. Tal perspectiva também é apresentada pela professora Camila Barros, para quem "proximidade entre as escolas e os espaços públicos expositivos é de suma importância para promover a interação entre os estudantes e a Arte. A prática frequente de visitas guiadas para grupos escolares a diversos museus desempenha um papel crucial na compreensão da arte como um componente fundamental na construção da identidade cultural, nos fortalece como todo, inclusive, atua na construção da cidadania".
Como exemplo bem-sucedido, Queiroz aponta o Festival Alunos Que Inspiram, promovido pela Secretaria de Estado de Educação do Ceará (Seduc) anualmente, com diversas categorias (teatro, dança, pintura, música e mais). "Como professora de Língua Portuguesa e atriz me sinto confortável, disposta e empolgada ao ofertar a eletiva de Teatro na escola que trabalho e vejo as vivências com o Teatro no ambiente escolar como fundamentais para a formação de sujeitos críticos, conscientes de seus corpos e leitores do mundo em seus sentidos mais amplos", afirma a artista que, como tantos cearenses, encontrou na licenciatura um palco de afirmação de si e transformação do mundo.
Leia mais na página 20 do primeiro caderno.