"Comida afetiva" é uma expressão que remete a pratos que possuem valor emocional para quem o consome. Esse valor é agregado de ainda mais significados quando está contextualizado em famílias de povos originários, base para o desenvolvimento da cultura alimentar de uma região maior, como no caso do Ceará.
Segundo a diretora do Mercado AlimentaCE, Marina Araújo, os cearenses, no geral, possuem forte herança afroancestral no prato de cada dia. "O Ceará é muito afrocentrado e a gente tem atualmente uma gastronomia com traços muito fortes da gastronomia afrocentrada. Feijão, macaxeira, cuscuz, as farinhas, os cafés, a maneira da produção de algumas especiarias, o modo de preparo de proteínas, como galinha cabidela, galinha caipira, tudo isso está dentro da nossa cultura e são de raízes afroancestrais", afirma.
A partir dessa perspectiva, o Mercado AlimentaCE, com apoio da Secretaria da Igualdade Racial do Ceará (Seir), criou o livro "Mistura Ancestral", que será lançado nesta sexta-feira, 18, no Centro Cultural do Cariri. A obra é resultado de uma pesquisa com dez territórios quilombolas do Ceará e reúne 31 receitas pertencentes a cada uma das comunidades.
O livro tem como intuito de evidenciar e trazer essas populações para o centro de debate, porque são gastronomias e culturas alimentares superimportantes para a formatação do nosso próprio estado", destaca Marina.
Kilvia Pereira, que pertence ao Quilombo Córrego de Ubaranas, em Aracati, conta que sua família tem uma relação muito forte com a agricultura e isso se reflete na sua relação com a comida. "Era uma vivência difícil e corrida porque meus pais eram agricultores e, às vezes, tinham de levar eu e a minha prima pequenininha para a colheita", conta.
"O carro-chefe aqui na comunidade é a agricultura. A gente planta milho, feijão, mandioca e a batata para o nosso sustento da casa assim, porque, até hoje, a gente não tem autonomia de plantar um grande hectare no terreno", explica Kilvia, que tem 37 anos e mora com o marido e seus dois filhos.
Segundo ela, fazer parte do "Mistura Quilombola" com receitas de sua família tem um importante significado. "Ele vai ser como uma homenagem para a minha avó, pois, quando a gente estava fazendo a receita, ela era citada o tempo todo", diz.
Fazem parte da obra as comunidades quilombolas: Serra do Evaristo (Baturité), Cumbe (Aracati), Sítio Veiga (Quixadá), Nazaré (Serra de Itapipoca), Alto Alegre (Horizonte), Caetanos em Capuan (Caucaia) e Comunidade do Curralinho (Morrinhos).