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Dia Nacional da Poesia: o que o gênero significa para poetas cearenses?
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Dia Nacional da Poesia: o que o gênero significa para poetas cearenses?

No Dia Nacional da Poesia, o Vida&Arte convida poetas cearenses a refletirem sobre os desafios e moldes do gênero em um mundo cada vez mais acelerado
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Poetas cearenses compartilham visões sobre poesia (Foto: reprodução/Instagram)
Foto: reprodução/Instagram Poetas cearenses compartilham visões sobre poesia

Em 2010, o poeta Antonio Cicero (1945 - 2024) publicou o texto "O Que É Poesia?" na Folha de São Paulo. Nele, Cicero discute a natureza da poesia e relembra um estudo, feito pelo escritor Edson Cruz, que levou este questionamento a 45 poetas, trabalho que resultou em um livro de opiniões variadas.

Quatorze anos depois, a pergunta segue sendo partida para a reflexão do gênero literário celebrado nesta quinta-feira, 31, o Dia Nacional da Poesia. Para a poetisa Princesa Trindade, por exemplo, há muito tempo a poesia deixou de ser sublime. Aos 22 anos, ela consegue enxergar poesia na mistura do café com leite que toma pela manhã, no ato de passar manteiga no pão, na janela do ônibus, nos rostos que surgem.

Multiartista, Trindade afirma que começou a escrever por necessidade. Filha de professora, cresceu cercada por livros, mas iniciou a escrita na adolescência como uma atividade confessional para expressar o que já não cabia dentro de si. Aos 16 anos, ao ingressar na Igreja Católica, ela se deparou com uma solidão que contrastava com os grupos de oração lotados.

A impossibilidade de se sentir plenamente acolhida na religião por ser uma mulher transsexual lhe gerava uma sensação de inexistência. Sem poder se expressar abertamente, encontrou conforto nos momentos de reflexão sobre a Bíblia. Nessas horas, a solidão se dissipava, e ela escrevia mais do que lia.

Hoje, a artista desenvolve um trabalho amplo em suas redes sociais, integrando diferentes linguagens, com um olhar poético sobre o mundo. Ela acredita que o poeta é aquele que enxerga "poesia em tudo" e a expressa. "Acho que todos temos um pouco de poeta dentro de nós, porque, para viver no mundo em que vivemos, é necessário enxergar poesia. É necessário respirar poesia, comer poesia, dormir poesia à noite", conta Trindade.

"Captar a poesia ao redor"

Já para o poeta e artista visual Yuri Marrocos, a poesia antecede o texto. Ele a define como um modo de dialogar com o mundo e acredita que o termo engloba uma série de significados. "É tudo uma questão de antena: quão boa é sua capacidade de captar a poesia que está ao nosso redor o tempo inteiro? Além dos poetas que li aos montes, devo minha identidade na escrita às novelas que assistia com minha avó, às conversas absurdas e juvenis em mesas de bar com amigos, e por aí vai. Acho a poesia pura. E ela me contempla", afirma o também dramaturgo.

As pesquisas dele exploram temas como memória, trauma e esquecimento. Em 2021, publicou o livro "Um Artista da Luz Vermelha" e escreve poemas sob o heterônimo de Jerônimo Parada. Entre as reflexões deste dia 31, Yuri observa os caminhos trilhados pelos jovens autores cearenses, que levam a poesia para as ruas e questionam conceitos.

O poeta percebe que a nova geração está, aos poucos, se desvencilhando dos antigos estereótipos da experiência literária nordestina. O estigma, no entanto, permanece e afeta, principalmente, a comercialização de livros, incentivada por livrarias, bibliotecas e editoras locais que cumprem o papel de abrir espaço para novas vozes do Ceará.

Abraçado por essas entidades literárias locais, o jovem graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) percebe um sentimento compartilhado entre colegas de estar "muito além" dessas narrativas. "Fico feliz em ver que eu e meus colegas chegamos a um ponto de não retorno em relação a essas narrativas clichês sobre nossa cultura. Se ainda há demanda por estereótipos sobre o nordestino, é porque parte do Brasil tem dificuldade em entender que o Nordeste também está no século XXI e que nossas questões existenciais já são outras", pontua Marrocos.

Gênero de resistência

É sob essa ruptura de paradigmas que a poesia cearense se consolida e abre espaços para pessoas como Eduardo Africano. Inspirado por poetas como Sérgio Vaz, Mano Brown, Sant e Emicida, o artista-educador vê a poesia como um canal que lhe permitiu ser quem é hoje.

Em outubro de 2023, publicou o livro "Eu Mermo". A narrativa se baseia nas inspirações que moldaram sua juventude, funcionando como um grito de socorro e, ao mesmo tempo, um espaço de ponderação sobre a importância de se enxergar grandioso.

Representante do movimento slam e organizador da competição "Slam Proferindo", Eduardo reconhece a poesia como um refúgio. Identificado como um gênero literário de resistência, o slam é caracterizado pela declamação de versos em espaços públicos. Com inspirações no rap e sintonizado com a vida nas periferias, o estilo deu origem a diversas batalhas de poesia falada e também atua como meio de transformação social.

Apesar do apoio oferecido por entidades públicas, como a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas), ele afirma que a cena cultural do slam em Fortaleza passa por um crescimento gradual. "Ainda há poucos espaços e pouco se fala sobre o movimento. Mas, para quem persiste, o slam tem sido uma ferramenta política de resistência. Creio que esse movimento, em si, já é um ato político", declara Africano.

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