Quando as pessoas negras escravizadas eram trazidas do continente africano para o Brasil ganhavam um novo nome. O “batismo” era uma das formas de violência e de apagamento, afinal seus nomes continham marcas do povo de onde vinham, suas tradições, marcavam sua identidade.
Esse foi um dos modos de racismo invisível praticado durante o período escravocrata que geraram questões de identidade e pertencimento ao povo preto presentes até hoje. As práticas implícitas da violência racial também são mote do monólogo “Ninguém Sabe o Meu Nome”.
Idealizada pela atriz Ana Carbatti, a montagem será apresentada de 1º a 3 de novembro e 8 a 10 do mesmo mês na Caixa Cultural Fortaleza. A produção foi criada por Ana, ainda durante a pandemia de Covid-19. “Presos em casa, eu observava meu filho de 6 anos e comecei a imaginá-lo um adolescente. E tive medo”, relembra a artista que interpretou Nanda em “Família É Tudo”.
A trama aborda o impasse de uma mãe preta ao ter que conversar sobre e o racismo com o filho. No palco, a atriz Em cena, a atriz se divide em diversas vozes e corpos para gerar reflexões sobre os comportamentos implícitos do racismo enraizados na sociedade. Além dos dilemas, impactos e possíveis propostas de reparação para essa problemática.
“Já estava muito envolvida na leitura das obras de James Baldwin e, também, me imaginava no teatro dando forma àqueles pensamentos dele. Daí, juntei as duas coisas”, completa Carbatti, cujo sobrenome artístico nasce da junção de seus dois sobrenomes de registro: Carvalho e Baptista.
Com dramaturgia de Mônica Santana, o roteiro da peça foi construído na sala de ensaio paralelamente aos ensaios das cenas. “Eu já tinha um esboço do texto quando entramos na sala de ensaio, mas a cena foi construída lado a lado com o texto. A gente ia para a cena e o que não funcionava, mudávamos no texto”, explica Ana.
“Eu, a Mônica Santana, as diretoras Inez e Isabel e a diretora de movimento Cátia Costa, juntas, fizemos um quinteto que se comunicava muito bem e muito rápido. E foi muito legal essa coisa de experimentar a cena, podendo reorganizar o texto de acordo com o que a gente entendia que funcionava”, ilustra a atriz que foi indicada ao Prêmio Shell e ao APTR pela interpretação do monólogo.
A principal preocupação de Ana ao trazer os modos invisíveis de racismo era não cair em um discurso sem significado. “Acho que o teatro é, e sempre foi, a melhor arena de debate das questões sociais, mas é entretenimento: as pessoas não querem sair de suas casas para só para tomarem puxões de orelha”.
“Escolher uma linguagem Brechtiana, um cenário simples, explorar o uso de diferentes meios de comunicação, da música, ser sucinta com as palavras e, principalmente, engajar o público na ação, foram as premissas para que esse espetáculo se comunicasse com o público e não caísse num vazio panfletário”, argumenta Carbatti.
Para ela, falar sobre racismo no Brasil, o país com a maior população negra fora da África, é fundamental. “Usar a linguagem artística para isso é juntar a fome e a vontade de comer. O universo artístico é tão rico de lugares de manifestação de pensamento. A possibilidade de misturar realidade e ficção, por exemplo, trabalhar com o imaginário coletivo, são caminhos de comunicação extremamente importantes. E o teatro é um deles”.
Além do monólogo, serão feitas atividades com o público relacionadas à obra. A começar do bate papo após a apresentação do dia 2 de novembro, com Ana Carbatti. No sábado seguinte, 9, haverá um debate com o tema “CO-VÍTIMA - uma questão de saúde pública", no qual terá uma conversa sobre os efeitos do racismo sob o ponto de vista territorial, às 16 horas.
No domingo, 3, a atriz também conduzirá a oficina “Meu corpo: ação e emoção teatral”. A formação usa experiências físicas e vivências pessoais dos participantes para a concepção da cena. A aula é destinada para jovens e adultos a partir de 17 anos, sem experiência teatral e acontece às 13 horas.
Ana Carbatti salienta a relevância da troca artística proporcionada por essas ações. “A possibilidade de conhecer profissionais de outros estados do país, é extremamente enriquecedor para o artista. No caso do nosso espetáculo, mais ainda, pois estamos tratando de uma matéria capital no Brasil. Por isso, é tão importante realizar debates que falem do fazer artístico e dos atravessamentos entre arte e realidade”.
"Ninguém Sabe Meu Nome"