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Aos 70 anos, artista primitivista cearense sonha com o reconhecimento nas artes
Vida & Arte

Aos 70 anos, artista primitivista cearense sonha com o reconhecimento nas artes

Artista primitivista Maria Augusta do Carmo Moreira quer voltar a expor os próprios trabalhos
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Fortaleza- CE, Brasil, 22-10-24: A artista plástica Maria Augusta posa com sua obra. (Foto: Lorena Louise/ Especial para O POVO) (Foto: Lorena louise/Especial para O POVO)
Foto: Lorena louise/Especial para O POVO Fortaleza- CE, Brasil, 22-10-24: A artista plástica Maria Augusta posa com sua obra. (Foto: Lorena Louise/ Especial para O POVO)

Aos sete anos, Maria Augusta do Carmo Moreira começou a pintar. Sua mente visualizava animais e ela os pintava com carvão nas paredes brancas de sua casa. Nascida e criada no bairro Pirambu, na costa leste de Fortaleza, ela logo foi descoberta pelo vizinho, o artista plástico Chico da Silva (1910 - 1985).

"Todo dia eu ficava na entrada da casa onde eu morava com minha mãe, pintando as paredes com carvão. Sempre amei passar o tempo desenhando", conta Maria Augusta. Em um desses momentos, foi notada por Chico. Ela relembra que o artista pediu permissão à mãe da criança para levá-la a sua casa e vê-la pintar.

Maria Augusta conta que ele teve um cuidado especial em tranquilizar a matriarca: "Ele explicou que poderia ficar tranquila, porque ele só queria que eu desenhasse, usufruísse da minha arte". Aquele foi o momento em que ela teve o primeiro contato com cores. Foi uma emoção, visto que, até então, os desenhos eram materializados em preto e branco.

"Ele me deu cartolinas, várias tintas e desenhou um peixe. Então, me pediu que fizesse o mesmo", diz. Como uma criança com uma mente muito fértil, foi natural pintar pela primeira vez com cores. "Foi como se as cores tivessem entrado na minha mente, antes eu só via preto e branco. Agora tinha ficado tudo colorido, com vida", relata.

Na época, Maria reproduziu o quadro com fundo forte de amarelo. Ainda neste primeiro contato, Chico ficou impressionado com o talento e a semelhança com os traços dele.

Os dois trabalham com a arte primitivista que tem como características o autodidatismo do artista, a liberdade de expressividade, ausência de aspectos acadêmicos, como composição, perspectiva e respeito às cores reais. Uma arte que vem da criatividade, de como eles enxergam o mundo.

A partir daquele momento, Maria Augusta do Carmo Moreira começou a pintar para o renomado artista. Ele alegava que, por ela ser menor de idade, não tinha permissão para assinar os trabalhos. Por isso, as obras eram reconhecidas com autoria dele. "Ele ficava me falando que eu não sabia pintar de verdade, que eu só poderia ser artista muito mais velha", rememora.

"Passava horas e mais horas na casa do Chico, pintando. Naquela época a gente não tinha muito conhecimento e, por eu ser muito nova, o contato com a tinta me deixou doente". Aos 12 anos, os efeitos colaterais das longas jornadas de trabalho trouxeram a realidade à tona. A pele já ganhava um tom amarelado, o que fez com que ela fosse levada ao hospital do exército.

Lá, quando questionada se tinha muito contato com tinta, o médico General Bezerra descobriu que ela trabalhava ao lado do pintor e pediu um quadro. Bezerra ficou tão impressionado com o talento da jovem que acabou levando a moça para contar sua história no jornal Gazeta de Notícias - antigo veículo de comunicação do Ceará. "Me pediram para pintar enquanto muitas pessoas me fotografavam e eu contava como havia começado", explica.

Quando a matéria saiu no periódico, foi uma grande felicidade para Maria e toda sua família. "Eu fiquei tão emocionada, pulava de alegria ao me ver no jornal", conta ao mencionar que foi "como ganhar um doce".

No entanto, Chico da Silva não aprovou esse movimento da jovem. Foi a público desmenti-lá e chegou até a desafiá-la para tentar provar que ela havia mentido. "Ele me chamou para um desafio que iriamos pintar ao mesmo tempo. O jornal iria registrar, mas ele não foi no dia".

Com este episódio, Maria Augusta se desvinculou do homem e passou a trabalhar sozinha. Mesmo com toda desavença, ela diz que não sente nenhum rancor do seu "instrutor". "Foi ele quem me mostrou as cores e me fez praticar o que eu amo fazer", elabora.

Com grande apoio da mãe, Maria do Carmo Pereira, a artista pôde continuar a expressar sua arte. Ela compartilha que a relação das duas sempre foi muito próxima e íntima. "Éramos nós duas para tudo. O apoio que ela me deu foi inexplicável, por ela trabalhei por muito anos com o que eu amava".

O falecimento da matriarca, quando Augusta tinha cerca de 30 anos, foi um acontecimento marcante. "Não estava preparada para dizer adeus a ela". A artista largou a produção artística e foi consumida pela depressão. "Não conseguia mais colocar na tela porque, para mim, na época, eu não via mais sentido em tudo aquilo se ela não estivesse mais comigo. Passei a viver trabalhando na casa de famílias, com o trabalho doméstico e a ajuda que essas pessoas me davam", expõe.

Foi em um desses lares que Maria Augusta conheceu Margarida Garcia, quem considera uma grande amiga. "A Dona Maria ficou muito amiga da minha já falecida avó, não quis perder esse contato e hoje a tenho na minha vida", conta Margarida.

Aos 70 anos, Maria Augusta deseja viver da arte. Encontrou na igreja a força de se reconectar com a criatividade e com o amor pela mãe. "Hoje percebo que minha mãe ficará feliz em me ver feliz, consegui superar meu pior momento com o amor que recebo de pessoas como a Margarida", diz.

Dona Maria, como é carinhosamente chamada por pessoas próximas, tem o sonho de conseguir colocar seus rascunhos em telas, assim como fez por muitos anos. "Eu peço a Deus para vencer na arte". A expectativa de voltar a trabalhar com a produção artística é o que a faz levantar todos os dias e "pensar a morte como uma viagem" tem a ajudado a seguir em frente. "Eu não perdi. Eu ganhei, eu estou com ela", finaliza Maria com os olhos marejados.

Para entrar em contato com a artista

Telefone: 85 986838004

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