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Os desafios da formação de novos restauradores no Ceará
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Os desafios da formação de novos restauradores no Ceará

Em um bate-papo com artistas em diferentes fases da vida, o Vida&Arte explora as complexidades da formação de novos restauradores no Ceará
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A conservadora e restauradora Joana Gurgel realizando um processo de restauração em seu ateliê (Foto: Acervo pessoal/ Divulgação @balaustrerestauro)
Foto: Acervo pessoal/ Divulgação @balaustrerestauro A conservadora e restauradora Joana Gurgel realizando um processo de restauração em seu ateliê

Por mais chamativa que seja com sua fachada amarela, o sobrado que abriga a Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS) às vezes passa despercebido na vida agitada dos moradores da Avenida Francisco Sá, em Jacarecanga.

Essa história foi contada por Antônio Vieira, que relata ter descoberto a instituição ao passar pela rua com aquele clássico: "Vi na rua, me chamou a atenção e entrei". Frase que se repete no relato da arquiteta e urbanista Maria Diva.

Aos 24 anos, moradora do bairro, ela conta que descobriu o trabalho da escola em um passeio fortuito em 2022. Sempre interessada na conservação do patrimônio, com foco nos estudos sobre patrimônio edificado apresentados durante a graduação, Diva encontrou na EAOTPS uma oportunidade de agregar um diferencial à sua atuação profissional.

Atualmente, ela trabalha como voluntária no Centro Popular de Documentação e Comunicação do Pirambu. Na labuta diária, sempre lidou diretamente com as telas do acervo, mas sem antes possuir conhecimentos necessários sobre os cuidados de reparação e restauração.

Após a visita à escola, ingressou no curso de restauro e conservação de telas. Hoje, após dois anos, continua realizando formações na instituição e conta que sua maior expectativa é pela nova edição do curso de restauro de pinturas parietais.

A jovem, junto aos outros 14 alunos que compõem a turma, está participando do restauro de "Jangadeiros do Ceará", do artista cratense Vicente Leite. Ela define a sensação de restaurar uma obra do artista como "indescritível".

"Esta obra do Vicente é muito complexa. São várias tonalidades de cores, então temos que misturar inúmeras cores de tinta para chegar a um resultado que usaremos apenas em um tracinho. Com isso, começamos a ter um olhar muito mais amplo do que apenas 'o que é uma obra de arte' ou como ela é feita. Entendemos o processo por trás", conta Diva.

Atualmente, a área de restauro e conservação de patrimônio é muito procurada, mas ainda há uma escassez de formação no Brasil. Para Diva, receber uma formação específica e minuciosa, além de enriquecer seu currículo, proporciona uma complementaridade à sua graduação em arquitetura e urbanismo.

"Tem sido um boom de informações em minha cabeça, mas sou muito grata por poder estar aqui e, ainda mais, por ser um aprendizado gratuito", finaliza.

Para a maioria das pessoas, entrar no mercado de restauro e conservação não compunha o projeto principal de vida. Foi o caso de Joana Gurgel, conservadora, restauradora e artista manual.

Artesã há mais de dez anos, Joana sempre gostou de brincar com folhas, objetos da casa e de inventar significados para os artefatos que via à sua frente. Foi em 2017, ao ingressar na EAOTPS, que Joana percebeu que aquele hobby era, de fato, uma aptidão. Recém-graduada em um curso tecnológico de design de interiores, ela possuía um diploma, mas pouca identificação com a área. Ao saber dos cursos oferecidos pela escola, Joana se inscreveu com o desejo ávido de fazer algo após a graduação.

Ela realizou, então, seu primeiro curso em "conservação e restauração de acervos museológicos voltados para madeira". A partir dessa tipologia, passou a explorar outras áreas dentro da instituição. Tornou-se monitora, fez todos os cursos disponíveis, atuou como professora durante a pandemia e, hoje, é uma referência como fruto de uma política pública de educação bem-sucedida. "O mais bacana é que a escola abre espaço para alunos e ex-alunos que se destacam e que têm uma vocação para atuar de alguma forma dentro de algum setor da escola",  reforça a artista.

A escola também é uma porta de entrada para o mercado de trabalho, pois está constantemente em contato com instituições e acervos privados que buscam restauração.

Foi inclusive com uma indicação da gestão da EAOTPS, aliada a recomendações positivas do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (MAUC/UFC), que Joana foi ao encontro a vaga que ocupa atualmente, como conservadora e restauradora da Fundação Edson Queiroz.

No cargo desde 2022, Joana não esconde a gratidão por cuidar do maior acervo de arte do Estado e um dos maiores do Brasil. "Hoje temos um acervo de mais de 1.300 obras catalogadas, obras importantíssimas e uma coleção de destaque do movimento modernista. Então, é um privilégio poder ser a pessoa responsável pelo cuidado diário, pela conservação preventiva e por gestionar todos os trâmites de movimentação de obras, empréstimos e exposições", relata a conservadora. No contraturno, a artista realiza atendimentos privados por meio de sua empresa Balaustre Restauro, que já conta com mais de seis anos no mercado.

Ao trabalhar com uma coleção tão vasta e, após quase 10 anos enfrentando desafios diversos em processos de restauração, Joana sempre alerta sobre a importância do cuidado preventivo com a arte. "Atualmente, as instituições e os próprios detentores de coleções privadas estão se conscientizando mais sobre a conservação de seus acervos, sobre a importância da conservação preventiva para evitar o restauro", explica.

Com isso, a demanda por profissionais na área vem crescendo e abrindo espaço para novos interessados. Surge, então, a reflexão sobre a mão de obra especializada no Estado. Para além dos cursos livres oferecidos pela EAOTPS, o Ceará ainda não possui nenhum curso de graduação ou pós-graduação em conservação e restauro.

"A escola tem sido responsável por fomentar essa consciência sobre o patrimônio histórico e por preparar diversos profissionais que estão hoje no mercado. Mas o curso com 100 horas-aula norteará o aluno, que precisará caminhar bastante por conta própria para desenvolver uma fundamentação teórica que assegure seu trabalho e que visa equivalência com uma graduação. Então, além do belo trabalho que a EAOTPS vem realizando, precisamos discutir formações acadêmicas mais extensas que formem mão de obra especializada no estado do Ceará", enfatiza a restauradora.

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