Quando Jader Figueiredo teve a primeira experiência com um debate competitivo, ficou encantado. “Vi que aquilo trazia muitos benefícios para mim”, recorda. Desde melhora de falas em público a engrandecimento pessoal, as consequências foram visíveis em sua rotina. Jader não é o único com esse sentimento.
Cada vez mais disseminada pelo Brasil, a prática de debates competitivos encontra em instituições de ensino - sejam escolas ou universidades - público fiel. O movimento visa estimular pensamento crítico, desenvolver habilidades de oratória, aprofundar conhecimentos sobre variados temas e trabalho em equipe.
Em Fortaleza, é realizado de quinta-feira, 21, a domingo, 24, o Torneio Nacional de Debates (TND). Organizado pela Sociedade de Debates da Universidade Federal do Ceará (SdDUFC) e pela Confederação de Debates do Brasil (Condeb), o evento reúne debatedores e ouvintes na faculdade Estácio, no Centro, e na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) nas semifinais e finais.
São esperados entre 150 e 250 participantes nesta edição. A dinâmica segue o modelo do Parlamento Britânico, no qual quatro duplas discutem uma questão específica e se dividem entre defesa e oposição ao tema - posições sorteadas antes do debate. De forma geral, os temas dos debates envolvem política, relações internacionais, cultura pop e dilemas filosóficos.
A prática de debates competitivos é antiga, como afirma Jader Figueiredo, mestre e graduado em Direito pela UFC. Vencedor do I Campeonato Brasileiro de Debates, organizado pelo Instituto Brasileiro de Debates (IBD), ele é membro emérito da SdDUFC e atualmente é coordenador do Curso de Direito da Estácio no Ceará.
“Há algumas sociedades de debates vinculadas a universidades, como a Sociedade de Debates de Oxford, que são multicentenárias, algumas até mais velhas que o nosso próprio País. Essa prática de debates competitivos permeia muito o âmbito acadêmico não só no ensino superior, mas também no ensino médio e básico”, contextualiza. Ele cita filmes como “O Grande Desafio” e “Doce Argumento” como obras que retratam debates em instituições de ensino.
No Brasil, a criação do movimento de debates está atrelada ao Ceará, a partir da Sociedade de Debates da UFC. O projeto foi fundado por estudantes da Faculdade de Direito em 2010 e foi pioneiro ao trazer os debates universitários para o País. É seguido o modelo inglês, que não permite discursos escritos por seus membros.
Os debatedores falam de maneira improvisada na competição e utilizam apenas pequenas notas escritas por eles durante o debate e o período de preparação, que dura 15 minutos. Cinco vezes campeã nacional, a SdDUFC hoje age em diversos cursos e universidades do Estado por meio de Módulos de Oratória, além de ajudar a fundar sociedades de debates em colégios.
Jader relata que teve crescimento pessoal e engrandecimento profissional ao participar de debates competitivos. Ele lembra que na final em que foi campeão o tema foi a descriminalização do aborto. Seu colega de dupla era contra, enquanto Jader era a favor de não ser crime. Ambos, porém, ficaram em posições opostas, então tiveram que debater a favor de posições que originalmente eram contra.
“Tiramos as duas maiores notas do torneio, defendendo, até então, algo que não concordávamos, que tínhamos posições opostas. Isso mostra a importância de saber debater. Muito mais do que tentar convencer as pessoas de ideias com as quais você não concorda é saber enxergar o outro lado e ver por uma perspectiva diferente”, enfatiza.
Os debates competitivos atraem públicos diversos, desde quem deseja enfrentar a insegurança de falar em público a quem tem a intenção de “sentir mais liberdade em improvisar e se expressar de forma mais fluida, mesmo sem preparo prévio”. O segundo caso se aplicou a Pedro José, que há sete anos está nesse circuito.
Em 2018, foi Campeão Fluminense de Debates e depois Presidente da Sociedade de Debates da UFRJ - universidade pela qual se graduou em Relações Internacionais. Fundador e diretor de comunicação da Confederação de Debates do Brasil (Condeb), ele competiu em 2018 no WUDC, torneio mais importante do mundo.
“A Condeb surgiu da soma das boas intenções de muitas pessoas diferentes, de diferentes estados e gerações. Percebi que tínhamos o diagnóstico comum sobre o potencial dessas instituições dispersas pelo país e sobre como esse potencial só seria realizado com um ambiente competitivo nacional integrado, mas saudável e cooperativo”, explica.
Hoje, a Condeb tem 13 sociedades afiliadas de diferentes partes do Brasil. Criada em 2024, a confederação já realizou campeonato presencial no Rio de Janeiro e competições virtuais para novos debatedores, bem como traduziu o manual de debates do campeonato mundial. Nas competições da Condeb é utilizado o Modelo do Parlamento Britânico e são priorizadas a construção argumentativa e capacidade de análise.
Pedro José analisa que os discursos estão mais acalorados, e reforça que para haver um debate é preciso traçar um objetivo comum. Entretanto, há dificuldade de “nos entendermos como coletividade”, pois as pessoas “vivem orientadas pela produtividade individual”.
“Esse excesso de foco no ‘eu’ fragiliza a construção de vínculos coletivos e cria um ambiente onde o outro, com suas diferenças, é visto como uma ameaça ou culpado pelas minhas frustrações. Não somos a medida da realidade. Reconhecer as necessidades e desejos do outro como tão válidos quanto os meus e parte do mesmo contexto é o primeiro passo para entender os problemas reais, que sempre são coletivos. Não existe debate propositivo sem alteridade ou compreensão”, defende.
A “alteridade”, por sinal, é pontuada por Julia Ribeiro, membro emérita e ex-presidente da SdDUFC. Ela conheceu a Sociedade de Debates no primeiro semestre da sua graduação em Direito e logo de cara ficou “encantada”. Para ela, um dos destaques da dinâmica dos debates é que não necessariamente os participantes defendem posições pessoais.
“É um exercício de alteridade, em certa medida, você se colocar no local de outra pessoa e ter que defender uma posição a partir de argumentos racionais. Você se obriga a entender a lógica até de temas com os quais você não concorda em um primeiro momento”, avalia.
Assim, percebe que isso ajuda o debatedor a revisar posições pessoais ou mesmo enfatizá-las, mas sempre em um debate sério. Julia foi campeã nacional de debates em 2021 no Torneio Open Brasil ao lado de Vinícius Franco - a competição reuniu cerca de 200 participantes.
Na época em que entrou na SdDUFC, no começo de 2019, Julia relata que o movimento de debates ainda era “muito masculino”, mas hoje o cenário é mais diverso. “Acho que a questão da presença feminina foi se alterando com o tempo. Para você ter noção, até 2018, de cinco campeonatos brasileiros disputados até então só havia uma dupla com mulher”, relembra.
“Hoje, se você for olhar para as pessoas que debatem dessa geração e que têm mais destaque, quase todas são mulheres. Fico muito feliz de termos conseguido isso, mas acho que isso se diversificou não só ao nível de gênero”, reflete. Assim, os trabalhos das sociedades se expandiram, bem como as abordagens temáticas.
Com a pandemia, mais debates on-line passaram a ser realizados, o que aumentou o número de “encontros” competitivos. Há também mais integrantes de outros cursos, extrapolando a esfera do direito. Julia participará do Torneio Nacional de Debates como Chefe de Adjudicação (uma das pessoas que elabora as moções a serem discutidas).
“O debate nos ajuda bastante a ter uma posição crítica, cidadã e democrático. Por isso também acho que é importante trabalhar om escolas, porque o debate não é um fim em si, ele é um meio para nos tornarmos nossa melhor versão. Não discutimos só para ganhar ou para sermos campeões nacionais. Debatemos para sermos pessoas mais críticas, informadas e honestas”, enfatiza.
O surgimento de Sociedades de Debates espalhadas pelo Brasil, a exemplo da SdDUFC, inspirou a criação da Sociedade de Debates da Universidade de Fortaleza (Unifor) em 2018. Os estudantes quiseram levar à instituição uma “organização que buscasse fomentar importantes discussões da atualidade, embate de ideias, desenvolvimento de habilidades como oratória e argumentação em um ambiente saudável e inclusivo”.
A visão é compartilhada por Arthur Montenegro, presidente da SdD Unifor. Ele ingressou no mundo dos debates em 2022, ainda no primeiro semestre de graduação, a partir da vontade de “superar dificuldades de comunicação, oratória e timidez”. As experiências trouxeram conhecimento e desenvolvimento pessoal em sua vida.
Como presidente, Arthur é responsável por gerir e representar a organização, coordenar diretorias e membros e auxiliar diretores. A SdD Unifor realiza treinos de debates semanalmente, às 15 horas de terças e sextas, no Bloco K da Unifor. Além disso, promove eventos a cada semestre em parceria com o Centro de Ciências Jurídicas, como palestras de professores renomados e debates sobre temas em relevância na atualidade. A sociedade participará do I Torneio Nacional de Debates.
“Por meio dos debates, é possível superar dificuldades como timidez, medo de falar em público e falta de confiança e desenvolver habilidades como oratória, retórica e argumentação que são importantíssimas, seja no âmbito pessoal ou profissional”, destaca Arthur.
Outra Sociedade de Debates cearense é a do Centro Universitário 7 de Setembro (Uni7). Presidida por Israel Maciel, a Sociedade foi fundada em 2017 e surgiu inicialmente como um clube de oratória. Na sua função, tem como uma das atribuições a expansão da cultura de debates.
A SDDUni7 realiza treinamentos para argumentação e oratória dos participantes, servindo também como preparação para debates competitivos. Entre os benefícios dos debates estão a possibilidade de melhorar pensamento crítico e analítico, estabelecer redes de contatos valiosa, desenvolver habilidades como liderança e trabalho em equipe e consolidar a capacidade de resolução de problemas.
“Essa experiência se tornou fundamental para o meu desenvolvimento em comunicação e liderança. Estou em busca de aprendizado contínuo e do desenvolvimento de uma carreira na área jurídica”, afirma Israel.
Debates do Povo
A prática de debates também é estimulada no O POVO. Há mais de 40 anos, o grupo de comunicação mantém no ar o programa Debates do Povo, hoje veiculado na Rádio O POVO CBN. Se na época a mesa de debate era formada pelos jornalistas Themístocles de Castro e Silva, Francisco Auto Filho e Adísia Sá, com mediação do escritor Carlos D’Alge, hoje quem está à frente da atração é o jornalista Henrique Araújo.
De segunda a sexta-feira, às 16 horas, fatos relevantes são debatidos por diversas visões. A cada edição participam três debatedores selecionados pela qualidade e representatividade - além da dimensão da “performance”, no sentido de que não basta “apenas” saber o conteúdo, é preciso saber expressá-lo também.
Acima de tudo, convidados que tenham “apreço pelo confronto e pelo contraste de ideias”, mas não de forma “tensa”, “desrespeitosa” ou “virulenta” de desqualificação dos adversários. “Tentamos costurar um entendimento, extrair dessa fricção de ideias algo que não seja meramente o embate, o confronto de pontos de vista que se encerra em si e não produz nada nem traz nada de enriquecedor para a audiência”, afirma Henrique Araújo.
Os temas variam, mas costumam seguir assuntos que estão em alta na sociedade, como as discussões sobre o fim da escala de trabalho 6x1. “Acho que o desafio, muitas vezes, é conseguir encontrar pessoas dispostas a fazer esse tipo de troca, porque debater é um diálogo. Se eu aceito debater com alguém, parto do princípio de que a pessoa está em linha de conversa comigo. Essa é a relação que se estabelece entre membros de qualquer mesa ao se participar de um debate”, avalia.
Ele acrescenta: “A grande dificuldade hoje é , de fato, encontrar pessoas abertas a defenderem seus pontos de vista de uma maneira amistosa, sem neutralizar o outro e sem o invisibilizar, porque o que temos visto nas redes sociais é o apagamento e o não reconhecimento do outro”.
Assim, o jornalista defende a importância dos debates: “São momentos de troca e riqueza. Mesmo quando há muito enfrentamento, acho que as pessoas conseguem, pelo contraste do ponto de vista, extrair um tipo de ganho. É possível fazer debates respeitosos e que sejam proveitosos para todos os lados”.
I Torneio Nacional de Debates
Quando: quinta-feira, 21, a domingo, 24 de novembro, a partir das 17 horas
Onde: Estácio Centro (Av. Duque de Caxias, 101 - Centro) e Alece (Av. Des. Moreira, 2807 - Dionísio Torres)
Quanto: R$ 130 (debatedores) e R$ 30 (ouvintes); entrada gratuita no dia 24, na Alece
Onde se inscrever: msha.ke/sdd.ufc
Acompanhe os trabalhos
Instagram: @sdd.ufc, @sdd.unifor, @sdduni7 e @condeb.debates