O POVO: Eunice está vivendo uma grande ameaça, rodeada de medo e tensões, mas ela nunca explode…
Fernanda Torres: A gente tinha um pacto de ser fiel a ela. E essa foi a maneira como a Eunice se portou na vida. Ela achava que se vitimizar era uma maneira da ditadura vencer sobre ela. Então ela fez uma resistência através da gentileza, do sorriso, da persuasão, e nunca chorou em público. Nem diante dos filhos ela chorou. Então a gente não podia fazer um melodrama. O Walter cortou as cenas que eu chorava.
OP: Então você chegou a gravar cenas mais efusivas?
Fernanda: Tinham duas cenas em que eu chorava e foram cortadas. E a contenção foi algo que veio dela. Ela não podia se sentar na calçada e chorar. É um personagem trágico que vai em frente. Já que ela não estoura, o público fica do lado dela. O público chora por ela. O público tem uma emoção pelo fato dela não externar aquilo. Isso é um dos mistérios do filme.
OP: O filme cria uma sinergia com a maneira em que a Eunice percebe a realidade, criando expectativas sem qualquer garantia de resposta. Será que ele vai voltar? Ainda há mesmo alguma esperança? Isso sobrevoa.
Fernanda: Isso é lindo porque tudo o que o espectador sabe é o que a Eunice sabia. Quando eu assisti ao filme eu fiquei preocupada porque o Walter tinha cortado todas as informações históricas que costumam ter em filmes sobre a ditadura. E eu me perguntava se o público iria entender. Na primeira vez que eu vi eu comecei a chorar quando ela volta da prisão. Mas será que o público estava entendendo essas cartas e acontecimentos? E o público entende. E o choque é esse. O cara vai embora e vai voltar à noite. O público fica com ela. Quando ela entra no DOI-CODI, não tem cena de tortura. Tudo o que o público vê é o que ela ouve. O público só vê por ela. Isso tira do filme essa coisa de "contar fatos". O filme só conta sensações e nisso ele é muito forte.
OP: Vivendo essa grande oportunidade de exibir o filme ao redor do mundo, você está sentindo isso também de públicos estrangeiros?
Fernanda: O Walter fez um filme que não parece ficção. Você tem a sensação de estar naquela casa. Existem convenções da ficção, de como gritar, como representar, como chorar, como mostrar os anos 1970. Aqui são anos 1970 que não parecem anos 1970. Parece gente normal, aquela casa tem cheiro de alho, não é anos 1970 de capa de revista de moda. As pessoas aqui fora também sentem o impacto. Pelo grau de honestidade do filme.
OP: Imagino que você esteja num mergulho muito intenso na campanha pelas premiações. Como está essa rotina?
Fernanda: Eu entreguei minha vida para o filme até março. Tivemos Veneza, Toronto, Nova Iorque, Londres, São Paulo, Rio de Janeiro... Eu fiquei só três dias no Rio. Peguei um avião e agora vou ficar 25 dias em Los Angeles, fiz algumas sessões aqui. Essa semana é de matar. Amanhã tem três eventos, é todo dia. É um trabalho de tentar fazer o filme ser visto porque ele não estreou aqui ainda. Ele precisa ser visto pela Academia, pelo Globo de Ouro. Agora é um trabalho político de fazer o filme ser visto.
OP: Você falou em outras entrevistas a sua percepção sobre o Oscar, de que ele não é tudo. Lembra as falas que você fez quando sua mãe foi indicada, em 1999, de que ele significa algo grande, mas que não significa tudo…
Fernanda: O Oscar é muito importante. Temos que falar isso também porque senão parece um desmerecimento. Eu acho que uma primeira curiosidade do filme veio com essa possibilidade, e agora o filme no Brasil atingiu uma outra coisa que é o próprio filme. Eu sinto que as pessoas pararam de perguntar tanto do Oscar e passaram a falar do filme. Estamos trabalhando para isso.