Há 141 anos, naquele longínquo novembro, nascia João Pernambuco (1883-1947). O marco fica para a história da música nacional como o nascimento de um revolucionário da música brasileira, aquele que foi o primeiro compositor a escrever para violão no Brasil.
Para reverenciar esse importante legado do País, a mineira Glaucia Nasser dá voz, movimento e vida ao projeto audiovisual "João Pernambuco - Coração do Violão", gravado no Teatro de Santa Isabel, em Recife, em maio deste ano. O show mergulha em belas e marcantes canções compostas por ele, que ganham versos na voz da cantora, além de trazer sucessos de outros importantes nomes da música relacionados do País.
A homenagem contará com um grande lançamento nesta sexta-feira, 22, em frente ao Paço do Frevo, museu localizado na capital pernambucana, reunindo apresentações culturais os tradicionais Bloco da Saudade, Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco, e a Orquestra de Frevo do Maestro Oseás. Para completar a festa, o evento terá a primeira aparição do boneco gigante de João Pernambuco, feito pelo bonequeiro de Olinda, mestre Camarão, sob encomenda de Glaucia.
Um pocket-show do projeto com a apresentação de Glaucia também acontecerá em frente ao museu. Além da voz da mineira, o público será embalado pelo talento de Paulo Dafilin no violão, Cezzinha na sanfona e Ludinho no sopro. Iluminando o evento, trechos do projeto serão exibidos em um grande telão.
Em entrevista ao Vida&Arte, Glaucia Nasser compartilha: "Estou muito ansiosa para ver a Orquestra chegando com o boneco, o Bloco da Saudade cantando Luar do Sertão conosco; mostrar tudo o que foi feito. Dá uma vontade de já estar lá, vendo tudo acontecer, porque no fundo, por mais que esteja cantando as músicas de João, me sinto parte (disso) e vejo que ele se tornou protagonista de tudo, o que me traz uma alegria profunda".
A celebração não encerra apenas na noite desta sexta, em 2025, ano que marcará os 142 anos, ainda terá uma continuação. No dia 6 de abril, Glaucia Nasser levará o projeto ao palco do Theatro Municipal de São Paulo. O espaço é especial na trajetória do cancioneiro: há mais de um século atrás, convidado por Afonso Arinos, o nordestino se apresentou no equipamento cultural.
Aqueles que não conseguirem acompanhar as apresentações ao vivo, ainda poderão assistir ao espetáculo "João Pernambuco - Coração de Violão", que estará disponível gratuitamente para espectadores no YouTube.
Conheça o projeto
A pesquisa de Glaucia Nasser merece uma atenção à parte. Com forte interesse em estudar sobre as raízes da música brasileira, recebeu uma ligação do biógrafo de João Pernambuco, José Leal, convidando para cantar algumas das letras que ele havia escrito para músicas do artista.
Falecido em 2023, Leal escreveu dois livros sobre a trajetória de João, sendo um deles "Raízes e Frutos da Arte de João Pernambuco: Uma Infinita Viagem" (2023), e tinha um desejo: que a obra e vida do violonista não ficasse apenas em um livro. "A família de João Pernambuco já tinha autorizado ele a colocar letras nas canções do artista. Então, ele me perguntou se eu poderia cantar uma das músicas, que era 'Sons de Carrilhões'". relembra.
A ideia atraiu a atenção da mineira, pois seria uma oportunidade de mergulhar no sertão pernambucano e conhecer mais uma raiz da música brasileira. Conversando com os integrantes da Fundação Brasil Meu Amor, da qual é co-fundadora, perceberam que era um projeto que poderiam ir além de uma única música.
O papo com o biógrafo continuou, descobrindo mais letras, assim como novas foram criadas pelo diretor musical e arranjador do trabalho, Paulo Dafilin, em parceria com Graúna, e outras que já tinham letras foram estudadas. Esses movimentos marcaram o início, mas o projeto ainda se aprofundaria mais.
"(Decidimos que) vamos conhecer a história de João, mas viver essa história (também), ir no lugar onde ele nasceu, as influências que ele teve para ele ser o que se tornou. Porque ele era um menino que nunca escreveu ou leu, era um ferreiro de profissão e que aprendeu a tocar violão, como ele dizia, com os mestres ali", explica.
Toda a viagem à região que hoje é conhecida como Petrolândia foi registrada, virando uma série documental publicada no YouTube. Nela, a equipe envolvida mostra a gastronomia local, atividades típicas da região, expressões culturais. "Fizemos uma imersão de 8 a 10 dias no sertão conhecendo o João e suas raízes", elabora.
Glaucia transformou o projeto em um EP, no qual a mineira canta músicas do violonista. Em seguida, veio o espetáculo gravado, lançado nesta sexta-feira. No show, não apenas João Pernambuco é parte do repertório, mas outros grandes nomes da música brasileira, como Luiz Gonzaga, Alceu Valença e Pixinguinha fecham o setlist.
"Para mim, João foi um presente, porque tive que estudar muito para poder cantar suas composições", sustenta.
Quem foi João Pernambuco
Antes da cidade Petrolândia, em Pernambuco, ser batizada com este nome, aquela região era conhecida como Bebedouro de Jatabá. O curioso nome era, de acordo com a biblioteca do Instituto Brasileiro de Geografia e Estástica (IBGE), por ser uma região onde existiam frondosos jatobazeiros e pela presença constante de rebanhos que cruzavam o território rumo a outros estados, como Bahia, mas paravam ali para beber água nas margens do rio
São Francisco.
Este mesmo lugar foi o berço de João Teixeira Guimarães, o João Pernambuco, em 1883. Jovem, se mudou para Recife, capital do estado, onde aprimorou sua técnica com violão, algo que aprendeu com os mestres no sertão. Em 1904, porém, a terra materna recebeu sua despedida, pois o músico migrou para o Rio de Janeiro aos 21 anos. Agora em uma nova região, começou suas primeiras composições.
O jornalista e crítico musical Mauro Ferreira, em um texto robusto sobre o projeto "João Pernambuco - Coração do Violão", afirmou: "João Pernambuco foi muito mais do que o criador da melodia do hino caipira "Luar do sertão" (1910) em feito omitido pelo parceiro letrista do compositor no tema, Catulo da Paixão Cearense (1863 - 1946), mas afiançado e creditado por historiadores e pesquisadores da música brasileira".
O comunicador define que o pernambucano "um ás do instrumento", completando: "Construiu obra modernista que, mesmo com o compositor trazendo o sertão dentro dele com toda a bagagem sonora do agreste pernambucano, sobre transitar por gêneros como choro, maxixe e valsa (herança da cultura musical europeia)".
Glaucia Nasser, a artista por trás desse movimento de jogar mais luz sobre a trajetória que foi esse músico, define ele como um "presente", dessa vez para o Brasil, por um segundo motivo. "Um menino que veio lá do sertão, analfabeto,
(com esse) tamanho de genialidade, representa o tamanho da genialidade do povo brasileira", arremata.
Estreia "João Pernambuco - Coração do Violão"
Quando: sexta-feira, 22 de novembro, a partir das 19h30
Onde: Em frente ao Paço do Frevo, na Praça do Arsenal (rua da Guia, s.n - Recife)
Gratuito
Lançamento do espetáculo "João Pernambuco - Coração do Violão" no YouTube: 22 de novembro
O Poeta e a Poesia
A música popular brasileira tem em suas raízes expoentes como Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Pixinguinha, Donga e João Pernambuco. João é talvez a raiz mais profícua das que citei, isso por que ele nos trouxe a linhagem direta do moderno violão brasileiro. A nossa música popular não seria a mesma sem a existência de João Teixeira Guimarães. Ele é o que Robert Johnson foi para o blues ou o que Django Reinhardt foi para o jazz francês. Pernambuco é celebrado por outras lendas da música brasileira como o maestro Heitor Villa-Lobos. Afirmava Villa que: Bach assinaria, sem pestanejar, os estudos de João Pernambuco. Pois bem, hoje no Recife, João será homenageado com um show da cantora mineira Glaucia Nasser.
Glaucia é herdeira da fina linhagem de cantoras brasileiras. E não estou falando de cantoras nascidas na terra do pau-brasil, falo do tipo, da forma de canto, que caracteriza nossas grandes intérpretes sem os halterofilismos vocais das cantoras norte-americanas. Glaucia, mais do que possuir uma técnica refinada com divisões perfeitas, possui aquele arabesco nos finais das frases. Com ela, o show acaba sendo duplo: o repertório espetacular de um lendário compositor com a voz e a presença de uma estrela única, inédita e surpreendente.
Gláucia Nasser tem uma carreira de 20 anos e faz parte de uma safra especial de cantoras que primam pela qualidade de um bom repertório e, se o autor de Ontem ao Luar, é considerado o "poeta do violão", Glaucia Nasser é o mais belo verso dessa poesia.
Texto de Cliff Villar, jornalista e diretor corporativo do O POVO