Para quem não viveu a década de 1990, mensurar o impacto da perda de um símbolo de idolatria nacional não é tarefa das mais simples. A assimilação de sua relevância se dá por documentos e gravações, sim, mas principalmente pelos relatos de terceiros, que atestam às próximas gerações quão grandioso foi o ícone.
Com Ayrton Senna é assim. Trinta anos após sua morte, seu legado segue exaltado não só porque quem acompanhava seus feitos nas manhãs de domingo, mas por admiradores que surgiram ao longo do caminho. Eles ouviram histórias de suas façanhas, o simbolismo do Tema da Vitória e como o piloto foi importante para inflamar o orgulho de ser brasileiro — um nacionalismo não artificial.
Mais uma vez, o audiovisual tenta contar sua trajetória — desta vez não como documentário, mas uma obra de ficção. Está disponível na Netflix a minissérie “Senna”. Ao longo de seis episódios, ela “dirige pelas pistas” de superação, desencontros, alegrias e tristezas de Ayrton, desbravando sua personalidade e suas relações pessoais.
Dirigida por Vicente Amorim e Júlia Rezende, a produção foi um dos maiores investimentos da plataforma de streaming para 2024, com filmagens no Brasil, Argentina, Uruguai e Irlanda do Norte, elenco com atores de diferentes países, recriação de autódromos emblemáticos, réplicas de carros e uso potente de efeitos visuais.
Considerado um dos maiores pilotos de Fórmula 1 de todos os tempos, Ayrton Senna é interpretado por Gabriel Leone (“Dom” e “Eduardo e Mônica”). Ele tem sua vida revisitada a partir de seu início no automobilismo, mas também de quem fez parte de sua trajetória. Personagens importantes da vida do piloto também são representados.
Nomes como Alain Prost (Matt Mella), Galvão Bueno (Gabriel Louchard) e Xuxa (Pâmela Tomé) são incorporados à trama. A história parte do início da carreira automobilística de Senna. O espectador é conduzido da passagem pelo kart à sua mudança para a Inglaterra para competir na Fórmula Ford, e segue até o trágico acidente em Ímola, na Itália, durante o Grande Prêmio de San Marino, em 1994.
O lançamento da minissérie ocorreu em São Paulo (SP) na última terça-feira, 26. O Vida&Arte participou da première a convite da Netflix. Na ocasião, foram exibidos os dois primeiros episódios. A produção se destaca não só pela atmosfera nostálgica de décadas atrás ou pelos efeitos gráficos das corridas, mas pela imersão a partir do som. A obra promete emocionar o público, independentemente do grau de admiração pelo piloto.
No palco do Auditório Ibirapuera, Gabriel Leone destacou a importância da série: “A gente tem a possibilidade de contar uma vez mais a história do Ayrton, só que mais próximo dele. Acima de tudo, mostrar o homem por trás do piloto”.
Na première, alguns atores de “Senna” conversaram com o Vida&Arte. Eles destacaram seus papéis na trama e a relevância de Ayrton Senna enquanto um “herói nacional”. Hugo Bonemer, que dá vida a Nelson Piquet, pontua que sua preparação para viver o ex-automobilista e tricampeão mundial começou anos antes.
“Em 2018, contamos a história de Ayrton Senna em um musical no teatro. Eu interpretava Senna. Quando fui chamado para fazer o Nelson Piquet tive a sensação de um privilégio raro como ator: contar a mesma história por outro ponto de vista”, introduz.
Ele explica: “Por mais que eu tenha um tempo de tela reduzido na série em termos de poder contar mais sobre o Piquet, a cena que mostramos no quinto episódio é exatamente a que eu fazia no teatro, só que por outro ponto de vista. Isso é muito legal. Sinto que já vinha me preparando para fazer o Piquet enquanto estudava a vida do Ayrton Senna”.
O alemão Johannes Heinrichs deu vida ao tricampeão austríaco Niki Lauda: “Foi uma honra. Sou muito grato por interpretá-lo e participar desta série. Assisti a muitas entrevistas dele, e acho que um dos pontos principais é que eu o conhecia muito bem. Ele fez parte da equipe de transmissão da Fórmula 1 para a televisão na Alemanha e eu o via a cada dois fins de semana, porque sou muito fã de Fórmula 1”.
A atriz Alice Wegmann interpreta Lilian, a primeira esposa de Ayrton Senna: “A série já começou emocionante para mim desde o início. Estamos falando de um herói nacional, que representou muito e ainda hoje representa, com todos os legados que ele deixou. A história toda dele nos inspira e segue inspirando gerações. Construir essa personagem foi muito em cima desse olhar para o Senna, como ele era um cara admirável, com seu caráter, integridade e dedicação par o trabalho”.
Ela acrescenta: “A Lilian tem essa questão de dar muita força a ele, de incentivá-lo . No primeiro momento que ele vai para a Fórmula Ford e tenta a carreira na Inglaterra. Eles eram amigos desde pequenos, então ela conhece sua essência desde lá atrás, quando ele ainda não era o Ayrton Senna. Acho isso lindo”.
Outra companheira que teve grande relevância para Ayrton Senna foi a apresentadora e ex-modelo Adriane Galisteu, interpretada na série por Julia Foti. A atriz relata ter dado o seu melhor e que, além de ter traços parecidos fisicamente, também “traz semelhanças” de histórias de vida com Adriane.
“É uma honra muito grande poder fazer parte disso, mergulhar nesse universo e mostrar para o Brasil que a Adriane Galisteu existe — de uma maneira talvez reduzida do que merecia, mas existe”, declara. A fala de Foti está relacionada ao fato de sua personagem aparecer apenas por um breve momento na série — ainda que Galisteu fosse namorada de Ayrton quando ele sofreu o acidente fatal.
Acontece que a família de Senna não aprovava o relacionamento com a modelo. Viviane, irmã de Ayrton, já chegou a dizer que ela enriqueceu “às custas do irmão” e explorou sua memória em benefício próprio, como no livro “Caminho das Borboletas”. Além disso, no funeral do piloto, Adriane foi boicotada pela família Senna, sendo colocada em um ônibus enquanto outros presentes iam em carros para o cortejo.
Sobre a rápida aparição na série, Julia afirma: “Existe uma trama toda a ser retratada e o Ayrton Senna tem uma história muito longa de conquistas. Os roteiristas optaram por algumas coisas que eu, como atriz, não tenho como discordar ou interferir. Mas, se eu tivesse que interpretar a Galisteu passando ao fundo, sem nenhuma fala, eu teria feito do mesmo jeito, porque sei da importância dela. Ela ser retratada é, para mim, muito importante e especial”.
De diferentes maneiras, “Senna” contribuirá para transmitir o legado do maior piloto brasileiro de todos os tempos às novas gerações. Um convite a quem o acompanhava e a quem ainda irá se admirar por sua história.
Bastidores da première
Realizada no Auditório Ibirapuera, a première de “Senna” foi impactante por diferentes aspectos. Ver as peças utilizadas na minissérie — como roupas, capacetes e até o consagrado carro da McLaren na conquista do mundial de 1990 no Japão — deu uma imersão maior ao que a obra se propôs a contar. Estava estampado nos rostos de quem participou do projeto o sentimento de “dever cumprido” e de satisfação pelo resultado alcançado. O evento reuniu influenciadores, jornalistas e algumas celebridades, como Jaqueline e Murilo, ex-jogadores de vôlei, e o comentarista Reginaldo Leme. Algumas personalidades retratadas na série não estiveram no local, como Galvão Bueno e Xuxa. Felipe Massa, último brasileiro a estar no Grid da Fórmula 1, compareceu ao evento. De modos diversos, a vida de Senna foi celebrada.
Senna
Onde assistir: já disponível na Netflix
Senna, o "herói nacional"
Hugo Bonemer: Quem assistir a essa série vai ficar apaixonado pelo Ayrton Senna. Vai ter uma noção do melhor possível dele, o entendimento do que é ter um herói brasileiro. A gente carece desse herói. Ayrton Senna talvez tenha sido um dos últimos grandes heróis que tivemos. Espero que as pessoas consigam compreender um pouco do que é esse sentimento.
Johannes Heinrichs: É uma história global. Não só na América do Sul ou no Brasil o Ayrton Senna foi um herói. Ano passado, quando filmei aqui no Brasil, senti que seu espírito estava vivo. Ayrton Senna ainda está vivo. São incríveis as marcas que ele deixou no mundo.
Alice Wegmann: Acho que o Senna tem a capacidade - e a série junto com ele - de resgatar o nacionalismo no Brasil. De olharmos para o Brasil e falar: "Cara, eu amo esse País. Quero cuidar dele". É isso que queremos: ver o mundo inteiro falando do nosso País. Queremos ver as pessoas valorizando ele - e principalmente vendo o Brasil se valorizando.