Em 2022, uma jovem chamada Mahsa Amini foi detida pela "polícia da moralidade" do Irã. A acusação? Trajar o hijab, lenço utilizado pelas iranianas para cobrir os cabelos, de uma maneira "inadequada". Após ser brutalmente espancada por seus acusadores, a jovem não resistiu aos ferimentos e morreu poucos dias depois.
Mahsa se tornou um símbolo de resistência contra o regime autoritário do Irã, que impõe rígidas normas de comportamento, principalmente em relação às mulheres. As manifestações, inicialmente lideradas por figuras femininas, transcenderam as questões de gênero e ampliaram os gritos por liberdade de expressão, justiça e mudanças estruturais. Apesar da forte repressão do regime, que tem como principais armas a captura, tortura e morte de opositores, os gritos de "Jin, Jiyan, Azadi" ("Mulher, Vida, Liberdade", em tradução para o português) não perderam força, ultrapassando as fronteiras do país e reforçando a luta por igualdade e direitos humanos.
Marjane Satrapi - autora e artista gráfica - retorna de sua aposentadoria para organizar "Mulher, Vida, Liberdade", coletânea de histórias reais contadas por jornalistas e ativistas que vivenciaram não apenas esses protestos, mas também muitos outros. As histórias são ilustradas por diversos nomes de impacto, como a própria Marjane, Joann Sfar, Coco, Mana Neyestani, entre outros. Satrapi é conhecida principalmente por "Persépolis" (2000), uma autobiografia em quadrinhos que narra sua infância e adolescência no Irã e em seu exílio, enquanto retrata as complexas transformações políticas e sociais da sua terra natal.
Em "Mulher, Vida, Liberdade", a autora deixa, mais uma vez, sua marca no ativismo artístico contemporâneo, em uma reunião de histórias intensas que narram as lutas e opressões vividas nos últimos anos. E, ao mesmo tempo, contextualiza para o leitor todo o histórico de repressão enfrentado por seu povo desde o início do regime.
A curadoria de Satrapi dá coesão a uma coletânea que poderia se perder entre tantos relatos.
A diversidade de estilos de ilustração, embora bem diferentes entre si, carrega uma grande profundidade emotiva. Cada página é um testemunho intenso de coragem diante da repressão. E apesar da clara distinção gráfica entre cada uma das histórias, a conexão entre elas é nítida. Quase como se entendêssemos que os protagonistas presentes fossem parte de um único grupo de amigos - sentados para nos contar o que viveram, um de cada vez.
O quadrinho transita entre o minimalismo simbólico e ilustrações detalhadas, intensificando cada uma das histórias apresentadas. Indo além da mera estética, as páginas de "Mulher, Vida, Liberdade" são um manifesto gráfico, uma denúncia ilustrada sobre uma das piores repressões que o Irã já testemunhou.
A coletânea, lançada no Brasil pela Cia dos Quadrinhos, é uma cápsula de memórias, lutas e esperanças do povo iraniano. Enquanto o movimento ocupa as ruas, o quadrinho ocupa um espaço cultural global extremamente importante, conectando o público do mundo todo com esses acontecimentos.
Essa convergência entre ativismo e arte é um lembrete de que, seja nas ruas ou nas produções artísticas, a liberdade continua sendo um ideal universal a ser conquistado, transcendendo fronteiras culturais. A obra se destaca por sua autenticidade e pela capacidade de conectar histórias individuais a narrativas universais de resistência e sobrevivência.
"Mulher, vida, liberdade"
Onde encontrar: www.companhiadasletras.com.br
Quanto: R$ 99,90