"A Andreia de antes do Reciclocidades era medrosa, tímida e cabisbaixa. Hoje, estou perdendo o medo, tenho orgulho do meu trabalho e prazer em executá-lo", afirma Andreia Veras, artesã e moradora do bairro Vila União.
Aos 48 anos, a artista é uma das mulheres que compõem o corpo docente do Reciclocidades, programa de responsabilidade socioambiental da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece). Ela ingressou na iniciativa em setembro de 2013 e, após uma atuação de destaque, hoje leciona nas oficinas que mudaram sua condição de vida.
Com a missão de mesclar educação ambiental, impacto social e desenvolvimento econômico, o projeto convida mulheres em situação de vulnerabilidade a transformar materiais que seriam descartados em produtos artesanais.
Com início em 2009 a partir de uma ação esporádica no Festival de Jazz de Guaramiranga, a oficina idealizada pelo grupo de Gerência de Responsabilidade e Interação Social (Geris) da empresa ecoou na comunidade serrana.
Após diversos pedidos e a título de experimento, a Cagece criou, em 2011, seu primeiro grupo produtivo na vila de Jericoacoara. Com o apoio de alguns funcionários e uma consultora externa, a iniciativa surgiu a fim de oferecer materiais e acompanhar as mulheres participantes para que elas pudessem vender os produtos na vila.
Devido à repercussão positiva, a Cagece resolveu trazer o projeto como iniciativa oficial da grade de responsabilidade socioambiental para a Capital. Passaram-se 15 anos e 1.628 mulheres de Fortaleza já foram atendidas, oito toneladas de resíduo foram transformadas e mais de R$ 237 mil de renda direta foi gerada para as artesãs.
Atualmente, o Reciclocidades está presente em sete bairros da Capital, com a intenção de expandir os grupos produtivos para contemplar o interior do Estado. A implementação de um grupo em um novo território é solicitada por meio de demandas de organizações não governamentais e institutos. A partir do pedido, realiza-se um diagnóstico territorial para averiguar as potencialidades da área.
"Analisam-se os resíduos gerados nas comunidades que possam ser utilizados, equipamentos e potenciais empresas parceiras. Depois, fazemos oficinas piloto para observar se o grupo tem potencial de continuidade e decidimos ou não pela implantação do grupo produtivo", explica Samara Silveira, coordenadora do programa.
No entanto, novos bairros só podem ser incluídos no programa à medida que os grupos produtivos são liberados e as artesãs atingem plena autonomia, o que geralmente ocorre em dois anos. Após essa fase de desmame, a Cagece segue realizando visitas de apoio e em constante contato, inclusive para mediar os pedidos de produtos artesanais feitos por empresas parceiras.
Ao ser questionada sobre os desafios enfrentados ao longo das edições, a coordenadora relata a complexidade da manutenção do elo entre as mulheres participantes. "Considero desafiador manter a coesão de um grupo de mulheres tão diferentes, visando o mínimo de evasão, durante o período que passamos nos grupos, entre dois e três anos", pontua. Para sustentar a união criada por meio da arte, o projeto conta com o apoio de uma assistente social e de uma pedagoga.
Sempre que possível, o Reciclocidades também busca oferecer capacitação às mulheres dentro das respectivas áreas de atuação. Para o próximo ano, a Cagece firmou uma parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), visando o oferecimento de cursos de qualificação que já fazem parte da grade da instituição. "Fechamos essa parceria para que, a partir do próximo ano, as mulheres beneficiadas pelo programa sejam atendidas na parte técnica e nos conteúdos necessários", projeta Samara.
Como forma de celebrar os 15 anos de existência do projeto, será realizado um desfile nesta quarta-feira, 4, para apresentar a coleção "Mosaico", desenvolvida pelo designer de moda cearense Kallil Nepomuceno.
Com uma trajetória na moda voltada para o consumo consciente e a responsabilidade ambiental, Kallil afirma que o nome da coleção surgiu a partir do momento em que percebeu a singularidade do que se produzia em cada grupo. "Cada mulher era uma peça do mosaico na construção da coleção que íamos montar", relembra o estilista.
O mosaico também reflete a composição de cada peça apresentada. Embalagens, jornais, pedaços de jeans, lonas vinílicas e papelões são alguns dos materiais utilizados pelas artesãs para formar produtos originais que vêm sendo comercializados há mais de uma década.
Para Kallil, o desfile que acontecerá no Complexo Cultural Estação das Artes nesta quarta-feira, 4, carrega uma função crítico-social. "Esse desfile é um spoiler para que os empresários do segmento têxtil entendam que, com criatividade e bom gosto, é possível transformar todo o resíduo de sua produção em peças usuais. Essa consciência ecológica se manifestou em mim como designer, e acredito que será um despertar para as pessoas que estarão assistindo", arremata.
O desfile terá início às 18 horas, com entrada aberta ao público, mediante a doação de 1kg de alimento não perecível para o programa Ceará Sem Fome. Segundo Andreia, o momento é decisivo para a comunidade de artesãs enxergar os produtos feitos com outro olhar. "Todo tipo de artesanato é muito rico, mas quando se trata de ver o seu trabalho na passarela, você se sente realizada", reflete.
15 anos do Reciclocidades
Quando: quarta, 4, às 18 horas
Onde: Complexo Cultural Estação das Artes (rua Dr. João Moreira, 540 - Centro)
Acesso gratuito mediante a doação de 1kg de alimento
não perecível
Mais informações:
@oficialcagece