Chega aos cinemas nesta quinta-feira, 5, o filme "Soldados de Borracha", do diretor cearense Wolney Oliveira. Após uma temporada de premiações em diversos festivais nacionais, o longa entra no circuito comercial com estreia e exibição na Sala 1 do Cinema do Dragão.
A obra resgata a saga de cerca de 60 mil brasileiros que, por meio de um acordo de cooperação entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, foram recrutados pelo Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (Semta) e transportados para a região amazônica. Trabalhadores rurais das regiões Norte e Nordeste envolvem-se, então, no esforço de guerra na extração do látex, tendo em troca a promessa de estabilidade financeira e o retorno para casa como heróis da pátria.
De maneira didática, o filme aborda as condições de subsistência, como a pobreza e o sentimento de contínua espera por reconhecimento por parte dos sobreviventes, que nunca receberam o que havia sido prometido. O longa explora a injustiça histórica por meio de imagens antigas, gráficos e depoimentos dos poucos que ainda estavam vivos durante a produção.
O documentário estreou mundialmente em 2019 no 24º Festival É Tudo Verdade, onde conquistou o prêmio paralelo de Melhor Longa-Metragem Nacional. Por conta de complicações do cenário pandêmico, o filme teve um intervalo de 5 anos até a chegada nas telonas. O drama silencioso que se desenrolou no interior do País, para muitos, ainda é fruto de desconhecimento em meio às convulsões visíveis ocasionadas pela Segunda Guerra Mundial. Wolney, fortuitamente, teve o primeiro contato com o tema por meio dos cadernos especiais do O POVO, escritos por Ariadne Araújo.
Em 2004, então, curioso com os desdobramentos da conjuntura, o cineasta lançou "Borracha para a Vitória", sua primeira obra sobre o assunto. Posteriormente, em parceria com o historiador carioca Marcos Vinícius Neves e a jornalista Ariadne Araújo, também publicou o livro "Soldados da Borracha: Os Heróis Esquecidos", com lançamento realizado em 2015.
Com uma ampliação nas pesquisas e filmagens no Ceará, Acre, Rondônia, Amazonas, Pará e São Paulo, o longa conta com entrevistas exclusivas que fornecem visões distintas. Dentre elas, o documentarista destaca os relatos do escritor Lira Neto e do jornalista norte-americano Gary Neeleman (1934-2024).
Às vésperas da estreia, Wolney Oliveira conversou com o Vida&Arte sobre as lacunas deixadas pelo passado do ciclo da borracha e o espaço crescente que os soldados extrativistas do látex ocuparam em sua carreira cinematográfica.
O POVO - Desde a gravação do documentário em 2005 até a produção do filme em 2019, o que você acredita que mudou e amadureceu na sua visão como diretor?
Wolney Oliveira - A sua visão como diretor pode ser uma quando você imagina o projeto, mas passa a ser outra depois que você filma, quando conhece as pessoas e as personagens. O filme teve uma reviravolta muito grande com duas coisas que aconteceram durante as filmagens.
A primeira foi a oportunidade de entrevistar o grande escritor e jornalista Lira Neto, que escreveu a biografia de Getúlio Vargas. Como o filme se passa durante o governo de Getúlio, foi fundamental ter entrevistado Lira, porque mudou a minha visão sobre a questão de como surgiram os soldados da borracha e como surgiram os pracinhas também.
A outra mudança foi acompanhar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Soldados da Borracha, que em 2014 concedeu indenização de R$ 25 mil em dinheiro aos trabalhadores.
Minha visão como diretor mudou no sentido de que conheci novas coisas, mas minha opinião sobre o tema continua a mesma. Sigo enxergando como uma grande injustiça que o governo brasileiro cometeu.
OP - Durante a execução do projeto, filmagens e gravações, houve alguma dificuldade específica enfrentada?
Wolney - Houve dificuldades de captação de recursos. Filmar na região Amazônica não é fácil. Apesar de ser algo super gratificante, filmar no meio da selva, dentro dos rios, apresenta as dificuldades típicas de uma produção. Mas não tivemos nenhuma ocorrência séria. Pelo contrário, teve um dia inesquecível em que fizemos um churrasco de peixe na beira do Rio Negro, preparado pelo Chicão, produtor do filme. Também tivemos a oportunidade de nadar com os botos e aproveitar toda a beleza da Amazônia, que é um país dentro de outro país, um continente à parte.
OP - Dentre as milhares de fontes entrevistadas, houve alguma com a qual você desenvolveu uma relação de maior apego devido à sua história?
Wolney - Tiveram vários, como a tia Vicença, que era uma “Soldada da Borracha” do interior do Ceará, de Morada Nova, assim como o seu Lupércio. Ambos viraram amigos queridos.
Também conheci o seu Alcedino, que era pernambucano e a figura de Paulo Cosme, que conhecemos no Pará. O seu Paulo Cosme da Silva foi um dos personagens únicos que encontramos e daqueles que só encontramos uma vez na vida. Foi uma descoberta e uma relação de muito carinho com essas pessoas.
OP - Existe algum desdobramento ou forma de explorar o assunto que você ainda gostaria de concretizar?
Wolney - Eu tenho vontade, sim, inclusive tenho um projeto escrito pela Ariadne Araújo. A ideia é fazer uma minissérie sobre o tema, porque no longa-metragem não conseguimos abordar todos os aspectos de uma história tão extensa.
Por exemplo, tivemos a ida de 1.200 cariocas para a região Norte, o que seria um capítulo à parte. A presença das mulheres, dos familiares, também são histórias que merecem destaque. Então, é um projeto que está em formação, e espero que no futuro consigamos viabilizá-lo.
OP - Qual a importância de lançar esse filme em Fortaleza, especificamente no Cinema do Dragão?
Wolney - Lançar o filme em Fortaleza é fundamental, pois é uma produção 100% cearense. Vale destacar que este é o oitavo longa-metragem cearense lançado este ano. Se pensarmos que em 1994 o cinema brasileiro produziu apenas quatro longas-metragens, agora, 30 anos depois, em 2024, só o cinema cearense está lançando oito longas. Isso tem um grande significado.
Estreia de "Soldados da Borracha"