"É uma expressão essencialmente brasileira para uma temática essencialmente brasileira", afirma Diógenes Moura ao ser questionado sobre o título de sua nova exposição. Para o curador, talvez essa seja a forma assertiva de definir a mostra "Seja o Que Deus Quiser" que ocupa o segundo andar do Museu da Fotografia de Fortaleza (MFF).
Com fotografias de Dani Tranchesi e curadoria e crônicas de Diógenes, a exposição estreia neste sábado, 7, com sessão de bate-papo com ambos os artistas.
Reunindo 80 imagens de manifestações populares no Ceará, Distrito Federal, Bahia, Goiânia, Maranhão, Pará e Pernambuco, a mostra resulta de um trabalho de pesquisa da dupla, realizado ao longo de seis anos em viagens pelo País.
Sem a pretensão de um resultado definitivo, a fotógrafa tenta captar a estranheza de cenas carregadas de ancestralidade e devoção comuns no imaginário popular de muitos, como a novena de Padre Cícero ou as baladas dentro da Festa de Iemanjá.
Ao se configurar como a primeira exposição individual de uma mulher no MFF, as imagens reveladas também contam sobre Dani Tranchesi e as diferentes "fés" que a comunicadora alimenta em seu dia a dia.
Formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte, a artista conta que a técnica da escrita da luz lhe concebeu a possibilidade de registrar esse sincretismo que existe dentro de si, mas que também é tangível nas ruas do Brasil.
"Digo que sou uma pessoa que reza em qualquer lugar. Pode ser em um templo budista, em um terreiro de candomblé, e minha fé será sempre a mesma. E sinto que é isto que nos une, enquanto brasileiros. A fé inabalável, vista em lugares sem recursos, em que ainda existem pessoas bordando chapéus e realizando caminhadas para cumprir promessas", declara.
"Seja o Que Deus quiser" foi precedida por "Mirabilandia", exposição que reuniu registros sobre o universo lúdico e único dos parques de diversões brasileiros.
Entre agosto e outubro de 2022, a dupla também expôs no Rio de Janeiro a mostra "3 é 5", que mostrou o dia a dia das feiras públicas em São Paulo. Após o período pandêmico, os dois retornaram à estrada para documentar sobre os diferentes "Brasis" existentes no território e que, de alguma forma, a fotógrafa sentia que ainda necessitavam de seu olhar e registro.
Nessa busca por retratar o Brasil por meio das tradições intrínsecas ao cotidiano, nasceu também uma viagem literária. Com crônicas e textos de apoio escritos a partir dessas andanças, o curador ressalta o papel das palavras aliadas à imagem e frisa a relação de coexistência entre ambas.
"As crônicas surgem lado a lado com as imagens. Elas contam um pouco do olhar do escritor sobre o olhar da fotógrafa. Além de amplificar a compreensão do leitor sobre a imagem, nos ajuda a falar sobre coisas tão particulares que também nos pertencem", detalha Diógenes.
Escritor desde os 12 anos, Diógenes foi curador de fotografia da Pinacoteca do Estado de São Paulo entre 1993 e 2013, onde realizou mais de uma centena de exposições que refletiam sobre o diálogo entre fotografia e literatura.
Para o pernambucano, a mostra que se inicia é essencial à medida que reúne arte, religiosidades e cenas da vida cotidiana de modos de vida tão distintos. "É uma maneira de nos aproximarmos do que somos, em um País que ainda é profundamente desconhecido por nós mesmos", destaca.
Ele também provoca indagações sobre a secularização e a transformação de atos religiosos em materiais de consumo. "Vemos o poder da fé dos penitentes, de cada uma das irmãs da Boa Morte, ou de cada uma das mães de santo nas festas de Iemanjá. Mas também depois de tudo que vivi, desenvolvi uma crônica que fala sobre esse fenômeno, da transformação violenta da fé em um produto", reflete.
Em cartaz até março de 2025, a mostra que se inicia integra a programação satélite do Fotofestival Solar. Em sua terceira edição, após um hiato desde 2022, o festival acontece entre os dias 11 e 15 de dezembro, com programação gratuita em equipamentos culturais de Fortaleza e do Cariri.
Para Diógenes, o movimento de conexão entre o MFF e o festival é natural e quase que intuitivo. "É algo natural, pois em meu entendimento o Solar é o festival mais bem pensado no ramo, que vai além da mesmice da fotografia pela fotografia. Ações como essas precisam se conectar e trazer resultados reais, não suposições teóricas", instiga.
Desdobramentos e continuidade destas reflexões poderão ser estendidas no bate-papo que acontecerá como evento inaugural da mostra. Para Diógenes, as 80 fotos que estarão expostas pretendem atingir um ponto de encontro com o espectador. E, a partir da emoção, modificar algo no pensamento, atitude definida como "necessária nesse abismo atual".
Abertura da exposição "Seja o que Deus quiser"