Em Campinas, São Paulo, sob condições científicas atípicas, Hércules Florence (1804–1879) realizava experimentos que viriam a resultar no método de impressão em cores, semelhante ao atual mimeógrafo. Em 1883, enquanto Joseph Niépce (1765–1833) e Louis Daguerre (1781–1851) recebiam louros na Europa por seus avanços na área, o francês radicado no Brasil cunhava o termo do que viria a ser conhecido hoje como Fotografia, a escrita da luz.
141 anos se passaram e a oitava arte segue conectando territórios e suscitando discussões que abrangem as mais diversas linguagens. Convidando à reflexões similares, o Fotofestival Solar chega à sua 3ª edição nesta quarta-feira, 11, com uma ampla e gratuita programação de fruição, formação e dinamização do campo da fotografia e das artes visuais, que segue até domingo, 15.
Ocupando espaços como a Pinacoteca do Ceará, Estação das Artes, Museu da Imagem e do Som do Ceará (MIS), Mercado AlimentaCE e o Centro de Design do Ceará (Kuya), o primeiro fotofestival do Estado aposta em uma programação descentralizada e perene, que terá continuidade com algumas de suas exposições em cartaz até julho de 2025.
Além da programação principal, que conta com 10 exposições, lançamento de livros, projeções audiovisuais e shows, este ano o festival reafirma seu compromisso com o ciclo formativo. Oferecendo 14 conversas, cinco oficinas e leituras de maquetes de livros, o festival recebe nomes como João Moreira Salles, fundador da revista Piauí, e Graciela Iturbide, fotógrafa mexicana conhecida por levar ao mundo imagens do deserto de Sonora e dos povos originários de sua região, para debater o fazer fotográfico nas constantes de um país tão múltiplo.
Para unir uma produção artística miscigenada, em um evento eminentemente cearense, mas com foco na projeção nacional, Tiago Santana, idealizador do festival, traça nos bastidores, quase de forma inconsciente, um fio condutor que amarra as dez exposições principais.
“O que une todo o conteúdo do Solar tem muito a ver com as origens e o conceito do evento, que é pensar o País a partir da sua dimensão continental, da diversidade cultural, étnica, de gênero e de raça. Temos discussões que abordam a ditadura militar, por exemplo, em conexão com a Revolução dos Cravos em Portugal. Temos o retrato de uma militante responsável pela demarcação das terras yanomamis. Há também uma exposição que estabelece uma conexão com a América Latina e o que nos une enquanto povo latino-americano. Então, é um festival que não pode ficar alheio ao seu tempo ou ao seu país; ele reflete o momento atual”, conta o fotógrafo e editor cearense.
Ao reunir 133 artistas de diferentes regiões, gerações e categorias profissionais, a exposição “Delírio Tropical”, carro-chefe desta edição, abraça o conceito de retratar um País múltiplo. “O Delírio também traz um pouco desse Brasil diverso, com um curador do Pará, o que está relacionado ao deslocamento do pensamento curatorial do eixo Rio-São Paulo. É uma exposição que traz o País com todas as suas contradições e questões, que passam por todas essas complexidades que discutimos”, pontua Tiago.
Para o paraense Orlando Maneschy, a exposição surgiu do desejo de oferecer ao Solar um recorte de como fotógrafos e artistas olham para seus territórios e como articulam o pensamento e suas perspectivas. “Pensamos em traçar uma curva histórica que parte da segunda metade do século XX até os dias atuais. O título surgiu a partir da reflexão sobre o País, sobre as infinitas imagens do Brasil produzidas e imaginadas ao longo desse tempo acolhido pela exposição. Nesse processo curatorial, entendemos todos os paradigmas, questões, tensões e delícias que constituem nosso país e que, por vezes, parecem delirantes, para o melhor ou para o pior”, afirma o fotógrafo e curador da exposição.
Esta edição também marca a expansão territorial do festival para o Cariri. Com a exposição “Nagual – fotografias de Graciela Iturbide” aterrissando no Centro Cultural do Cariri, o Festival Solar possibilita o encontro da população do Crato com fotografias do imaginário popular dos povos originários do México, Cuba, Panamá e Peru.
“Acho que é muito importante, politicamente, deslocar uma exposição que é a primeira vez que vem ao Brasil e não foi para São Paulo, Rio ou Fortaleza, mas sim para o Cariri. E elas se conectam profundamente, pois Graciela é uma fotógrafa que trabalha com seu território, com festas populares e com os mestres da cultura, que tanto nos pertencem aqui no Cariri”, afirma Tiago.
Para Iana Soares, coordenadora geral do festival, essa conexão geográfica é intrínseca à ideia que consolidou o projeto, ainda em 2018. “A fotografia no Ceará sempre foi algo muito central dentro das linguagens artísticas. O Solar nasce conectado a esse campo, com uma demanda de fotógrafos e fotógrafas que buscavam um festival que fortalecesse e expandisse o que já fazíamos aqui para outros lugares e territórios, além de trazer esses trabalhos para cá também”, reflete Iana.
A fotógrafa também assina, em parceria com a jornalista Fernanda Siebra, a curadoria da exposição "Onde guardaremos este instante de alegria?", que, por meio de convocatória, mapeou a produção contemporânea de autoras e autores do Ceará.
“É uma exposição que pensa sobre a fotografia e essa utopia de guardar o tempo. A fotografia, desde 1839, sempre foi vista como uma forma de capturar o instante, de trazer a pausa como um elemento da vida. E ela pensa nisso por meio da alegria: quais são os instantes que, de alguma forma, nos fazem sentir ou nos reconhecemos vivendo um momento de alegria?”, questiona.
Além das ações museais e de formação, o fotofestival também engloba linguagens complementares, como a música e a gastronomia. Com programação musical acontecendo de forma concomitante na Estação das Artes, o evento convida nomes como as cantoras Letrux, Ana Frango Elétrico e o grupo Gang do Eletro para compor o festival e comprovar que a fotografia pode ser ponto de articulação central na discussão do cenário cultural do País.
3º Fotofestival Solar