"Masterchef": reality show de gastronomia mundial; mestre cozinheiro (trad. inglês); cozinheiro de destaque.
Muito além de uma competição de gastronomia, MasterChef se tornou para os brasileiros uma referência de bom cozinheiro. O programa, que completou 10 anos em 2024 e já realizou mais de 20 edições, revolucionou o modo como o Brasil enxerga a própria cultura gastronômica.
Quando estreou, pouco se discutia sobre a importância de processos, especiarias e empratamento fora das cozinhas profissionais, realidade que hoje alcança parcela da população comum. Além disso, a diversidade da cultura alimentar brasileira passou a ser reverenciada em provas do programa.
VEJA TAMBÉM | Quem saiu do MasterChef Confeitaria ontem, 12? Veja eliminado e prato
Com a transmissão do MasterChef na TV aberta, os espectadores puderam aprender a fazer pratos como pato no tucupi (Norte), arroz com pequi (Centro-Oeste), pinhão assado (Sul), virado à paulista (Sudeste) e baião de dois (Nordeste). A noção de cultura alimentar se expandiu para além das barreiras geográficas, com destaque para a história que acomoda cada uma das gastronomias.
Outro grande mérito do programa foi impulsionar a carreira de novos cozinheiros, que, após o programa, tiveram mais oportunidades de trabalho e de estudo. Este é o caso de Léo Giglio, cearense de 34 anos que participou da décima edição do MasterChef Brasil em 2023. Ele, que ficou conhecido como o primeiro cearense da história do programa, viu o reality como uma oportunidade de ganhar espaço com as suas habilidades na cozinha.
"(A cozinha regional) é o que me representa. Eu representei o Ceará porque o MasterChef não é só um concurso de gastronomia, ele é também um reality show e precisa de personagens. Eu não precisei inventar um cara que faz cozinha francesa, porque eu não me identifico. O que me corresponde é cozinhar uma comida que me faz feliz, é pegar algo simples e transformar em extraordinário", destaca Léo, que começou a cozinhar aos 11 anos a fim de se alimentar melhor e servir à própria mãe, que trabalhava viajando.
O cearense se orgulha de ter mostrado em rede nacional que alimentos tradicionais do Ceará podem ser inseridos na alta gastronomia. "Todos os pratos que fiz tinham algo que representasse o Léo e o Estado", afirma o cozinheiro, que, dentro da competição, preparou iguarias como sarrabulho e peixe à delícia. "Eu também tentei homenagear o Ceará como um todo, não só as praias ou o sertão. Teve um pouquinho do Cariri no que fiz", resume.
Atualmente, ele continua com sua profissão pré-MasterChef, que é a advocacia, mas usa a visibilidade de sua participação no programa para trabalhar com culinária.
Na mesma temporada de Léo, esteve Neylano Vieira, que participou aos 19 anos e foi o primeiro eliminado após as fases de seletiva. Ele é manauara, radicado no Ceará desde criança, e sua especialidade é a confeitaria. "Com certeza, o MasterChef me influenciou a cozinhar. Eu assisto ao programa desde a primeira temporada, em 2014, além de outros programas de culinária estrangeiros. Quando o MasterChef veio para o Brasil, foi muito mágico para mim, já que eu era uma criança que gostava tanto de assistir esse tipo de conteúdo", relata.
Ney continua: "Eu senti muita vontade de participar daquilo, principalmente durante a temporada Kids, vendo aquelas crianças cozinhando. Em 2022, essa vontade veio à tona, quando abriram as inscrições para a décima temporada. Eu me inscrevi sem contar para ninguém e participei. Foi incrível. Acho que o MasterChef mudou a perspectiva do País em relação à gastronomia. A profissão de cozinheiro passou a estar no sonho de crianças, jovens e adultos que querem se reciclar".
Pessoalmente, a vida do jovem mudou após a participação do programa. Com a visibilidade, ele trancou temporariamente o curso de Nutrição para trabalhar com criação de conteúdo de receitas para as redes sociais e com consultoria para restaurantes de Fortaleza: "Foi uma maneira bem legal de eu me expressar artisticamente e gastronomicamente, pois eu consigo ensinar para as pessoas todas essas técnicas que eu venho aprendendo desde a minha infância".
Também em 2023, houve uma temporada de MasterChef Profissionais, que teve como um dos participantes a chef Raquel Amaral, que nasceu no Ceará, mas cresceu e passou a trabalhar profissionalmente em Brasília. Raquel aprendeu a cozinhar com a família e a sua paixão pela gastronomia a fez desistir da profissão de web designer para trabalhar profissionalmente com as panelas.
"É um programa muito visto pelo público geral e não tanto por cozinheiros, pois é um reality show e o povo gosta de ver, é um sucesso. Antes dele, eu já era uma chef de cozinha conhecida no meio e cozinhava para gente muito importante. Mas com o MasterChef sua vida muda assim que você entra. Na época, eu saía na rua e a galera vinha em cima. Também já teve gente que chorou, banda que já me chamou no palco… Isso é surreal, não faz o menor sentido. Minha irmã ria e dizia 'Nossa, a Raquel tem fãs, não tem sentido'", brinca a chef.
Em sequência, Raquel acrescenta: "Eu comecei a ser conhecida não só pelos clientes, já que a minha propaganda sempre foi no 'boca a boca', mas algumas marcas começaram a me querer e isso foi muito importante. Depois disso, eu viajei para dar aula e representar as marcas. Com isso, você fica com mais credibilidade, como se fosse um selo de qualidade 'MasterChef'".
Como funciona o programa?
Tradicionalmente, no primeiro semestre de cada ano, a Band TV exibe o MasterChef Brasil, sempre às terças-feiras de cada mês. O formato original é dividido em duas partes: uma prova classificatória na primeira metade e outra eliminatória ao final. O grupo dos participantes que fizerem os melhores pratos no primeiro momento do reality sobem para o mezanino e garantem vaga para o próximo episódio do programa.
Na eliminação, os participantes com pior desempenho competem novamente em outra categoria de prova, que pode envolver criatividade, reprodução de pratos clássicos ou até duelos de pressão contra o tempo. Quem fizer o pior prato ou não cumprir a proposta da prova é eliminado.
Outras provas tradicionais no reality geralmente acontecem na primeira parte do programa: as que envolvem uma caixa misteriosa, em que os participantes precisam desenvolver pratos a partir de alimentos escolhidos pelos chefs; e o leilão, quando eles disputam qual prato cada um fará e pagam a oferta com tempo de prova.
A todo momento, comentários dos participantes sobre as provas aparecem em paralelo à sua aparição na TV. "Picuinhas", relações de amizade e de desafeto entre os competidores são destacadas nesses momentos, o que enquadra o MasterChef como um programa no estilo reality show, para além da competição gastronômica.
Além do tradicional MasterChef para amadores, existem versões do reality para chefs profissionais, para crianças e até para a categoria sênior ( + 60 anos). Nesses casos, não há padrão sobre os dias e o período de exibição na TV.
Conheça os jurados
Erick Jacquin
Conhecido como Jacquin, o chef nasceu na França e foi naturalizado brasileiro. Foi ele quem trouxe o petit gateau para o Brasil na década de 1990, sobremesa popular em todas as regiões do país atualmente. Com seu forte sotaque, é dele a frase: "se eu começar a falar bem português, vou precisar baixar o preço (da comida)".
Helena Rizzo
Jurada do MasterChef desde 2021, Helena é natural do Rio Grande do Sul e trabalhou em diferentes restaurantes brasileiros, italianos e espanhois. Com cozinha considerada contemporânea, ela é proprietária do premiado restaurante Maní. Sua chegada ao reality aconteceu após a saída de Paola Carosella.
Henrique Fogaça
Nascido em Piracicaba, São Paulo, Fogaça cresceu na cidade de Ribeirão Preto e é atualmente chef e proprietário dos restaurantes Sal Gastronomia e Cão Véio, onde a comida brasileira é destaque. Ele era considerado o jurado criterioso e "malvado" do reality, ainda assim, seu nome está entre os favoritos dos fãs de MasterChef.
Paola Carosella
Paola integrou ao grupo original de jurados na estreia do programa, permanecendo até 2021. Exigente, a chef argentina viralizou nas redes sociais com diversos momentos de sua participação, como quando repercutiu com os dizeres "horrível, horrível, horrível" ao avaliar um participantes. Ela é chef proprietária do restaurante Arturito, em São Paulo.
Rodrigo Oliveira
Criador do tradicional dadinho de tapioca e proprietário do restaurante de comida regional Mocotó, Rodrigo Oliveira participou do MasterChef em 2023, substituindo a licença de Henrique Fogaça.
Diego Lozano
Estreante do MasterChef Confeitaria, que está atualmente no ar, Diego Lozano é considerado um dos maiores confeiteiros do Brasil, tendo recebido diversas premiações nacionais e internacionais. Ele é proprietário da Escola de Confeitaria Diego Lozano.
Entrevista com os chefs
Dono do bordão "senta na graxa", que ganhou popularidade com a exibição do MasterChef, Henrique Fogaça é jurado do programa desde a primeira exibição. Em entrevista ao Vida&Arte, ele afirma que o reality foi um verdadeiro "divisor de águas" em sua vida pessoal e profissional.
"Antes dele, eu já tinha uma carreira consolidada como chef e empreendedor, mas o programa me deu uma visibilidade muito grande. O alcance da TV me conectou com um público maior, pessoas que talvez nunca tivessem tido contato com a gastronomia de forma tão direta. Isso trouxe novas oportunidades. Tenho orgulho da minha trajetória como jurado e no impacto que conseguimos causar, mostrando que a culinária é paixão, dedicação e um modo de contar histórias", conta.
Além do sucesso, ele revela que sua experiência na cozinha mais famosa do Brasil o fez ter novas perspectivas da gastronomia: "Ampliou muito minha visão sobre a cozinha em geral. O programa traz participantes de todas as regiões do País, cada um trazendo suas experiências, técnicas e ingredientes. Isso é uma verdadeira aula sobre a riqueza e a diversidade gastronômica do Brasil".
Mas há uma suposta dificuldade em avaliar pratos nas edições profissionais, considerando que são participantes já experientes? "Nessas edições o nível é, sem dúvida, mais alto, o que torna o trabalho de avaliação mais desafiador. Os participantes já chegam com técnicas e, assim, o que passa a pesar mais são detalhes como a execução, criatividade, equilíbrio de sabores e até como lidam com a pressão. Apesar de serem profissionais, cada um tem suas especialidades e pontos fortes, isso cria dinâmicas interessantes. No final do dia, a gente aprende com eles tanto quanto eles aprendem nesse processo", responde.
Companheira de júri, Helena Rizzo destaca que sua rotina mudou completamente após aceitar entrar para o time de jurados em 2021. "Como gravamos algumas temporadas na sequência, ao longo de meses, é uma rotina bem intensa, puxada, a semana toda, com gravação praticamente o dia todo. Fico um pouco mais distante, fisicamente, do dia a dia do restaurante durante este período. Foi uma fase de adaptação e fortalecimento da equipe, tive que aprender a descentralizar".
"Na vida pessoal, mudou bastante coisa também, tanto pela rotina de gravação quanto pela exposição que um programa na TV aberta traz", continua. Sobre aprendizados, ela situa que precisou dar "um passo para trás" ao se colocar na posição de quem ensina aos participantes: "A gente faz uma pré-pauta antes de começar a gravar as temporadas, conversa muito sobre cozinha. E essa demanda me faz, claro, pensar mais sobre cozinha, ingredientes e processos. Tem coisa que, depois de muitos anos, todo profissional faz no fluxo, sem problematizar, sabe? Mas quando você vai discutir sobre isto, ensinar, sente necessidade de dar uns passos atrás, pesquisar, estudar e acaba, claro, descobrindo coisas novas e revendo certas coisas
que estavam cristalizadas na mente (risos)".
Tanto Fogaça como Helena afirmam que, apesar de serem famosos por sua performance na TV, continuam se definindo como chefs de cozinha, não celebridades. "Minha essência, de cozinheira, segue a mesma", diz Helena. Fogaça reforça: "A cozinha sempre foi meu lugar e continua sendo a minha prioridade. É ali que eu me realizo, expresso minha criatividade e a minha essência. O que vem além disso, é resultado dos trabalhos na TV e são sempre bem-vindos".
Popularização da alta gastronomia
Além de impulsionar a carreira de cozinheiros amadores e profissionais, o impacto do MasterChef se dá pelo conhecimento de gastronomia naturalmente repassado ao público do programa. É isso que destaca o ex-participante Neylano, que se declara, acima de tudo, um fã do reality.
"Eu acredito que o MasterChef tem aberto os olhos das pessoas para gastronomia, mudando a maneira da gente ver a cozinha. Se reparar bem, o 'MasterChef' enriqueceu até o nosso vocabulário, não somente pelo uso da palavra que a gente passou a usar como adjetivação para quem cozinha bem, mas também, dentro da cozinha, com nomenclatura de técnicas que a gente não conhecia antes, como redução, sifão, tudo isso rotineiro para quem é cozinheiro e foram descobertos por nós, telespectadores", pontua o jovem.
Para a chef profissional Raquel Amaral, o reality "mudou completa e absurdamente" a cultura gastronômica do Brasil. Ela explica que existem vários tipos de cozinha e as gastronomias alta e autoral antes sofriam dificuldade de convencer a população comum de sua importância, realidade transformada pelo MasterChef.
"Até eu já vi ingredientes nesse programa que não conhecia e fui atrás pesquisar. Para a população em geral, descobrir a gastronomia além de sua região é uma realidade que mudou muito, nasceu a vontade de experimentar coisas novas", afirma.
Ela complementa: "Antes, sair para comer em um restaurante era a realidade de só uma parte da população que realmente saía pensando em comer bem. Hoje, a população em geral, mesmo com menos acesso financeiro, começou a ter curiosidade de, às vezes, procurar um restaurante, mesmo que mais barato, mas que tem uma comida diferente. E também passaram a reproduzir os pratos em casa. Todo mundo teve um pouco de acesso ao programa e a alta gastronomia foi mais vista".