Paula acorda todo dia às 6 horas. Imediatamente, ela pega o celular para responder mensagens, ver a previsão do tempo e assistir a vídeos enquanto faz seu café da manhã. Ela come enquanto assiste séries e, depois, corre para a parada de ônibus com fone de ouvido tocando seu podcast favorito.
No trabalho, ela faz de 4 a 5 atividades simultâneas, além das interações pessoais no escritório. Às 18 horas, ela encerra o expediente e vai à academia para fazer musculação enquanto assiste TV e responde algumas mensagens no celular. Algumas vezes, ela decide levar um livro para ler enquanto faz bicicleta ergométrica.
Em casa, ela conversa com o companheiro sobre seu dia enquanto prepara o jantar e tenta ficar atenta ao reality show no streaming. Como Paula ainda não tem filhos, não precisa dividir o tempo com crianças. Então, ela finaliza a noite assistindo a vídeos no TikTok até pegar no sono.
Paula é uma personagem fictícia com um padrão de comportamento comum atualmente: a dificuldade de foco e concentração em apenas uma atividade ou emoção. Ela representa a maioria da população retratada na pesquisa feita pela King's College London, em 2022, com 2.093 usuários de smartphones: 50% das pessoas "não conseguem parar de verificar os aparelhos quando deveriam estar concentrados em outras atividades". O estudo mostrou ainda uma parcela de 49% que acredita que a capacidade de atenção é menor do que no passado.
A psicóloga Cláudia Comaru avalia que, principalmente neste pós-pandemia, as pessoas passaram a sofrer com rotinas insustentáveis. "O estilo de vida atual das grandes cidades acaba lidando com o ofício que entrou na nossa casa. Muitos trabalhos que eram presenciais migraram para o online e a lógica corporativa entrou de uma forma mais forte dentro da casa. Eu percebo um aumento na minha clínica dos casos de pessoas com ansiedade, chegando ao esgotamento profissional, o Burnout. Um relato padrão é o da dificuldade de descansar", diz.
Além disso, a profissional cita o caso das mães que lidam com dupla ou tripla jornada de trabalho ao chegar em casa e precisar se dedicar ao trabalho doméstico. "Hoje a gente vive numa sociedade de alta performance e tem dificuldade de fazer uma atividade pelo simples prazer de fazê-la, sem expectativa de meta", acrescenta.
Essa situação é familiar para a jovem de 24 anos, Beatriz Gomes, que é estudante de jornalismo e trabalha com redes sociais. "Eu sou o que chamam de 'heavy user' (consumidor intenso de redes sociais). A minha rotina envolve já acordar e me antenar do que tá acontecendo. Quando eu tomo café, fico ouvindo algum podcast de notícias ou de narrativas. Aí, quando eu acabo de comer, eu vou trabalhar home office e é aí que eu mergulho mesmo entre as telas do computador e do celular", relata Beatriz.
Ela conta que as únicas vezes que se concentra em uma única atividade por vez são em celebrações religiosas porque se sente constrangida em "ficar usando o telefone".
"Já aconteceu de um dia eu estar com o celular ligado para fazer anotações de trabalho enquanto usava outra tela para assistir 'Corrida das Blogueiras'. Ao mesmo tempo, no meu computador eu finalizava uma sequência de 70 cards de redes sociais para colocar no Drive. Tudo isso enquanto tocava música na TV fora do meu quarto", rememora Beatriz
A jovem admite que antes fazia atividades de caminhada para desacelerar de sua rotina e focar em si, no entanto, admite que tem fugido dessa estratégia propositalmente: "Eu acho que esse meu problema de concentração tem sido como uma fuga dos meus próprios pensamentos nos últimos dias. Por isso, eu vou sobrepondo atividades para que eu não escute o que minha cabeça quer me falar".
Conforme o psicólogo humanista e terapeuta holístico Joaquim Falcão, é necessário e urgente que as pessoas se acostumem a reservar um tempo diariamente para focar em si e absorver o próprio sentimento resultante das tantas interações ao longo do dia. "A gente é atravessado por alteridades, pelo outro. A vida é uma constante das coisas que acontecem e nos afetam. Parar para refletir e trazer de volta o foco para si é como você digerir os momentos que você foi atravessado", pontua.
Quem também percebe os efeitos da falta de foco é o Rodrigo Santos, de 28 anos. Ele conta que sofre com dificuldade de concentração em sua rotina, principalmente em períodos de produção audiovisual.
"Eu tive um momento da vida em que produzia conteúdo para internet e acabava passando muito tempo nas redes sociais, porque, além de produzir para o YouTube, também criava vídeos para o Instagram. Hoje em dia, eu sou mais de consumir esses conteúdos e não mais de produzir, mas ainda passo muito tempo online, principalmente no Instagram", afirma.
O realizador cultural, que também é estudante, relata que passou a procurar atividades que o ajudassem na concentração, como a natação e os desenhos. "Desenhar me ajuda muito a me concentrar, mas, além dele, tem natação. São duas coisas que comecei no ano passado porque eu estava muito ansioso", explica.
"Desde que comecei com a natação, eu comecei a me concentrar melhor e é muito bom. Quando estou lá, eu me esqueço de tudo, é o momento em que eu fico totalmente imerso. Eu evito faltar ao máximo porque acaba sendo não só uma prática de exercício físico, mas também uma prática mental mesmo, para me concentrar", complementa.
Nesse contexto, Joaquim Falcão também destaca: "É fundamental parar de vez em quando. Se você não para, você não sabe quem você é, entende? No mundo de hoje, uma pessoa é espetada com um monte de informações o tempo todo, como tecnologias, notícias e tantas coisas que nos demandam. A gente simplesmente precisa parar. Diferente disso, o nosso sistema nervoso fica numa atividade incessante que leva ao adoecimento",
"Esse é o mal da humanidade e, hoje em dia, existe uma incapacidade de parar e uma necessidade de se preencher com tantas coisas ao mesmo tempo. A gente vira um empilhamento de situações que não dá para dar conta. Parar significa tirar todo esse peso e soltar no chão para relaxar", conclui Joaquim.
Contato com a natureza
Atualmente dedicada a uma vida mais leve e desacelerada, Marcia Zanchi, de 54 anos, é formada em educação física, ioga e cursa nutrição. Para ela, que mora em um sítio no Aquiraz, é muito importante estabelecer o contato com a natureza no dia a dia. "A primeira dica que dou para quem quer focar é ter contato com a natureza. Tem gente que pergunta 'Mas como eu faço isso se só tem cimento ao meu redor?' Mas, mesmo que você trabalhe num prédio imenso ou more em apartamento sem nenhuma plantinha em casa, você pode olhar para o céu", diz.
"No intervalo do cafezinho, abre a janela. Sempre tem como dar um jeito de ir ao setor com um pouquinho de espaço para você olhar para o céu e respirar. A segunda sugestão seria reservar um tempinho no seu dia para se dedicar a algo que não seja agenda, protocolo de trabalho, que não seja esperada uma meta, sabe? Por exemplo, cuidar de uma plantinha", prossegue Marcia.
A professora finaliza: "A terceira e última dica seria fazer atividades na natureza, como caminhar descalço numa praia deserta, pois não adianta ir para ficar embaixo da barraca sem pegar sol, sem olhar para o mar, tomando bebida alcoólica e ainda com música alta, né? É importante caminhar sem muitas pessoas ao redor e olhar para o horizonte. Se não gostar de sol, tudo bem. Dá para tentar ir para um parque, como o do Cocó ou o do Barreto, caminhar um pouco, deixando o celular no carro".
Tatiana Fortes, 42 anos, também dá aulas de ioga e defende a atividade como uma importante atividade de concentração. "O principal objetivo da ioga é diminuir as flutuações da nossa mente e a principal ferramenta que a gente usa para isso é a respiração. Quando uma pessoa foca na sua respiração, automaticamente isso traz mais atenção e ajuda muito a nossa mente a relaxar", explica.
"De forma resumida, a ioga é uma ferramenta que nos ajuda a atravessar a vida. Essa ferramenta usa outras ferramentas para trazer a gente para uma observação de si, para uma pausa que acaba a mente. E uma mente calma não necessariamente é uma pessoa zen e sem problemas. Uma mente calma é uma mente organizada, que consegue entender o que é seu e o que é do outro", resume Tatiana.
Atividades para focar
A partir da experiência e das indicações dos entrevistados, confira dicas de atividades que ajudam a desacelerar para inserir na rotina:
Desenhar
a partir de
seus sentimentos
Pintura
livre
Cozinhar sozinho novas receitas, sem usar telas ou ouvir música em paralelo
Passeios ao ar livre com a família
Caminhada no começo da manhã ou fim da tarde ao ar livre
Escrever diariamente sobre seus sentimentos
Praticar atividades físicas sem nenhum estímulo sonoro
Atividades sexuais sem auxílio de telas
Tomar um vinho ou um chá sozinho
Andar descalço na areia da praia
Onde pausar
Confira a seguir indicações de locais para se desconectar da internet e relaxar sozinho:
Praça das flores
Onde: Av. Des. Moreira - Aldeota
Parque do Cocó
Onde: Av. Padre Antônio Tomás, s/n - Cocó
Parque Adahil Barreto
Onde: Rua Major Virgílio Borba, 177 - Dionísio Torres
Praia da Sabiaguaba
Onde: R. Prof. Valdivino, 218 - Sabiaguaba
Cachoeira Paraíso
Onde: Estrada do Cetrefp, s/n - Pacatuba - CE
Trilha Caminhos
de Ibiapaba
Onde: Área de Proteção Ambiental (APA) Serra da Ibiapaba
Cachoeira Urubu
Ecoparque
Onde: Sitio Correios Zona Rural, Guaraciaba do Norte - CE
Floresta do Curió
Onde: Av. Professor José Arthur de Carvalho, 644-1002 - Lagoa Redonda
Praia dos Picos
Onde: Icapuí
Praia de Guriú
Onde: Guriú, Camocim