"Abri a casa, abri a cara, abri a caixa torácica", confessa Letícia Novaes na faixa "As feras, essas queridas", carro-chefe de seu último disco, "Letrux Como Mulher Girafa".
Em entrevista por telefone com o Vida&Arte, a carioca de 42 anos, que assina como Letrux, também se abriu do outro lado da linha. Ao retomar as libertações que deram origem ao álbum, a conexão com o mundo animal e a parceria que desenvolveu com Lulu Santos, Letrux prepara "suas feras" para o show deste sábado, 14, que integra a programação da terceira edição do Fotofestival Solar.
O POVO - Depois de quase 10 anos parados, vocês decidiram retomar o projeto Letuce) para alguns shows. De onde surgiu essa vontade?
Letrux - Na verdade, não foi uma ideia nossa inicialmente, mas abraçamos a proposta. Existe um selo de vinil, "Romaria Discos", que lançou o primeiro disco da banda e alguns meus individuais. Eles nos procuraram sobre os 15 anos do disco, em dezembro, e sugeriram um vinil comemorativo. No início, ficamos receosos, pois minha voz de 15 anos atrás era bem diferente, mais inocente. Mas depois pensei: "A vida é assim, essa é minha trajetória". Não dá para camuflar o passado. Então, fizemos o vinil, e depois o selo sugeriu fazer um show. Nunca tinha pensado nisso, mas achei interessante, topamos. Ainda não fizemos no Rio, mas em São Paulo foi como abraçar nosso passado com uma nostalgia saudável. Era algo que merecíamos.
OP - Você volta a Fortaleza com show em homenagem ao cantor Lulu Santos. Como foi a sua parceria com ele em "Zebra"? Como surgiu a ideia desse show?
Letrux - O show surgiu a partir de um festival no Rio, o Doce Maravilha, que convida artistas para interpretarem outros artistas. Nos deram liberdade para escolher e pensamos: "Já que Lulu canta 'Zebra' no novo disco, vamos aprofundar a obra dele".
No show em Fortaleza, claro, tocaremos também nossas músicas, será metade Lulu, metade Lelê (de Letícia). Shows em festivais são curtos, mas em Fortaleza será maior. Isso dá um alívio para o artista explorar o repertório.
Sobre a parceria com Lulu em "Zebra", há mais de 10 anos, ele elogiou o Letuce (duo com Lucas Vasconcellos) no Twitter, e a partir daí começamos um flerte virtual. Pensei que enfim seria legal firmar uma parceria musical. Pensei nessa faixa, porque o Lulu para mim é uma zebra: um animal que é, ao mesmo tempo, chique e superpop.
OP - Falando da parte literária, o "Tudo que já nadei" (2021) e o "Zaralha" (2015) são livros extremamente confessionais. Como você diferencia a Letícia compositora e a Letícia escritora? Elas se misturam em algum ponto?
Letrux - É difícil, porque tudo tem a minha mão. Tudo tem minha cabeça, meu coração, minha barriga. Eu vejo como algo quase divino, no sentido de que, de alguma forma, uma coisa nasceu como melodia e outra veio como contos ou histórias. Não consigo distinguir completamente.
OP - Sobre o disco "Letrux Como Mulher Girafa", como surgiu a aproximação com o mundo animal? Quais as principais angústias que deram força para esse último álbum?
Letrux - Acho que a pandemia teve um grande impacto. Já estávamos saindo da pandemia, mas eu ainda estava um pouco hipocondríaca e com muitos traumas. O disco foi lançado em junho de 2023, depois de termos ficado muito tempo enjauladas, então, nesse período, sentia essa necessidade de "soltar as feras".
Durante a pandemia, eu tive muitos insights sobre o mundo animal, inclusive li "Revolução dos Bichos" e passei a me aproximar mais de animais. Foi a primeira vez que me apaixonei por um gato e fui amada por um gato também. A solidão da pandemia me fez refletir e toda a questão animal ficou muito latente para mim. Tive uma sensação de que, em alguns momentos, eu estava mais para um bicho. Esse disco saiu desse lugar de se sentir meio bicho e pensar no quanto de bicho que temos em nossa existência humana.
OP - Durante os seus shows, e sobretudo no "Em Noite de Climão", você traz muito a libertação da culpa. Você sempre teve essa boa resolução consigo?
Letrux - Eu estudei em um colégio bem católico, e acho que a resolução da culpa é um processo eterno. Quando grito, é meu processo psicanalítico, de libertação e que bom que estamos em um show.
OP - Do "Em Noite de Climão" ao "Mulher Girafa" existem quase sete anos de carreira. Como os frutos do seu primeiro disco contribuíram para a sua visão de mundo?
Letrux - Acho que tudo foi uma montanha-russa eterna. Tivemos um desgoverno, pandemia, e a volta do Lula. Não consigo pensar na minha existência sem o contexto político, sem o movimento social que acontece.
Eu lembro da eleição de 2018 que percebi que o público LGBTQIA , que sempre me apoiou e pagou minhas contas, estava sendo ameaçado diariamente.
Fui observando a força das pessoas em querer alguma mudança em contraposição à dificuldade que esse País ainda tem em falar sobre certos tabus.
A luta por democracia e contra o racismo, homofobia, transfobia, é eterna e perene. Talvez a Letícia de 2017 acreditasse que, em 2024, algumas questões já teriam sido resolvidas, mas vejo que isso não aconteceu. Isso me cansa, mas continuo na luta, esperançosa.
OP - Qual a sua relação com Fortaleza? O que o público pode esperar?
Letrux - Eu amo Fortaleza! Toda vez que vamos, tentamos ficar mais tempo, para ir a praia, passear, curtir a cidade. A última vez que tocamos em março, foi inesquecível, uma catarse coletiva.
A Estação das Artes é muito especial, com uma vibração única. E quando soube que o show seria novamente lá, fiquei feliz, pois guardo esse dia e aquele palco com muito carinho.
Letrux em Fortaleza
Quando: sábado, 14,
às 21h30min
Onde: Complexo Cultural Estação das Artes (rua Dr. João Moreira, 540 - Centro)
Gratuito
Instagram:
@solarfotofestival
Conheça o artista:
@leticialetrux