"Eu descasco o coco com o dente, furo com o dente, quebro na bunda, quebro com o pé, quebro com o cotovelo, coco seco e coco verde". É com essa rima que o artista de rua Eduardo Show da Vida conta sobre a forma divertida com que leva a vida fazendo shows pelos pontos turísticos e teatros de Fortaleza.
A princípio essa descrição pode espantar quem a lê. Mas ao assistir ao acrobata, que já tem passagens pelo circo, fato que o ajuda com toda desenvoltura, é possível entender tudo que ele é capaz de fazer.
É com acrobacias, piadas sobre o cotidiano e andando com os pés para cima que o baiano, que mora há 30 anos em Fortaleza, chama atenção das pessoas. Ao lado, sua fiel companheira de vida, que chama de "palco móvel": a cadeira de rodas.
Se você já passou pela praça José de Alencar, no Centro de Cidade, ou pela Praça do Ferreira e Beira Mar, com certeza já se deparou com Eduardo se apresentando e usando o próprio corpo como um instrumento para levar alegria para as pessoas.
Natural de Ubatã, no sul da Bahia, Antônio Eduardo Barbosa de Souza teve paralisia infantil com um ano, fato que não o fez enxergar a vida de uma forma triste ou injusta. "Com cinco anos, comecei a fazer traquinas dentro de casa, dando dor de cabeça para o meu pai e minha mãe, que falavam 'meu filho, faça isso não. Você vai cair'. E eu continuava. Fui aprendendo coisas que não era para aprender, até ganhar uma cadeira de rodas. Aí tudo que fazia no chão passei a fazer na cadeira. Tomei duas, três quedas, até me acostumar com elas", relata sorridente relembrando os fatos.
E assim começaram as primeiras apresentações nas ruas. Aos 10 anos começou a "cair pelo mundo sozinho", como gosta de descrever, chegando a dormir em praças e rodoviárias. "Ninguém queria me hospedar porque eu era menor. Aí, quando eu completei 18 anos, foi que a coisa começou mesmo. Comecei a cair pelo mundo, saí de Ubatã e caí aqui em Fortaleza. Já tem 30 anos que moro em Fortaleza e aqui as portas abriram para mim", conta.
Devido à deficiência, Eduardo é aposentado. Com esse dinheiro consegue pagar as contas e manter a casa, mas revela que seus shows o ajudam muito com a renda no fim do mês. Ele é casado com a dona de casa Ana Carolina e juntos têm a filha Ana Steffany - que, assim como o pai, é do mundo das artes. "Ela quer fazer tudo. Balé, jiu jitsu, teatro... Ela sempre falou para mim que, quando estivesse maior, o balé não podia faltar", relata com um sorriso no rosto, lembrando da filha.
Sem se deixar abater pelas limitações e transformando-as em oportunidades, ele mostra que com vontade e criatividade qualquer desafio pode ser superado. Eduardo realizou sua primeira apresentação em teatro - no caso o Theatro José de Alencar - com o espetáculo "Cabaré da Desgraça", onde conheceu seu produtor e hoje amigo Alysson Lemos. Ruim de datas, ele não lembra quando foi.
"Através do 'Cabaré da Desgraça', eu conheci meu produtor e empresário e fiz meu primeiro show no Festival de Circo, com meu amigo Márcio Show. Depois disso começamos a fazer shows nas ruas e teatros", rememora.
Questionado sobre preconceitos sofridos ao longo da vida, Eduardo, com um sorriso no rosto, conta que o problema está em quem vê as pessoas e as julgam. "Eu não sei nem o que é uma tristeza na vida. Eu estou o tempo todo brincando, sorridente, dando bom dia ou boa noite para todo mundo. As pessoas chegam para mim e falam 'eu saí de casa triste, reclamando e você hoje me deu uma lição'. Eu respondo sempre com um 'obrigado e continue sempre assim'", celebra.
Acessibilidade em Fortaleza
Eduardo Show da Vida, conta que umas das principais dificuldades que enfrentou ao chegar na Capital cearense foi a falta de acessibilidade pelas ruas, principalmente em seus principais pontos de apresentações.
“Quando cheguei em Fortaleza, enfrentei muitas dificuldades, de cara percebi que não tinha rampas para cadeirantes. Foram muitos anos sem rampas espalhadas pela praça (José de Alencar). Mas depois de tantas reclamações, algumas foram espalhadas pelos locais e isso me ajudou muito”, revela.
Além da falta de rampas, outra reclamação do artista é os obstáculos que já enfrentou para pegar ônibus ou carros de aplicativos, citando como exemplo o Uber.
“Para pegar um ônibus era difícil, eu saía de casa às 8 da manhã e ia conseguir pegar o ônibus às 10 horas da manhã para ir para a praça do José de Alencar. Os ônibus sempre apresentavam elevador quebrado. Pegar um táxi também era a maior dificuldade, ninguém queria carregar a cadeira ali no bagageiro, reclamavam que iam arranhar o carro. Depois comecei a fazer amizade com os taxistas aqui na Praça José Alencar e ficou mais fácil”, pontua.
E continua: “ O Uber quando chega na minha presença cancela a viagem. Porque o transporte mais difícil para um cadeirante pegar hoje é o tal do Uber, eles botam toda dificuldade”, reclama.
Mas as dificuldades para locomoção e sofrimentos para pegar transportes públicos ou táxis ficam para trás. Hoje Eduardo possui uma moto adaptada que conseguiu através de um sorteio.
“Um dia vi na internet uma moça lá de João Pessoas com uma motinha igual a que tenho hoje. Aí coloquei na minha cabeça: ‘um dia vou ter uma moto igual a essa’. E, com um prêmio que recebi, a primeira coisa que fiz foi investir no meu transporte”, conta orgulhoso sobre sua conquista.
Eduardo: O Rei das Praças
E para deixar registrado toda sua história e contar sobre ela para as pessoas, que ainda não a conhecem, surgiu a oportunidade de fazer o espetáculo “Eduardo: O Rei das Praças”, com o apoio do Edital Funarte Retomada Circo 2023.
Na apresentação, o público pode mergulhar de maneira poética na vida do artista, que narra o próprio espetáculo, apresentando outras faces de sua vida de uma maneira divertida e sincera.
Em cena, Eduardo também divide o palco com Alysson Lemos, amigo, empresário e produtor. A relação de amizade dos dois iniciou lá em 2012 e desde então, seguem com a parceria em cima dos palcos.
“Desde então cultivamos uma amizade e trabalhamos juntos em outras oportunidades, em teatros, escolas, e essa aproximação e ouvir as histórias de vida do Eduardo me deu o start para pensar que essa história tinha que ser compartilhada com mais pessoas, é uma trajetória única”, conta.
Para Lemos, a maior dificuldade durante a montagem do espetáculo foi entender como dois artistas de rua estariam em um teatro fechado, pois o jogo com o público era a maior marca do trabalho de Eduardo.
“Com o tempo entendemos e buscamos trazer a atmosfera das ruas para dentro do palco, através desse frescor do improviso e de um diálogo constante com o público durante as cenas”, diz.
Com o fim da temporada de apresentações de 2024, Alysson conta que os planos é viajar pelo Brasil com o espetáculo.
“Esse trabalho foi criado visando ter uma boa circulação, estamos com uma excelente equipe e um espetáculo, modéstia à parte, muito potente. Temos já uma mostra fechada em Brasília e contatos abertos com alguns espaços de São Paulo e Minas Gerais, estamos na torcida para que tudo ocorra de forma positiva”, revela.
Conheça mais o artista
Instagram:
@eduardo.showdavida
Contato para apresentações: (85) 9844.3921