De origem da língua tupi, o nome do município de Aracati vem da corruptela de ara (tempo) e catu (bons), significando "terra de bons ventos".
Resgatando memórias de Aracati e promovendo um trabalho de conservação e recuperação fotográfica, chega ao Centro Cultural Belchior a exposição "O olhar Abílio: Sacralidade Profana e Profanidade Sagrada". A mostra revisita, por meio de 10 fotografias, a vida e obra de Abílio Bezerra Monteiro, fotógrafo cearense que registrou as mais diversas facetas da cidade mais populosa do vale jaguaribano.
Com mais de 50 anos de documentação fotográfica, Abílio capturou movimentos políticos e religiosos, os carnavais, os cemitérios de anjinhos, e foi responsável por registrar acontecimentos históricos do município, como as inundações de Aracati em 1917, 1922 e 1924, além de obter imagens do primeiro desastre de aviação no Ceará, o acidente aéreo do Junkers 218 nas margens do Rio Jaguaribe.
Para Moacir Ribeiro, produtor da exposição, a seleção de imagens reúne de forma coesa o ideal proposto pelo subtítulo da exposição. "Nas imagens, temos a mistura do sagrado, a cultura de terreiro, com os carnavais e as festas religiosas. Quisemos mostrar que o olhar de Abílio não se limitava a caixinhas, e que nas festas religiosas há um quê de profanidade, assim como no carnaval e nas festas populares há um quê de sacralidade também", afirma o contador.
Por meio de um resgate histórico que documentou o modo de vida de diversas famílias cearenses no início do século 20, Abílio também resgatou manifestações que, por vezes, haviam sido apagadas no imaginário popular da cidade. De extremo vínculo religioso, Abílio foi um dos fundadores da Irmandade do Santíssimo, entidade católica voltada a zelar pela eucaristia e servir à igreja. Apesar da religiosidade, o compromisso com a Igreja Católica nunca lhe limitou a fotografar diferentes credos e manifestações que divergiam dos seus.
"Ele mostrava Aracati de uma forma que pouca gente conhecia. Por exemplo, o Maracatu não é citado em nenhum momento na história de Aracati, mas, por conta dessas fotos, conseguimos resgatar um aspecto da cultura negra, que teve um apagamento gigantesco entre todos os historiadores da cidade", relembra Moacir.
Tradicionalmente, Abílio era funcionário público federal, responsável pela mesa de renda, e desenvolvia, paralelamente, atividades no comércio. De acordo com pesquisas, o hobby surgiu por volta de 1908, quando foram documentadas diversas cartas escritas em nome de Abílio para a empresa do fotógrafo Marc Ferrez, no Rio de Janeiro, responsável por importar o material fotográfico vindo da Europa, necessário para o exercício da fotografia analógica.
À época, a técnica incipiente exigia o uso de negativos de vidro, que consistia em uma chapa de cobre coberta com uma camada de prata polida e dependia de uma mistura de mercúrio para formar os contrastes das imagens. Hoje, o acervo iconográfico de Abílio é um dos poucos que evidencia o uso dessa técnica, que foi aplicada ainda em seus primórdios. Desde a morte do fotógrafo, ele é mantido por Raimundo Nonato Monteiro, neto de Abílio e professor.
O encontro de Raimundo com Moacir aconteceu em um contexto de busca por amparo jurídico, quando as fotos de Abílio estavam sendo compartilhadas sem os devidos créditos nas redes sociais. A fim de remediar a disseminação, Raimundo procurou Mirella Costa, advogada especializada em Direito Autoral e Propriedade Intelectual, e esposa de Moacir. Dela que partiu a premissa que, para essa apropriação, era necessário, primeiramente, resgatar a vida e obra de Abílio e começar a divulgá-la por meio de exposições.
A partir desse ponto, Mirella se tornou curadora das exposições e é uma das responsáveis por desenhar um fio condutor que conecta os diferentes assuntos das imagens expostas. Hoje, os três mantêm uma relação de companheirismo e dedicação mútua ao resgate e preservação da história de Abílio e, consequentemente, de Aracati.
Atualmente, residindo em Icapuí, Raimundo leciona língua portuguesa, redação e literatura em diversas escolas do município. Em sua residência, arquiva os diversos negativos do primeiro fotojornalista a reportar as municipalidades cearenses que fugiam da Capital.
Segundo Raimundo, poder ver as imagens de seu avô circulando entre diferentes espaços, localidades e contextos é a realização de um grande sonho e objetivo. "Eu fico muito orgulhoso em ver as imagens sendo vistas por tanta gente, porque essa exposição é o olhar de meu avô. Desde que ele morreu, eu tenho preservado como posso, mas é muito bom ver esse reconhecimento e participação externa", comenta o professor.
O Olhar Abílio: sacralidade profana e profanidade sagrada