Clint Eastwood, que bom, está de volta. Aos 94 anos, com uma carreira longa e brilhante, o ator e diretor premiado retorna para explorar as complexidades da natureza humana e do sistema judicial em "Jurado Número 2", thriller de tribunal que estreou no Brasil sem passar pelas salas de cinema, direto nos canais de streaming (Max, incluído na assinatura, ou aluguel direto no Amazon Prime). Vencedor de quatro Oscars - melhor diretor e melhor filme com "Os Imperdoáveis" e "Menina de Ouro" - e de uma vasta coleção de sucessos, Eastwood dirige uma história forte, fazendo o espectador refletir desde o primeiro minuto sobre ética, moralidade e se colocando no lugar dos personagens a todo momento.
A história está concentrada em Justin Kemp, interpretado por Nicholas Hoult. Ele é casado e sua mulher está na última semana de uma gravidez de risco, mas ainda assim ele é chamado para servir como jurado em um tribunal da cidade de Savannah, na Geórgia. Justin tenta se livrar, sem sucesso, da convocação, e a partir daí passa a se confrontar com uma coincidência rara e assustadora. O julgamento é de James Sythe (Gabriel Basso), acusado de matar a namorada após uma discussão na saída de um bar. Contudo, à medida que as evidências começam a se revelar, Kemp percebe, logo nos primeiros minutos, estar totalmente ligado ao crime. Tal envolvimento gera desespero imediato e a tensão interna proporciona questionamentos morais e angustiantes, em um ótimo trabalho de Hoult, refletindo genuíno desespero.
A eficaz estrutura da película está dividida em duas partes. Na primeira, o foco está no caso em si, com a apresentação das provas, depoimento de testemunhas e dos argumentos apresentados por defesa e acusação. É uma introdução densa, mas que estabelece as bases objetivas e claras para as ações da segunda metade do filme, quando a deliberação na sala de jurados passa a ser destaque absoluto, com Kemp tentando - de todas as formas possíveis e sem nada revelar do que sabe e fez - convencer seus 11 colegas da inocência do acusado.
Tomo a liberdade aqui para explicar algo fundamental no aspecto legal, com influência direta na história. O julgamento pelo júri nos Estados Unidos exige que todos os 12 jurados cheguem a um veredicto unânime para que uma condenação ou absolvição seja alcançada e há permissão para que todos durmam em casa, ainda que uma decisão não tenha sido tomada. Esse processo é muito diferente do Brasil, onde um júri é composto por apenas sete pessoas, bastando a maioria para decidir qualquer resultado, e todas são impedidas de deixar o prédio do julgamento até a decisão final.
A interação entre os jurados, portanto, é um dos pontos altos das quase duas horas de exibição. Eles entram em conflito perene tanto em função das diferentes perspectivas pessoais, como por causa das evidências do caso específico. Muitos, como o policial Harold (o sempre ótimo J. K. Simmons), estão dispostos a gastar tempo avaliando e questionando as nuances, enquanto outros querem simplesmente acabar logo com a tarefa por preguiça, má vontade ou preocupações familiares. O contraste de atitudes dentro do júri coloca em foco a complexidade do cenário, no qual a certeza absoluta, muitas vezes, se perde no meio das falhas humanas.
Outras questões jurídicas são colocadas em xeque pelo roteiro (o corpo de jurados visitando o lugar do crime é um exagero que poderia ser evitado, inclusive) e aí ganha destaque a promotora Faith Killebrew, interpretada por Toni Collette. Ela busca insistentemente a condenação de James Sythe e embora haja a intenção primária de fazer justiça, se vê confrontada com os limites processuais. Por vezes, fica mergulhada em um comodismo de uma investigação direcionada a um único suspeito, sem profundidade adequada ou preocupação em preencher lacunas óbvias, mas quando são reveladas falhas, a personagem ganha corpo, representando a ambiguidade de uma condução longe de ser infalível, deixando evidente que erros são inevitáveis, seja por equívocos humanos, seja pela pressão do contexto.
Com uma direção precisa e um elenco em ótima forma, Clint Eastwood nos apresenta dilemas bem explorados como um grande condutor para a reflexão moral do espectador, aprofundando a crítica ao sistema judicial, onde os conceitos de verdade e justiça podem ou não caminhar lado a lado. Caso "Jurado Número 2" seja efetivamente o encerramento de carreira do diretor, será em grande estilo.
Serviço
Jurado Nº 2
Disponível na Max (incluído na assinatura) ou Amazon Prime (aluguel direto)