O escritor Miguel Bonnefoy, vencedor do prêmio Femina 2024 por seu romance "O Sonho do Jaguar" é há anos protagonista de uma aventura singular na literatura francesa: narrar a exuberância da América Latina na língua de Descartes. "Escrevo diretamente em francês porque estudei em liceus franceses no exterior. Mas o espanhol é a minha língua materna e tenho grandes esperanças de um dia poder publicar diretamente em espanhol", conta o romancista franco-venezuelano em entrevista.
Desde que publicou o seu primeiro conto em 2009 ("La maison et le voleur" ou "A casa e o ladrão", em tradução livre), Bonnefoy tem vencido prêmios literários na França para cada uma de suas obras. Sua mais recente criação faturou o prêmio Femina e o Grand Prix de romance da Academia Francesa.
O prêmio Femina é concedido por um júri exclusivamente feminino. Nasceu em 1904 em oposição à mais importante premiação da língua francesa, o Goncourt, que na época privilegiava os escritores masculinos. "É um prêmio que esperei por dez anos", declarou o vencedor no Museu Carnavalet de Paris, onde o anúncio foi feito.
"O Sonho do Jaguar" é um livro que "estava em seu coração há 20 anos", diz ele: contar a história de sua família a partir da epopeia de seu avô materno, Antonio, abandonado ainda bebê nos degraus de uma igreja em Maracaibo.
Anteriormente, com "Herança", abordou a história de sua ascendência paterna no Chile. Seu pai exilou-se na França depois de ter sido torturado pelo regime de Augusto Pinochet. Já sua mãe era uma diplomata venezuelana.
E com "El viaje de Octavio", narrou o encontro entre um homem analfabeto e uma atriz de Maracaibo que ensina-lhe a ler e a escrever.
Miguel Bonnefoy assume este papel de "desertor" de culturas e línguas. "As duas línguas estão muito presentes na minha vida e no meu inconsciente. Sou verdadeiramente um mestiço total", declara.
O autor assume a influência do realismo mágico, de escritores como Gabriel García Márquez e Alejo Carpentier ao construir "O Sonho do Jaguar", um romance que narra, em francês, os cheiros e sabores do Caribe de suas raízes hispânicas.
"Quando escrevemos em francês sobre um mundo explosivo, vulcânico, cheio de labirintos e ramificações, retornamos a essa poesia africana muito animista. Sou um ávido leitor disso", afirma. A versão em espanhol da obra será lançada no fim de 2025.
Bonnefoy foi traduzido em cerca de vinte línguas e emprestou a sua própria voz para as versões de áudio de alguns de seus livros.
Quando publicou seu primeiro conto, vivia na Venezuela, onde trabalhava há três anos para o governo do então presidente Hugo Chávez. O sucesso desta primeira incursão literária na França levou-o a deixar o país de seus antepassados. Pouco tempo depois, o mandatário morreu (março de 2013).
"Percebi que, com a morte de Chávez, estava sendo virada uma página na grande mitologia política venezuelana", experiência que poderá ser narrada em um romance, diz.
Mas antes, terá de encontrar o estilo para narrar essas experiências. "Nesse sentido, sou um aiatolá do estilo literário. Dedico tempo, trabalho sem fim" para encontrar "essa música", conclui. (Jordi Zamora e Hugues Honore/ AFP)
Votos
A obra de Bonnefoy "O Sonho do Jaguar" levou o Femina com cinco votos, contra quatro da francesa Emma Becker com "Le Mal joli".
Prêmio para Alia Trabucco
Outra escritora sul-americana foi premiada com o Femina de romance estrangeiro: a chilena de origem palestina Alia Trabucco Zerán, por "Limpa". Filha do cineasta Sergio Trabucco, esta escritora narra a história de uma mulher que trabalha como empregada doméstica de um abastado casal de Santiago.
"É uma honra que 'Limpa' seja o primeiro romance latino-americano a obter o prêmio Femina estrangeiro", declarou a autora no evento realizado no Museu Carnavalet, em Paris. "Trata-se de um livro que se questiona, entre outras coisas, quem tem direito a uma voz e quais vozes são silenciadas", acrescentou em espanhol.
Alia Trabucco é formada
em Direito e atuou como advogada especializada em direitos humanos ao mesmo tempo em que iniciou sua carreira literária. Mestre em escrita criativa pela Universidade de Nova York, ela estreou com "O resto", premiado em 2014 como Melhor Obra Literária Inédita pelo Conselho Chileno de Artes.
Também foi concedido um prêmio especial ao irlandês Colm Toibin por "Long Island". (AFP)