"Estou dividido entre o medo de não ser reconhecido por ninguém e o de não reconhecer nada", sussurra uma voz sombria sobre a tela escura. Quem está falando, porém, não é uma pessoa, mas uma das centenas de estátuas que foram saqueadas da região que hoje é República do Benim, na África Ocidental, por tropas da colonização francesa no final do século XIX.
Mais de 130 anos depois algumas delas são levadas de volta à terra natal por conta de um acordo estabelecido com a França, evento que aparece no filme sendo alardeado também pela imprensa local como um momento "histórico". Essa ficção da voz em tom confessional que surge de forma intermitente aos relatos joga a pergunta repetidas vezes para a plateia: o que sentiriam esses artefatos após tanto tempo em cativeiro?
De família senegalesa, sobrinha do cineasta Djibril Diop Mambéty, Mati Diop já tinha elaborado o sobrenatural vinculado à realidade social no seu filme anterior, "Atlantique" (2019), que dramatiza a tragédia de homens que partiam de Dakar pelo oceano em busca de outra vida na Europa e voltavam como fantasmas. Em "Dahomey", grande vencedor do Festival de Berlim 2024, Diop imagina a voz desses 26 objetos para personificar tudo aquilo que representam além da materialidade.
Quando chegam ao país africano, os artefatos são recebidos com celebração e formalidade à altura de uma cooperação bilateral. Enquanto os caminhões parecem desfilar pela rua, homens e mulheres dançam em sincronia, os operários pausam seus trabalhos para tirarem uma foto e motos compõem uma espécie de peregrinação atrás dos caixotes ainda lacrados.
Passada a euforia, porém, essa presença quase fantasmagórica de uma Benim que nem tinha esse nome quando foram raptados, começa a encontrar sua verdadeira discussão. Uma assembleia passa a debater sobre as sensações ocultas desse gesto, questionando não apenas sua natureza política, como também a configuração da própria sociedade beninense, ainda refém até da língua colonizadora.
Em um momento de partilha, alguém comenta que isso sequer era ensinado apropriadamente na sala de aula. Outro pontua que cresceu assistindo "Tom & Jerry", um desenho americano, sem ser estimulado a descobrir e compreender seu próprio patrimônio cultural, ponderando inclusive a acessibilidade dos museus para as pessoas que moram em regiões distantes. Mesmo em casa, aquelas figuras pareciam forasteiras ao olhar comum. "Restituir 26 obras de sete mil é um insulto", diz alguém em tom efusivo. Ainda surgem à mesa religião, costumes e ausências de outras origens - como a fome - de toda forma ainda conectadas ao desamparo do país em seu processo de independência.
Nascida na França, Diop é esperta por fazer um filme observacional, sem ponto final, criado de forma súbita para não perder o momento e suas discussões. Com pouco mais de uma hora de duração, sabe ser enxuto no propósito de iniciar uma longa conversa sobre como as consequências seculares de invasões nunca deixaram de ecoar pelo mundo - equação que encontra o maior mistério não na romantizada ideia do retorno, mas no significado daquilo que permanece. O documentário está disponível no streaming da MUBI.
"Dahomey"