1º de janeiro marcou não só o início de um novo ano, mas também a saída de Claire, personagem da série "Eu, a Patroa e as Crianças" (2001-2005), do castigo após 23 anos. Interpretada por Jennifer Freeman, a adolescente de 15 anos sofre a punição por tentar sair escondida de casa.
A moça queria ir para um encontro com o "crush' Tony, (Andrew McFarlane), mas é flagrada pelo pai Michael Kyle (Damon Wayans) ao tentar fugir. Ele, então, a proíbe de sair de casa por pouco mais de duas décadas. "Quer um encontro? Eu tenho um para você: 1º de janeiro de 2025. Sabe que dia é esse? É o dia que você vai poder sair dessa casa", disse o patriarca.
O ocorrido aconteceu no décimo primeiro episódio da segunda temporada da trama, exibido em 2002, mas segue sendo lembrado até hoje. Não à toa, diversas páginas de cultura pop e produtores de conteúdo do nicho lembraram da efeméride no primeiro dia do ano. Antes disso, fãs da série chegaram a criar uma página intitulada Castigo da Claire (@castigdaclaire), que estava fazendo a contagem regressiva para o final da pena desde 29 de julho de 2024, transformando o acontecimento em um meme.
Uma das principais formas de se comunicar na internet, o meme é definido como um "fenômeno que atravessa vários gêneros textuais", segundo o pesquisador em Linguística Textual Rafael Oliveira. "Essa visão se ampara na compreensão de que os memes possuem grande diversidade composicional, temática e estilística", explica o acadêmico.
"Apesar dessa diversidade, os memes carregam pelo menos três traços em comum: a intertextualidade, característica que lhe é constitutiva, o aspecto de viralização e o propósito humorístico (que também pode ser crítico)", continua Rafael. Larissa Silva, professora de Língua Portuguesa, por sua vez, percebe o meme como um gênero textual.
"Segundo Bakhtin, os gêneros do discurso são tipos de enunciados relativamente estáveis que possuem um propósito comunicativo, ou seja, se analisarmos o meme veremos que se trata de um tipo de texto que combina linguagem verbal e não verbal que há um propósito de comunicar algo e por vezes até criticar, utilizando-se do humor para isso", explica a docente que costuma usar memes em sala de aula.
Além do castigo de Claire, outras datas importantes se tornaram emblemáticas na internet. Um exemplo é o famoso 3 de outubro, que corresponde à cena do filme "Meninas Malvadas" (2004), na qual Aaron Samuels (Jonathan Bennett) pergunta a Cady Heron (Lindsay Lohan) qual é a data do dia, dando origem ao icônico diálogo: "Em 3 de outubro, ele me perguntou que dia era. 3 de outubro."
Ou ainda o 20 de setembro, que ficou marcado no X (antigo Twitter) como o dia em que Pabllo Vittar "passará mal". O meme viralizou em 2017 por causa do cartaz do Pepsi On Stage que trazia um show da turnê de divulgação do álbum "Vai Passar Mal", realizado em Porto Alegre. No banner, estava escrito: "Pabllo Vittar - Vai Passar Mal - 20 de setembro, às 17 horas", originando uma contagem regressiva para a data em questão.
"No caso dos memes que viram efemérides, acredito que isso ocorra porque eles estão ancorados em um data que se repete anualmente", ilustra Rafael. Apesar de serem ligados a datas, tanto o meme da Pabllo Vittar quanto o de "Meninas Malvadas" (2004) são piadas que se tornaram atemporais. Isso acontece porque esses memes vão adquirindo outros significados, de acordo com o especialista.
"Penso que isso se dá, especialmente, porque nenhum meme é igual ao outro e, com o passar do tempo, vão ganhando novos sentidos e se desprendem dos seu texto de origem. Isso é próprio do fenômeno", explica o estudioso, que faz parte do grupo de pesquisa em Linguística Protexto.
O também professor destaca que esse fenômeno não é comum a todos os memes. "Há memes que são tão fortemente ancorados no momento em que ocorrem que, passado seu contexto de origem, ninguém mais se lembra", diz Rafael ao rememorar como exemplo o meme da Pfizer, que parodiou o e-mail enviado pela empresa ao governo federal brasileiro em 2021.
Esse último exemplo também é prova da habilidade do brasileiro de transformar as mais diversas situações em piada. "Penso que isso se deve a capacidade maior de alcance e de compreensão. É muito mais fácil um internauta parar para ler um meme e interpretar a sátira, do que ler um texto dissertativo por exemplo, e analisar a crítica abordada", explica a professora de Língua Portuguesa Larissa Silva.
Rafael salienta que "embora sejam essencialmente efêmero cada meme em si, não o fenômeno como um todo, eles ajudam a compreender como a sociedade trata diferentes temas". Para o pesquisador, os memes auxiliam na análise de fatos sob diferentes perspectivas. "Só precisamos tomar cuidado com a desinformação, da qual os memes também não escapam", alerta.