Lançado em 2017, o drama brasileiro "Como Nossos Pais", dirigido por Laís Bodanzky, apresenta a história de Rosa (Maria Ribeiro). Ela almeja a perfeição como profissional, mãe, filha, esposa e amante. A personagem, filha de intelectuais e mãe de duas meninas pré-adolescentes, se vê pressionada pelas duas gerações para ser engajada, moderna e onipresente.
Ao assistir ao filme, a jornalista cearense Lina Távora desejou poder conversar com a protagonista. Ela encontrou uma solução: escrever uma carta para ela. Mesmo ficcional, a história de Rosa amplia os olhares sobre o cotidiano feminino. No início, Lina não sabia, mas seu primeiro passo culminaria em conversas com mais personagens a partir de cartas.
É assim que surge o livro "Cartas Para Elas", publicado pela Editora Segundo Selo. A obra é lançada em Fortaleza nesta quarta-feira, 8, na Confeitaria Sublime. Ao todo, a produção reúne 19 cartas escritas para mulheres. Elas abordam temas como intimidade, amizade, afetividade e amor. Em cada correspondência, a autora cria diálogos que "atravessam a ficção e a vida cotidiana", conectando suas histórias à literatura e ao audiovisual.
Os textos são direcionados a diferentes personalidades, do universo infantil ao adulto, da crise de meia-idade a processos de cura em relacionamentos. São "enviadas" cartas para personagens como Moana, Nicole ("História de Um Casamento"), Paulinha ("O último Cine Drive-In") e Silvia ("O Homem Que Copiava").
Também pesquisadora, Lina Távora tem trajetória marcada por atuações na comunicação e no audiovisual, sendo mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB). Sua pesquisa acadêmica focou no cinema nacional, com o trabalho "Cinema de Intimidade: proposta de gênero para o novo cinema brasileiro".
Ela é fundadora e integrante do Coletivo Arte Aberta, que discute questões de gênero no audiovisual. "Sempre gostei muito desse cinema voltado para o cotidiano, para a intimidade. Gosto do cinema que fala mais sobre nossas pequenas histórias do que as grandes batalhas. Esse tipo de narrativa sempre me interessou", relata.
O projeto do livro se iniciou justamente quando a autora assistiu a "Como Nossos Pais". Para Lina Távora, a obra traz "representação e representatividade das mulheres no cinema brasileiro" muito fortes, o que gerou nela a vontade de "construir uma nova possibilidade de crítica audiovisual".
Com a publicação, Lina deseja "despertar reflexões sobre o cotidiano feminino". "A ideia era trazer olhar para esse cinema íntimo, mas um olhar também mais próximo, como se eu pudesse ser amiga dessas mulheres e contar a história delas por meio das cartas", conta.
Entre os recados está a mensagem de que "não existe uma fórmula de ser mulher". Para Lina, as personagens retratadas têm em comum a "busca por autonomia e liberdade", o desejo de serem "donas da própria narrativa". Há filmes brasileiros, estrangeiros, série e até videoclipe.
"São as mais variadas narrativas, mas elas se juntam na busca de mulheres que querem carregar seu próprio arco dramático e querem chegar no ponto de virada de dizer: 'Eu quero contar a minha própria história", explica. Como exemplos de características abordadas, cita a "coragem de Moana de seguir seu próprio destino" e "Café Com Canela", um filme "que fala muito sobre processo de cura".
Cada carta é acompanhada por uma ilustração que ambienta tanto as personagens quanto introduz o conteúdo das missivas. Feitas por Bárbara Alpino, as artes foram desenvolvidas em colaboração com a autora do livro.
Quando Lina Távora terminava de escrever as cartas, compartilhava com a ilustradora e indicava cenas de referência das obras audiovisuais. "Queríamos uma visão original e íntima dessas cenas. A Bárbara construiu ilustrações belíssimas que trazem ainda mais essas visões", caracteriza.
O desenvolvimento do livro impactou a escritora a partir dos temas trabalhados: "Foi um processo também de autodescoberta, de me libertar. A autoficção também te dá um escudo. Eu me sentia protegida quando estava criando essa personagem que escrevia para outras mulheres e me sentia livre para falar sobre os mais variados temas possíveis. Foi um processo libertador".
Quanto ao lançamento nesta quarta-feira, 8, a jornalista garante estar "muito feliz" e adianta que o evento será um bate-papo sobre o livro com a jornalista Eulália Camurça. Apesar de morar longe do Ceará há quase 20 anos, ela segue reafirmando seu carinho pela terra natal e o orgulho de ser cearense.
"Na carta sobre a Cassandra, de 'Manhãs de Setembro', eu falo sobre essa questão de você sair de um lugar, mas o pertencimento continuar presente. Lançar o livro aqui, em Fortaleza, é muito emocionante para mim. É o meu lugar".
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