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Com música de Letrux, peça 'King Kong Fran' chega a Fortaleza
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Com música de Letrux, peça 'King Kong Fran' chega a Fortaleza

Assistida por mais de 100 mil pessoas em todo o Brasil, peça King Kong Fran chega a Fortaleza questionando o machismo estrutural por meio da arte da palhaçaria
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Rafaela Azevedo com o figurino do solo 'King Kong Fran'  (Foto: Nanda Carnevali/ divulgação
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Foto: Nanda Carnevali/ divulgação Rafaela Azevedo com o figurino do solo 'King Kong Fran'

Nascida e criada em Honório Gurgel, bairro no subúrbio do Rio de Janeiro, Rafaela Azevedo é vista como atriz, diretora e roteirista por muitos. Contudo, foi no meio da vida circense que a carioca, hoje com 33 anos, vivenciou experiências que moldariam os anos seguintes de sua produção artística.

Numa fusão das linguagens de circo e teatro, o solo “King Kong Fran” chega ao Theatro Via Sul neste domingo, 19. Por meio da personagem Fran, criação de Rafaela, o espetáculo convida o público a conhecer o avesso dos estereótipos femininos disseminados na sociedade.

Uma mulher fantasiada de gorila, com a boca propositalmente borrada pelo batom vermelho e um consolo de borracha entre as pernas. Partindo de referências como a atração circense Monga, a mulher gorila, é assim que Rafaela inicia a peça.

A partir de sua atuação no circo, ainda em 2012, a atriz percebeu que as mulheres estão constantemente subjugadas a papéis machistas no humor e, sobretudo, no circo — seja ocupando lugares de perfeição, como o da assistente do mágico, ou desempenhando figuras de aberração, como a mulher-gorila e a mulher-barbada.

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Provocando o choque e cativando a atenção desde o início, ao longo do espetáculo, a gorila vai se transvestindo e atingindo a forma humana, por meio da palhaça Fran.

Nesse meio-tempo, entre brincadeiras consentidas, relatos e músicas, a atriz interage com os espectadores, propondo que os homens experimentem inversões dos papéis de gênero. Piadas de cunho sexual, cantadas invasivas e propostas indecentes fazem parte da artilharia que provoca constrangimento e risos, ora pela descontração, ora pelo nervosismo.

Ao decorrer das movimentações no palco, as encenações de situações de constrangimento vivenciadas diariamente por mulheres vão perdendo o tom cômico, e instaura-se uma tensão palpável no teatro.

Para a pedagoga Júlia Pereira, é justamente através desse incômodo inverso que a vivência da peça se torna potente. E, a partir da potência, traz consigo a reflexão.

“As brincadeiras são extremamente incômodas e agressivas, e é aí que você começa a refletir sobre o que passamos de forma despercebida e como somos tratadas apenas por sermos mulheres. Quando você vê a lógica invertida, é como um soco no estômago", afirma.

Segundo a paulista de 43 anos, que foi assistir à peça a convite de uma amiga, o espetáculo continuou a ser digerido ao longo dos dias, em que, vez ou outra, cenas lhe voltavam à mente. Após assistir à sessão, Júlia passou a seguir o perfil de Rafaela no Instagram, que leva o nome da palhaça Fran (@fran.wt1).

Por meio das redes sociais, a personagem se tornou um fenômeno que acumula mais de 157 mil seguidores que acompanham seus vídeos curtos, provocativos e que tratam de situações facilmente identificáveis pelo público. E é através dessa identificação que o engajamento conquistado tem sido decisivo para sustentar o espetáculo independente, que não conta com nenhum patrocinador oficial.

Além das experiências pessoais de Rafaela, a obra conta com a direção de Pedro Brício, dramaturgo conhecido pela direção de “Show em Simonal", coautoria de “Tom Jobim Musical” e direção de “Vital - O Musical dos Paralamas”.

Na vertente sonora, a peça recebe a direção musical da artista Letrux, que conheceu Rafaela durante a pandemia, quando se propôs a fazer um curso online de palhaçaria.

Fundado por Rafaela, o Laboratório Estado de Palhaça e Palhaço é a continuidade da pesquisa da atriz sobre a comicidade a partir da prática do palhaço circense. Por meio dele, a artista oferece formações online que incentivam a criação de personagens palhaços por parte dos alunos, provando que cada criação mistura vivências do passado para ressignificar as lógicas de existir no mundo.

Tocada pela palhaçaria como forma de libertação, Letrux se junta à obra por meio da direção musical e afirma que seu trabalho foi de complementaridade, pois desde o início “Rafa já sabia muito bem o que queria".

“A música que mais tem minha cara é uma da artista Peaches, que, assim como a Rafa, é uma pessoa corajosa e transgressora. Senti que na parte musical cabia bem essa pressão”, pontua.

Ao ser questionada sobre os efeitos da peça no público, Letrux afirma que “King Kong Fran” eletrifica e, a partir disso, modifica também. “Ninguém sai ileso. E ser transformada por teatro, por uma performance ao vivo, em tempos de inteligência artificial, é maravilhoso”, acrescenta.

Desde sua estreia em 2022, a obra já foi vista por mais de 100 mil pessoas e hoje conta com agenda preenchida em turnê no Brasil e na Europa. O resultado próspero do monólogo foi consolidado em 2023 em livro homônimo, lançado pela Editora Cobogó. Além do texto da peça na íntegra, o livro conta com escritos de Viviane Mosé, Letrux, Rafaela Azevedo e Pedro Brício, que narram sobre a ressonância dos temas explicitados nos 80 minutos de espetáculo.

Indicada ao Prêmio de Humor 2023 nas categorias Melhor Espetáculo, Direção e Performance, o sentimento universal que deverá ser despertado naqueles que encontrarem Fran neste domingo será de incômodo. Incômodo esse que, segundo Rafaela, deve ser a força motriz para que cada mulher tenha um pouco mais de Fran em seus dias, subvertendo os papéis de opressão aos quais são historicamente condicionadas.

King Kong Fran

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