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Como a mediação de leituras viabiliza o acesso aos livros
Vida & Arte

Como a mediação de leituras viabiliza o acesso aos livros

Atividade é realizada em diversos espaços da capital cearense.
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FORTALEZA-CE, BRASIL, 15-01-2025: Mediação de leitura para crianças, na Biblioteca Pública Estadual do Ceará (BECE), com o grupo Zepelim de Arte. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo) (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA-CE, BRASIL, 15-01-2025: Mediação de leitura para crianças, na Biblioteca Pública Estadual do Ceará (BECE), com o grupo Zepelim de Arte. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

O ato de promover aproximação entre leitores e livros é chamado de mediação de leitura. A atividade é uma forma de promover o contato com a literatura por meio de encontros e rodas de conversa. "Mediação de leitura é um conceito polissêmico, por isso diz-se das 'mediações de leitura'. Todavia, não obstante suas inúmeras variáveis, por denominador comum teremos sempre dois elementos concomitantes: o encontro e a obra literária", explica Tiaia Tavares, uma das idealizadoras do projeto Cabinhas Leitores, no bairro Padre Andrade.

A interação é fundamental para que haja uma mediação de leitura, segundo o professor Elivelton Gadelha. "Você pode considerar principalmente a vivência, as características desse público, para a partir daí você fazer a leitura de uma maneira ou de outra, chamando atenção para um fato ou outro, de uma história", pontua o docente que realiza a atividade para estudantes da Escola Municipal Professor Fábio Coutinho, em Cascavel, distante 63 quilômetros de Fortaleza.

Uma das responsáveis pela biblioteca comunitária Papoco de Ideias, Argentina Castro aponta que para uma mediação de leitura acontecer é necessário mais de uma pessoa. "É uma conversa sobre um livro, um texto. É um convite, uma proposta, uma situação de muitos sentidos que envolve, no mínimo, duas pessoas e uma delas pode ou não ser alfabetizada".

"No entanto, o texto pode estar escrito ou não. A vida é cheia de textos. Ela é textual, permeada de narrativas", continua a mediadora. "Você vê uma lua cheia num céu cheio de estrelas no escuro do sertão. Quantas palavras, imagens, sentimentos, pensamentos, memórias, sentidos são acionados com essa imagem?", indaga.

"O que essas situações tem a ver com mediação de leitura? Tudo! Não se faz mediação de leitura somente de/com livros. Um bom mediador de leitura media vida", diz Argentina, que mantém a Papoco de Ideias ao lado de sua família. Qualquer pessoa pode participar de uma mediação de leitura, ilustra Argentina. "Esse alguém pode ser uma criança, um idoso, um jovem. Uma pessoa alfabetizada ou não. A mediação de leitura é uma partilha de conhecimento que pode estar contigo em um livro ou na vida", pontua.

"Podemos dizer que ela (mediação de leitura) acontece cotidianamente quando acessamos o conhecimento através das pessoas de nosso círculo social. Mas assim como o papel da educação formal acontece porque o mundo é um lugar muito mais complexo do que nossas vivências locais, a mediação de leitura é um processo de formação de leitores que tem por objetivo democratizar a leitura e contribuir para o processo de letramento de nossa sociedade", elucida Raphael Montag, presidente da rede Caldeirão de Bibliotecas.

Conseguir gerar interesse durante a era das telas é um dos desafios. "O mundo virtual é sedutor e cheio de armadilhas. Mas se nenhum adulto entregar um celular, ligar uma TV pra criança e abrir um livro e ler pra ela, a mágica acontece", salienta Argentina. "Dar livros embalados em pacotes de presente, criar espaços e momentos de leitura em família, sentar no chão e espalhar livros, criar um ambiente que dialogue com a mágica do livro", exemplifica.

Raphael Montag aponta o acesso precoce aos smartphones como parte do problema. "Hoje muitas crianças têm acesso ao celular antes de aprender a ler, isso já é um problema. Na escola, esse lugar privilegiado de formação de leitores, pode-se pensar em rotinas de visita à biblioteca, onde o leitor pode ter a liberdade de pegar emprestado o livro de sua escolha", diz.

"Os pais que possuírem o privilégio de morar próximos a uma biblioteca, podem levar os filhos para a biblioteca do bairro e escolher um livro para si e incentivar seus filhos a escolher um". Contudo, Raphael destaca que a tecnologia não é o principal vilão: "mas, no fim das contas, o nosso maior desafio não é contra as tecnologias, mas a inexistência da biblioteca nos bairros e nas escolas".

Elivelton defende que é preciso encarar a tecnologia como aliada."O primeiro desafio de todos é você tentar se livrar desse olhar crítico, negativo, sobre essas ferramentas e tentar saber utilizá-las a seu favor", argumenta o professor.

Tiaia Tavares reitera que a falta de acesso e incentivo à leitura é um dos pontos que afastam as pessoas da atividade. "No entanto, cotidianamente, o que observo no Cabinhas Leitores são crianças e jovens reais com diferentes graus de familiaridade com os livros e suas leituras possíveis, que, diante de uma prática frequente de descoberta, passam a 'brigar' para ler na roda de mediação".

 

FORTALEZA-CE, BRASIL, 15-01-2025: Mediação de leitura para crianças, na Biblioteca Pública Estadual do Ceará (BECE), com o grupo Zepelim de Arte. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 15-01-2025: Mediação de leitura para crianças, na Biblioteca Pública Estadual do Ceará (BECE), com o grupo Zepelim de Arte. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Os desafios de realizar mediação de leituras

A falta de bibliotecas na Capital é um dos obstáculos mais graves que atrapalham a realização de mediação de leitura, conforme afirma Raphael Montag. Ele aponta o problma como estrutural. "Nos últimos anos tivemos o fechamento de diferentes livrarias e na última pesquisa do Retratos da Leitura, houve uma diminuição no número de leitores", diz.

"Ainda somos indivíduos nadando contra a maré, embora muitos tenham contribuído para que alguns territórios aqui da cidade não sofram tanto com esse declínio", continua Raphael, que é um dos idealizadores da Biblioteca Viva Barroso.

A paulistana Tiaia Tavares concorda que o problema é a ausência de valorização a cultura na prática. "Pense bem: se algo é prioridade absoluta para nós, daríamos um lugar de destaque para isso, certo? Mas não é o que vemos. O Brasil diz que os direitos de lazer, cultura e convivência comunitária das crianças e jovens são prioridade absoluta", reflete.

"No entanto, isso está longe do artigo 227 da Constituição Federal, quase como se fosse esquecido. Esse detalhe mostra que o sonho de ser um país de leitores é mais uma ideia bonita no papel do que uma realidade. Isso tem consequências sérias, começando pela falta de investimento no orçamento público", salienta a também graduada e mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco da Universidade de São Paulo (USP).

Uma das soluções para esse cenário é mapear espaços de leitura na Cidade para a realização de programas de formação de leitores nesses locais, segundo indica Raphael. "Há muitas bibliotecas que inclusive ocupam essa lacuna deixada pela falta de investimento público".

Ele aponta algumas soluções: a instalação de bibliotecas nas escolas, a contratação de bibliotecários via concurso público e a formação de professores que já trabalham em bibliotecas para fazer os trabalhos de mediação."Essas coisas já fazem uma enorme diferença no cenário atual e diferente do que se pode pensar é básico e perfeitamente possível", propõe ele, que é presidente da Rede Caldeirão de Bibliotecas.

Tiaia Tavares sugere que para viabilizar o cenário da mediação de leitura é preciso avançar com o Projeto de Lei Municipal nº 574 de 2021 - que propõe criar o Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca. "Além disso, é essencial ter políticas sólidas e permanentes, que não dependam das decisões de quem está no poder no momento".

"Outro ponto importante é evitar iniciativas que servem apenas para aparecer, como eventos baseados em datas comemorativas ou projetos sem continuidade", pontua a paulistana. "Ou incentivar iniciativas [sic] como uma geladeira embolorada, cheia de apostilas encadernadas situada em um terminal de ônibus e chamar isso de biblioteca é um escárnio", critica a mediadora.

Para Tiaia, uma biblioteca não é só um espaço com livros. "Ela precisa de atividades que estimulem o hábito de ler, organização para manter e renovar o acervo, e um ambiente que promova encontros e acesso à comunidade", orienta.

"Formar leitores e criar o hábito da leitura é um processo complexo e leva tempo. Não funciona com ações isoladas ou de curto prazo. A mediação de leitura exige encontros constantes e espaços que incentivem a leitura de forma contínua e duradoura", finaliza.

 

FORTALEZA-CE, BRASIL, 15-01-2025: Mediação de leitura para crianças, na Biblioteca Pública Estadual do Ceará (BECE), com o grupo Zepelim de Arte. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 15-01-2025: Mediação de leitura para crianças, na Biblioteca Pública Estadual do Ceará (BECE), com o grupo Zepelim de Arte. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Locais que realizam mediação de leituras

Biblioteca Comunitária Papoco de Ideias

  • Quando: segunda-feira  sexta-feira,
    de 8h às 17 horas, e nos fins de semana, das 14h às 17 horas
  • Onde: Travessa Piauí, 387 - Pici
  • Mais informações: no Instagram @papocodeideias

Cabinhas Leitores

  • Quando: quinta-feira, das 14h às 17 horas; sexta-feira, das 8h às 11 horas; sábado,
    das 14h às 17 horas
  • Onde: Rua Senador Álvaro Adolfo, 1369 - Padre Andrade
  • Mais informações: no Instagram @cabinhasleitores

Biblioteca Viva

  • Quando: de terça-feira a sábado,
    das 9h às 17h30min
  • Onde: Avenida Capitão Waldemar Paula Lima, 680 - Barroso
  • Mais informações: No Instagram @bibliotecavivaoficial

Livro Livre Curió

  • Quando: todos os dias, das 7h às 20 horas
  • Onde: Rua George Sosa, 109 - Curió
  • Mais informações: no Instagram @livrolivrecurio

Biblioteca Adianto

  • Quando: terça-feira, das 9h às 11 horas e das 16h às 20 horas; quinta-feira, das 9h às 11 horas e das 16h às 20 horas; sábado, das 9h às 11 horas
  • Onde: rua Santa Isabel, 70 - Barra do Ceará
  • Mais informações: no Instagram @bibliotecaadianto

Biblioteca Estadual do Ceará

  • Quando: todas as sextas-feiras, às 16 horas
  • Onde: Av. Pres. Castelo Branco, 255 -
    Moura Brasil
  • Mais informações: no Instagram @bece_bibliotecaestadualdoceara

 

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